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11 tiros, 4 Guardas Municipais e um homem executado: violação dos Direitos Humanos e desencontros das narrativas

A cidade dorme enquanto tiros são disparados. Na noite de domingo, 22 de março, enquanto parte da população procurava se abrigar em quarentena contra a Covid-19, Alex Sander do Nascimento Simões, 33 anos, foi morto pela Guarda Municipal de Teresina, que a ele desferiu 11 tiros, na Rodoviária Governador Lucídio Portella, na zona sul de Teresina, na BR 343.

Desde então houve um desencontro de muitas narrativas, que aqui tentaremos elucidar minimamente, pois é comum a criação de muitas versões quando o discurso oficial lida com os invisíveis do país. Para o poder público Alex Sander era só mais um desses invisíveis, dos quais a vida não tem muita importância. Para para a mãe, a irmã, o filho e toda a família, ele era muito mais do que isso, “era um rapaz trabalhador, pai de um filho de 3 anos, que sofreu quando desceu em Teresina e foi brutalmente assassinado”, relata a irmã Letycia Cândido do Nascimento Simões. A família veio de São Paulo, fazendo vaquinha, assim que soube dos fatos pela internet. Sim, cruelmente a família só soube do ocorrido pela internet. 

Alex Sander estava fugindo do Covid-19 para o refúgio de sua família, mas tinha uma Guarda Municipal no meio do caminho. Segundo sua irmã, ele “saiu de São Paulo para vender artigos religiosos no Pará, porque lá a religião é mais forte e as vendas fluem mais.  Por conta do Covid-19 ele resolveu voltar para São Paulo e ficar com a família. Ele começou a sentir dificuldade em vender os artigos no Pará, ele batia de porta em porta e as pessoas não estavam mais querendo atender”, diz Letycia. 

Os desencontros e o descaso 

Quando o ônibus fez parada na Rodoviária de Teresina, ele não mais voltaria. Segundo o noticiário local, o homem “desembarcou” e teria sido visto agredindo mulheres; mas o inquérito policial não confirma esta informação. A Guarda Municipal de Teresina não foi acionada, mas ia passando pela localidade e tentou conter e garantir a segurança pública, que é o seu dever. Dentre as narrativas que surgiram posteriormente no noticiário, há afirmação de que Alex teria tentado roubar uma pistola (dos quatro policiais) e também roubar a viatura. As notícias podem ser vistas aqui e também aqui

Em nota, Samuel da Silveira, secretário municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas da Prefeitura de Teresina, relata que “as equipes fizeram a abordagem e ordenaram que o acusado recuasse. Mas, ele reagiu, tentando roubar a arma de um dos guardas e também adentrou na viatura para empreender fuga. A Guarda Municipal agiu de ofício, em tese, em legítima defesa e também na defesa dos populares e reagiu para conter a ação, que, infelizmente, acabou resultando na morte do acusado ainda no local”, afirma, visivelmente se adiantando à defesa dos guardas. 

Até aqui algumas perguntas já começam a aparecer na cabeça de vocês? Nas nossas, sim! Porque o homem desembarcou se ele estava em trânsito? Como a Guarda Municipal agiu em defesa da população desferindo 11 tiros em local com grande número de pessoas e movimento? Como um único homem não pode ser contido por 4 guardas? Mas a história pode ficar um pouco mais cruel e o desencontro das narrativas continuam.

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A história que a mídia e a prefeitura não contaram

Ocorre que no Boletim de Ocorrência, feito pela Delegacia de Homicídios, a história toma outros contornos. No documento consta que o homem saiu visivelmente perturbado do ônibus, se lançando contra os carros na BR 343. Nessa conturbação, ele acabou por causar conflito com um motoqueiro e populares acabaram intervindo no confronto. Segundo o Boletim, “a vítima saiu correndo em direção ao viaduto próximo ao Hotel Horizonte quando dois jovens avistaram a vítima se alto (sic) mutilando com uma pedra e ao se aproximarem da vítima foram agredidos”. 

Alex Sander se automutilava à beira do viaduto! Se automutilava e a Guarda Municipal não observou que havia uma gravidade nisso, exigindo, portanto, outra abordagem. Segundo Boletim de Ocorrência, os populares viram o ocorrido e se aproximaram do rapaz, os mesmos foram recebidos com agressão. 

Pedras e poste sujos de sangue. Fotos: DHPP

Alex Sander foi alvejado por 11 tiros, dos quais cinco pegaram nele. Segundo a narrativa da mídia, isso ocorreu quando ele tentava roubar a viatura e a pistola dos quatro guardas municipais e, assim, se ceifa uma vida e a tormenta da família estava só começando. Mas no Boletim de Ocorrência nada é dito sobre tal. O advogado de Defesa, Emerson Samuel, observa que é urgente que se abra uma investigação séria e comprometida. 

De acordo com a irmã de Alex Sander, Letycia, ele saiu de Tucumã (PA) no dia 21 de março e depois disso  a família não teve mais contato com ele. A última pessoa que falou com Alex foi a mãe dele, Fátima Cândido do Nascimento Simões, enquanto ele estava no ônibus dizendo que já estava voltando. Depois disso ninguém mais conseguiu falar com ele, a família começou a ficar preocupada e então passaram buscar informações na internet.

“Entramos em choque e imaginamos que o Alex poderia ter sido roubado e que essa pessoa da notícia fosse outro homem. Entramos em contato com a rodoviária, delegacia . Na delegacia, por telefone, houve demora, até que enviaram um laudo e isso era quarta feira já . 

Minha mãe , desesperada quis vir até Teresina para apurar de perto o que aconteceu e ter certeza que essa pessoa era o Alex. A história estava muito estranha e contraditória”, conta a irmã. 

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E a violação dos Direitos Humanos?

A situação vai tomando um corpo de dor e desolamento de um lado, mas de indiferença por parte das autoridades. Maria Sueli Rodrigues, advogada e professora de Direito da UFPI, nos conta sobre a gravidade do rapaz carregar celular e documentos e em nenhum momento a família ter sido acionada, classificando-se uma violação dos direitos humanos.

Maria Sueli é membra do Grupo de Pesquisa e extensão DIHUCI (Direitos Humanos e Cidadania) da Universidade Federal do Piauí e o mesmo entrou com uma “Representação Denúncia de Violação de Direitos Fundamentais e de Direitos Humanos”. 

Segundo a Representação: “O relato indica uma situação de descontrole emocional e execução por parte da Guarda Municipal de Teresina, que usou de arma de fogo para deter uma pessoa, que não guardava nenhuma paridade em relação a Guarda e a populares que se encontravam no entorno, considerando que estava sozinho e desarmado, executou-o com 11 tiros. O Sr. Alex Sander foi morto e seu corpo foi encaminhado para o Instituto Médico Legal, onde se encontra até o presente momento”.

A Representação destaca ainda que a família carece de recursos e tem feito esforços com o fim de proceder ao seu transporte funerário. E ainda solicita que o Ministério Público  atue no aferimento de violação dos direitos fundamentais e direitos humanos no uso desproporcional da força a um civil desarmado e com visíveis traços de crise psicológica. 

“É papel da segurança pública conter uma pessoa que está desequilibrada. Agora dá 11 tiros? Para constar, não precisava fazer isso. Isso é uma execução e o Estado, nem em nome da segurança pública, pode executar uma pessoa. Se eles não tinha outros meios, não poderiam dar tiro em lugar letal. Isso que a guarda fez foi um ataque à vida e a função desse ordenamento jurídico que é fundamentado por direitos fundamentais, que são os mesmo direitos humanos, com a diferença é que foram positivados na Constituição de 88, a primeira coisa é proteger a vida das pessoas”, assegura Sueli. 

Sueli aponta que neste caso, caberia ao Estado, na pessoa do delegado de polícia que conduz o inquérito, informar à família e ainda seria necessário abrir investigação para saber se foi uma execução ou legítima defesa. 

O advogado da família, Emerson Samuel, militante dos direitos humanos que foi acionado pela família assim que chegou em Teresina, preocupa-se com o fato de que o corpo já está há 10 dias no IML e que nada tenha sido feito para garantir o translado do corpo, afetando ainda mais a família. 

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Reportagem feita coletivamente pela Equipe OcorreDiário!

Nota: inicialmente havíamos publicado o número de 16 tiros, que seria a somatória de 11 tiros contabilizados pela Polícia Civil na viatura da guarda municipal com os 5 tiros que atingiram Alex Sander, entretanto, a investigação segue em andamento e não há como afirmar que os tiros que atingiram a viatura são diferentes dos tiros que atingiram a vítima. Por esse motivo, editamos a informação e passamos a utilizar o número de 11 tiros, o que não reduz em nada a gravidade e brutalidade do caso.

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