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30 dias e um futuro nas mãos: editorial do Ocorre Diário demarca a importância histórica das Eleições 2022

Em 2018, ano da eleição que elegeu o atual presidente da república Jair Bolsonaro, as perguntas “O que é facismo?” e “O que é intervenção militar?” estavam no topo do pódio do Google Trends, que identifica as principais buscas no navegador. De 1964 a 2022, a palavra “fascista” foi usada 954 vezes em discursos na Câmara dos Deputados, em Brasília, segundo a BBC. Dessas, 411 vezes (ou 43% das ocorrências) aconteceram apenas nos últimos cinco anos. 

Vivemos tempos sombrios no Brasil, onde o retrocesso parece ser lei natural. A pandemia da Covid-19 já tirou mais de 682 mil vidas, a maioria delas, devido a negligência, ingerência e descaso de quem jurou defender e proteger a nação. Bolsonaro, sem provas, ameaça corriqueiramente a já frágil democracia brasileira, não medindo esforços para questionar o resultado das eleições e incitar possíveis golpes. 

A fome voltou a ser manchete nos jornais. Os supermercados passaram a vender ossos e peles de galinha. As latas de lixo passaram a ser mais frequentadas por pessoas em busca de alimentos, ao invés dos gatos de rua. A rua, aliás, virou casa pra muita gente. O desespero não deu muitas opções, a quem já não tinha quase nada. 

Hoje, são mais de 33 milhões de pessoas sem ter o que comer,  três vezes mais do que em 2018. São 125,2 milhões de brasileiros que vivem com algum grau de insegurança alimentar (58,7% da população do país). Os números são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).

Sem uma resposta contundente à grave crise que estamos enfrentando, o Governo Federal ainda dificultou como pode a liberação do auxílio emergencial e, na contramão desse cenário caótico, buscou incentivar o acesso à bens de pouca necessidade, retirando impostos para importação de lanchas, motos aquáticas e suplementos alimentares (Whey). Enquanto isso, nos supermercados, a cesta básica teve um aumento de mais de  23% só nos últimos 12 meses, sendo o DIEESE. 

Cartazes espalhados na Av. Paulista, em São Paulo, denunciando a alta no preço dos alimentos, devido ao (DES)governo Bolsonaro. Foto: Bruno Torturra/Twitter

Bolsonaro facilitou ainda o acesso à armas de fogo. O número de licenças subiu 473,6% de 2018 a 2022, segundo dados do Anuário de Segurança Pública, divulgado em junho deste ano. Sem falar dos altos índices de desmatamento registrados nos últimos 4 anos e nas portas abertas para o avanço do agronegócio, inclusive, com a liberação de mais de 200 agrotóxicos proibidos no país. Não se fala mais em mudança climática, são as emergências climáticas que estão na ordem do dia, e o governo federal, com o apoio do atual presidente, continua “passando a boiada” nas legislações ambientais. 

Motivos não nos faltam para afirmar que esse governo é um governo da morte. Apesar disso, o cenário de polarização política, potencializado pela desinformação e discursos de ódio nas redes sociais, ainda deixa uma margem perigosa para que Bolsonaro possa se reeleger. Evitar que isso aconteça talvez seja a principal tarefa da nossa geração, sobretudo, daqueles e daquelas que acreditam em um futuro onde o amor vencerá o ódio.

O Ocorre Diário, enquanto Plataforma de Comunicação Popular e Colaborativa, foi idealizado e forjado nas mentes e corações de jovens estudantes em mobilizações que rasgavam o Brasil de cima a baixo, contra implementação de políticas neoliberais na educação, meio ambiente e comunicação (entre outros) durante os governos Lula e Dilma. Ocupamos as ruas e praças, mas também as universidades, reitorias e  ministérios para defender um projeto popular de sociedade, de comunicação e de educação. Sabemos, como muitos e muitas, todos os graves ataques sofridos pela juventude, pelo povo preto e indígena, pelas mulheres e pela classe trabalhadora, durante os 13 anos de Governos do PT.

Protesto realizado realizado pela ExecutivaNacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS), em Brasilia, durante governo da Ex. Presidenta Dilma Rouseff (2012).

No momento, não temos a ilusão que os próximos quatro anos serão diferentes, em caso de uma vitória de Lula. Os acordos com Geraldo Alckmin e partidos da direita e do centrão são anúncios do que está por vir. As políticas de conciliação podem agravar o atual cenário em que a extrema direita avança, tornando ainda mais complexa a conjuntura política e social do Brasil nos próximos anos. Exemplo disso é, não haver em dado momento, nenhuma candidata ou candidato à presidência negre com destaque nas mídias de massa, fazendo uma real disputa do discurso político sobre os problemas de raça e classe que assolam o Brasil.

Ter essa convicção, todavia, não é suficiente para compreender a complexidade histórica que está em jogo nessas eleições. Em 2022, não se trata de escolher qual projeto político vai nos representar nos próximos 4 anos, ao contrário, trata-se de escolher em qual regime de Estado queremos estar: se em uma democracia ou em um regime de ódio com fortes marcas autoritárias e fascistas.

Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Luiz Felipe d’Avila (Novo), Eymael (DC) e Soraya Thronicke (União Brasil), embora com projetos políticos distintos, são parte de um mesmo campo, onde a lei do mercado é que rege as decisões políticas; onde os patrões serão privilegiados e os trabalhadores, mais uma vez, negligenciados. Na outra ponta, Vera Lúcia (PSTU) e Leonarnado Pericles (UP) são os unicos candidatos/as negros disputando as eleições deste ano. Junto à Sofia Manzano (PCB) compõe o campo mais à esquerda e com as propostas que melhor atendem ao povo preto, indígena e periférico. Apesar disso, a conjuntura nos impõe pensar para além dos programas, inserindo nas análises também a viabilidade eleitoral como elemento fundamental para derrotar Bolsonaro nas urnas e o bolsonarismo nas ruas. Nesse aspecto, apenas Luis Inácio Lula da Silva (PT) tem apresentado condições reais e concretas para fazer isso.

Nós, do Ocorre Diário, não compactuamos com grupos e indivíduos de base ideológica conservadora, neoliberal e facista,  que desrespeitam os direitos humanos e da natureza, orientação sexual, identidade de gênero, liberdade religiosa e que atuam de maneira corrupta e desonesta ou que violem os princípios da dignidade humana. Na construção de um jornalismo posicionado e do lado do povo preto, periférico, indígena e trabalhador, entendemos a necessidade urgente de mudar a fotografia social do poder, como afirma Vilma Reis, de aquilombar os espaços de decisões, de aldeiar sonhos e lutas nas Câmaras, Assembleias, Congresso e o Planalto Central. 

Os posicionamentos e ações fascistas, racistas, LGBTfóbicas, misóginas e antidemocráticas de Bolsonaro refletem o imenso retrocesso social que enfrentamos. Por isso, nessas eleições, nosso voto é pela democracia, contra Bolsonaro e o bolsonarismo. Não se trata, todavia, de um voto de esperança que Lula vai sanar os graves problemas sociais do Brasil, uma vez que a desigualdade social tende a permanecer, já que não há nos planos de Lula e do PT uma transformação estrutural da nossa sociedade. Mas, por outro lado, se trata de um posicionamento crítico, mas sem fugir da responsabilidade que a conjuntura nos impõe; se trata de analisar taticamente o contexto político e social, sem abrir mão dos princípios que nos fazem ser quem somos!

A classe trabalhadora e intelectual orgânica deste país, bem como os povos guardiões de nossas águas, matas e territórios, que tudo produz e a eles tudo pertence, tem aprendido ainda mais desde que um governo populista esteve no poder. Apresentamos, e por vezes entregamos nossas pautas, avançamos em políticas públicas, leis, órgãos e espaços de diálogo. Mas não foi o suficiente para salvaguardar nossas vidas e o projeto de nação que acreditamos.

Também por isso, no contexto das Eleições Estaduais, não podemos nos furtar das críticas ao Governo do PT, sobretudo, no trato com a economia, meio ambiente, educação e segurança pública. Em seus governos, o Agronegócio avançou em terras indígenas e biomas como cerrado, caatinga e Mata Atlântica estão fortemente ameaçados, levando muitas vezes o Piauí ao topo do ranking nacional de desmatamento. Em 2021, foram desmatados 189 hectares por dia no Piauí, segundo o Relatório Anual de Desmatamento (RAD), desenvolvido pelo projeto MapBiomas. E está comprovado que no cerrado, 92% do desmatamento é promovido pelo setor do agronegócio. 

Totalmente à mercê do empresariado, os governos do PT não barraram esse processo, ao contrário, incentivaram. A iniciativa privada tem encontrado, nos últimos anos, cada vez mais espaço no setor público através das privatizações, eufemisticamente chamadas de parcerias público-privadas (PPPs). O Piauí, sob um governo do estado do PT, é quem assume a liderança nacional na implantação de PPP’s, de acordo com um levantamento do Portal G1. O que os números nos mostraram, ainda em 2019, era uma completa entrega dos serviços fundamentais à iniciativa privada, sendo 40 projetos entre executados, em estudo ou em fases mais avançadas para serem licitados. Rodoviárias, espaços culturais, hospitais e até na educação a iniciativa privada começa a impor suas dinâmicas de funcionamento, que encarecem ainda mais a vida de quem mais precisa. 

A única universidade pública do Piauí está abandonada há muito tempo. Faltam professores, técnicos, recursos e estruturas para o seu pleno funcionamento. Sobram gambiarras e promessas não cumpridas, que mantêm a universidade viva, embora, na UTI. Nas periferias, o povo continua a morrer, senão de fome, de bala. A desigualdade social assola o Piauí de uma forma que dificilmente encontraremos em outras regiões. 

Diante disso, em nossas mídias, assumindo a responsabilidade que esse cenário nos impõe, abriremos espaços para divulgação de candidaturas locais, à esquerda e que representam um projeto popular e anticapitalista, que de fato apresentam soluções concretas para esses graves problemas que enfrentamos no cotidiano. Daremos ênfase e pretendemos expandir a voz, principalmente das candidaturas que possuem seus horários eleitorais cerceados na televisão aberta e nos grandes conglomerados de comunicação. 

Entretanto, sendo uma plataforma suprapartidária, não nos comprometemos com nenhuma campanha eleitoralmente.

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