Press ESC to close

A democratização da internet como ferramenta de acesso a direitos em meio à Pandemia

A internet vem sendo amplamente utilizada como uma ferramenta acesso a políticas de distribuição de auxílios e benefícios à pessoas impactadas pelo isolamento social necessário para combater o Novo Coronavírus. Mas como fazer isso de modo igualitário, em país que conta com um dos serviços mais caros do mundo e em um estado onde pelo menos 40% da população não tem acesso a internet? 

.

Por Luan Matheus, 

jornalista e mestrando do PPGCOM/UFPI

.

No dia 18 de Março de 2020, portanto há 12 dias,  a Prefeitura Municipal de Teresina emitiu um decreto suspendendo aulas nas escolas municipais da cidade. No dia seguinte (19/03), o Governo do Estado decretou situação de calamidade pública, suspendendo atividades do comércio, shoppings e eventos esportivos. No dia 20/03, a Prefeitura emitiu novo decreto, também suspendendo atividades econômicas do município. As medidas de isolamento social seguem as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo hoje a única medida comprovadamente eficaz contra o avanço de uma doença que ainda não tem remédio, nem vacina.

A decisão de parar trouxe grandes desafios e muito medo, em especial por parte dos trabalhadores informais e autônomos, onde ficar em casa significa também ficar sem renda, sem comida na mesa e sem perspectivas. Para jovens estudantes, o medo é que a suspensão das aulas possa significar a perda do ano letivo. Para as mães e pais desses estudantes, o medo é não ter a comida na mesa todo dia.

Medos comuns em momentos de crise, que devem ser prontamente sanados pelos governos. O Artigo 8 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado “garantir a todos uma qualidade de vida compatível com a dignidade da pessoa humana, assegurando a educação, os serviços de saúde, a alimentação, a habitação, o transporte, o saneamento básico, o suprimento energético, a drenagem, o trabalho remunerado, o lazer, as atividades econômicas e a acessibilidade, devendo as dotações orçamentárias contemplar preferencialmente tais atividades, segundo planos e programas de governo”.

Em meio a Pandemia do Novo Coronavírus, as respostas dos governos começaram quase um mês após a confirmação do primeiro caso no país. No Piauí, coincidentemente, as medidas mais energéticas vieram no mesmo dia em foram confirmados os primeiros casos no estado (19/03). Entretanto, as medidas de proteção às pessoas em situação de maior vulnerabilidade social (trabalhadores autônomos, informais e desempregados) só começaram a surgir duas semanas após o início das políticas de isolamento social. 

Após pressão de entidades comunitárias e do Ministério Público, a Prefeitura de Teresina anunciou que vai começar a distribuir a merenda escolar para as famílias dos estudantes da educação básica. As listas com o nome das pessoas beneficiadas estão sendo divulgadas nas redes sociais das escolas e creches. Antes disso o programa Teresina Solidária começou a divulgar na internet um cadastro para recebimento de cestas básicas. 

Para resolver o problema da suspensão das escolas, o Governo Estadual estuda a possibilidade de aulas online no período de isolamento social. Mesmo a contragosto do presidente Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram uma renda básica no valor de R$ 600,00 (Que pode chegar até R$ 1200,00), destinada à trabalhadores autônomos e informais, impactados pela suspensão das atividades do comércio. Para ter acesso, os trabalhadores devem fazer inscrição em um site, que será divulgado pelo Governo Federal.

Em comum todas essas ações exigem da população cadastros online, que por sua vez necessitam de uma infraestrutura de acesso. Quer sejam as cestas básicas distribuídas pela Prefeitura, às aulas online da Secretaria de Educação ou mesmo a Renda Básica aprovada na segunda-feira (30/03), o acesso a internet tem sido um elemento central de acesso a informação e garantia de direitos.

O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação há algum tempo alerta para esse cenário, onde “cada vez mais, a economia, os serviços públicos e privados, e o exercício da participação política, do acesso à informação, à cultura e da liberdade de expressão estão mediados pela Internet”.

Agora como garantir isso em um estado onde quase  metade da população não tem acesso à internet e, quando tem, é por meio de uma infraestrutura de péssima qualidade. A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua – PNAD Contínua, que trata sobre o acesso a internet no Piauí, divulgada em 2018, revelou que 42,5% dos domicílios no estado não possuíam acesso à internet,  o segundo maior índice do Brasil. Estamos falando de 428.825 domicílios sem internet.

As principais razões para a não utilização desse serviço, segundo a pesquisa, era o alto preço cobrado pelo serviço de internet, seguido pela falta de informação quanto ao uso. Isso mostra que, embora o Marco Civil da Internet – Lei n. 12.965/2015 reconheça que o acesso a internet como essencial ao exercício da cidadania, a nossa realidade reflete o contrário.

Os motivos apresentados pela pesquisa do para o não uso da internet foi recentemente comprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, que confirmou que o Brasil paga o imposto mais caro do mundo em banda larga fixa. No ano passado, uma  pesquisa divulgada pelo site britânico Cable, colocou o Brasil no ranking dos 100 países do mundo com as maiores tarifas dos planos de internet. 

Diante disso, não é preciso ter bola de cristal para prever que muitos trabalhadores e trabalhadoras (desempregados/as ou informais) devem ficar de fora desses direitos por falta de informação. Por isso é tão importante pensar acerca da democratização do acesso a internet, como uma política social de cidadania, fundamental para a consolidação de um estado democrático. Se uma única pessoa não tem acesso à direitos universais por falta de informação, isso já é suficiente para demonstrar a ineficiência de uma sistema de comunicação completamente privatizado, onde o acesso (e a qualidade desse acesso) depende de quanto dinheiro cada pessoa pode gastar com o serviço. 

Escrevo esse artigo, para um portal da internet, cujo objetivo é atender as demandas de moradores das periferias e grupos sociais subalternizados, mesmo sabendo que grande parte das pessoas nas quais buscamos atingir não terão acesso a esse conteúdo, exatamente por não ter acesso a internet. Recebemos, aqui no Ocorre, denúncias e dúvidas de moradores de alguns bairros da cidade, sem informação e como medo de não receberem os benefícios que estão sendo anunciados pelos gestores públicos. Acesso à informação é um direito e precisa ser garantido a todos e em toda sua diversidade política, social, cultural e histórica. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Pular para o conteúdo