Um Especial do Ocorre Diário e Projeto Redação Nordeste | Texto/reportagem: Luan Matheus Santana, Karla Luz e Sarah F. Santos | Produção: Sabrina Moraes, Maura Vitória e Glenda Uchôa
Em 2024, ano marcado por eleições municipais, o direito à cidade emerge com pauta central na maioria das cidades nordestinas. E não por coincidência. Cada vez mais caminhamos para um futuro onde as cidades se tornarão inviáveis do ponto de vista da mobilidade urbana. Por isso, precisamos de soluções urgentes. O que você vai ler a partir de agora é um especial produzido pelo Ocorre Diário, em parceria com o Projeto Redação Nordeste e Marco Zero Conteúdo. Outras cinco organizações parceiras também participam desse esforço coletivo de refletir sobre transporte coletivo em cinco estados do nordeste.
Teresina enfrenta uma crise profunda no sistema de transporte coletivo, afetando diretamente a vida de milhares de pessoas. A situação, que já se arrastava por mais de 10 anos, tornou-se insustentável, levando ao caos urbano e a prejuízos milionários para a economia local. Os problemas estruturais, a falta de manutenção da frota e a ausência de soluções efetivas colocam em risco o futuro da mobilidade na capital piauiense.
Nosso itinerário começa pela Avenida Frei Serafim, palco da maior mobilização social da história do Piauí em defesa da mobilidade urbana e do transporte coletivo, em 2011. Nas próximas linhas, vamos percorrer os principais fatos históricos, políticos e sociais que levaram a cidade de Teresina a ter um dos piores sistemas de transporte coletivo do país. Vamos saber o que pensam e o que propõem os candidatos à prefeitura da cidade sobre essa crise e passar por lugares estratégicos, para entender a dimensão desse caos. A parada final é no terminal das soluções, onde vamos conhecer experiências que deram certo e apontar outros itinerários que podem levar ao fim dessa crise e assegurar um direito básico da população, que é o direito à cidade.
Dos indignados à fiscalização social
Era setembro de 2011. A avenida Frei Serafim foi palco de uma revolta coletiva contra o aumento da passagem de ônibus. Mais de 30 mil pessoas, a maioria estudantes, foram às ruas ao longo de uma semana de intensas manifestações. Protestos que barraram o aumento da passagem e congelaram a meia-passagem estudantil. Até hoje, 13 anos depois, o reajuste da meia estudantil segue os acordos frutos desse momento.
Mas não sobre isso que queremos falar. O #ContraOAumentoTeresina, como ficou conhecido, foi movimento é fruto de um longo processo, onde a sociedade intensifica seu seu olhar para o transporte coletivo e pressionou, com mais força, as empresas e poder público. Foi essa pressão que também levou o Ministério Público a intervir, cobrar dados e mais transparência.
“Naquele ano de 2010, eu estava na Promotoria dos feitos da fazenda pública. Logo no início de janeiro, houve um aumento da passagem de ônibus, que era frequente em janeiro. Olhando nos portais, havia a notícia. Naquela época tinha o Facebook que era muito presente e tinha os comentários: mais uma vez e ninguém faz nada. Aquilo ali me veio à mente para entender a questão do transporte. Naquele momento foi incipiente, nós requisitamos a informação da prefeitura sobre o porquê do aumento, mas a prefeitura não respondeu. A partir dali ingressamos com ação para suspender o aumento da passagem, com base no que a prefeitura não tinha nos dado informações necessárias. Naquele ano o juiz decretou a suspensão e logo depois foi revogada. Mas o fato de, naquele momento, a gente ter conseguido a liminar, já chamou atenção da intervenção do Ministério Público, ”, explica o Dr. Fernando Santos, ex. promotor de justiça, que esteve à frente da pauta do transporte por mais de 10 anos.
Desintegrado: ausência de uma política de mobilidade empurrou o transporte de Teresina para o caos
Em 2013, o sistema de Transporte Público de Teresina operava com 550 veículos, distribuídos em 103 linhas regulares, mas já naquela época, os sinais de esgotamento do sistema eram nítidos. As linhas de ônibus conectam os bairros ao centro, mas elas começaram a perder eficiência. As sobreposições de rotas e os congestionamentos nas vias exclusivas para ônibus evidenciaram que algo precisava mudar. “Eu pego essa linha faz muito tempo e já me atrasei várias vezes, em vários momentos do dia”, entrevista reclamação.
A tentativa de solução veio com a criação do Sistema Inthegra, implantado em 2015. proposta era promissora: um sistema que interligaria bairros, terminais e o centro da cidade. O objetivo era melhorar a mobilidade, reduzir tempos de viagem e integrar a cidade, mas algo deu muito errado, como lembra o Dr. Fernando Santos. “Antes do Inthegra, a gente tinha um sistema chamado radial, onde a pessoa ia do bairro para o centro. O Inthegra faz o sistema troncal, que a pessoa vai do bairro para o terminal e do terminal para o centro. Esse sistema racionaliza o transporte. Se você tinha 550, em 2015 (primeiro ano do Inthegra) você vai ter 413 ônibus. De fato, com a racionalização do sistema haveria uma redução da frota, mas não nessa proporção. Se você lembrar, o primeiro ano do Inthegra foi um ano de grandes congestionamentos nos terminais, que representava essa falha de avaliação do sistema. O problema não era de gestão, mas da quantidade de ônibus”, explica. O sistema já era alvo de críticas dos movimentos sociais pelo direito à cidade, antes mesmo da sua implementação.
Como ressaltou Fernando Santos, antes do Inthegra, o sistema de transporte coletivo precisava de 550 ônibus para funcionar (e ainda nem funcionava lá essas coisas). Agora, conforme explicou Fernando Santos, as empresas retomaram o mesmo modelo bairro-centro de 2013, mas com apenas 250 ônibus. Tem um outro problema, esse ainda mais grave: para o Integra funcionar foram construídos os oito terminais de integração de ônibus em Teresina, que custaram quase 33 milhões de reais aos cofres públicos, mas eles estão abandonados desde 2020. Na pandemia eles serviram de pontos de vacinação e agora, mais recente, a prefeitura queria transformá-los em pontos de apoio para trabalhadores por aplicativo.
“Essa falta de capacidade da prefeitura de fiscalizar, implementar o que estava previsto no Plano Diretor e aceitar as sugestões da população, criou o sistema descontrolado. Esse acúmulo de problemas fez com que as próprias empresas não quisessem mais implantar o sistema tronco-alimentado. Pós pandemia, com a retomada das atividades, as empresas só aceitam retomar o sistema radial anterior. Esse sistema não consegue dar conta dessa rede integrada por meio dos terminais e não consegue satisfazer as necessidades da população”, explica Samuel.
O que estava ruim, piorou: durante a pandemia da Covid-19 o sistema entrou em colapso
Entre 2015 e 2021, a frota de ônibus caiu de 413 para 150 veículos. Uma redução de quase 40% em apenas seis anos. Menos ônibus significa mais tempo de espera, mais superlotação e uma deterioração do serviço como um todo. Um período cortado pela pandemia da Covid-19, que colapsou por completo o sistema. “Tá péssimo. Tem é que voltar, tem que voltar os ônibus, como é que a gente vai trabalhar?”, disse em tom de revolta uma usuária do sistema, em entrevista ao Ocorre Diário no ano de 2020, auge da Pandemia. De dentro de uma Kombi lotada – os chamados ligeirinhos -, a mulher reclamava da precariedade do sistema. Não deu tempo de perguntar seu nome, o ligeirinho foi mais rápido.
Foi exatamente nesse ano que a situação começou a se agravar. Em março de 2020 a Prefeitura emitiu o primeiro decreto municipal suspendendo a circulação de ônibus na cidade. Desse dia em diante, o serviço nunca mais voltou a ter regularidade. Sem ônibus nas ruas, o serviço de transporte coletivo foi realizado durante muito tempo por meio de um esquema precário dos chamados “ligeirinhos”, que são carros, vans e micro-ônibus que circulam sem nenhuma fiscalização. além de um contingente de ônibus sem condições mínimas de higiene e proteção contra a proliferação da Covid-19. Os ligeirinhos continuam por aí, oferecendo um serviço que a gestão do transporte não consegue mais.
Em um ano, entre março de 2020 e março de 2021, foram oito greves e inúmeras paralisações dos trabalhadores do sistema. Não era só a população que estava sofrendo com a precariedade do sistema, os trabalhadores também. “Foram colocados cerca de 30% da mão de obra já pra fora e diminuiu o número de ônibus. Muitos trabalhadores tiveram que ser mandados embora sem receber seus direitos, a gente começou a trabalhar 10, 15 dias, outros por diárias. Foi uma perda muito grande, até hoje tem trabalhadores com problemas psicológicos e tantos outros que a gente acumulou”, relembra o presidente do sindicato dos rodoviários, Antonio Cardoso.
Nos primeiros meses após a pandemia, a frota foi ampliada para 200 ônibus. Em 2022, a demanda já estava em 1,5 milhão de passageiros, segundo dados da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (STRANS). Enquanto o transporte público entrava em colapso, a cidade observou um aumento alarmante na frota de veículos particulares. Nos últimos 20 anos, a frota de veículos licenciados em Teresina mais que quadruplicou. Hoje, a cidade tem mais de 60 veículos a cada 100 habitantes, um crescimento de 125% desde 2008. Isso é um reflexo direto da fuga do transporte público, uma desconexão entre o que o sistema deveria ser e o que ele realmente se tornou.
Em 10 anos, crise no transporte aumenta tarifa em 90% e reduz frota pela metade
O resultado de todo esse vai e volta não poderia ser outro: entre 2014 e 2024, o valor da passagem de ônibus passou de 2,10 para 4,00. Um aumento de 90,4%. Nesse mesmo período, de acordo com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que mede a inflação no Brasil, foi de 77%, ou bem menor que o aumento da tarifa.
A má gestão do sistema ao longo dessa última década, além de deixar a população sem acesso à cidade, circulando em ônibus superlotados e em péssimas condições de conservação, ainda encarece a vida de quem depende de transporte coletivo e rasga dinheiro público, criando verdadeiros elefantes brancos nas avenidas e praças, sem nenhuma serventia.
Essa crise acabou levando o sistema de transporte coletivo de Teresina para uma CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara Municipal de Vereadores.
Tudo que você leu até aqui pode ser escutado, com mais detalhes, Spotify. É o 723 CIRCULAR, um especial do OcorreCast, o podcast do Ocorre Diário, em parceria com o Projeto Radação Nordeste e Marco Zero Conteúdo.
CPI dos Transporte evidenciou enriquecimento ilícito de empresários, envolvendo também ex. gestores públicos
O relatório da cpi do transporte público de teresina, concluído pela câmara municipal de vereadores no final de agosto de 2021 trouxe à luz uma série de irregularidades na gestão do transporte, cometidos tanto pela prefeitura municipal quanto pelas empresas concessionárias. as provas evidenciaram a existência de um esquema de enriquecimento ilícito dos empresários de ônibus, que envolve também ex-gestores da gestão firmino filho, ex-prefeito de teresina, que faleceu em abril de 2021.
As conclusões do relatório permitem avaliar que o esquema acabou sendo fortalecido com o edital de concessão do transporte público de 2014, visto que a concessão foi dada às mesmas empresas que já operam na cidade, inclusive mantendo as empresas nas mesmas zonas de circulação prévias ao edital, ou seja, não houve concorrência pública.
Entre os valores milionários repassados ao Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros de Teresina – SETUT pela prefeitura de Teresina, chama atenção o montante de R$ 71.518.141,86, transferidos nas vésperas da última eleição municipal, entre 2019 e 2020. Além das falhas no sistema de bilhetagem eletrônica, como identificado em 21/07/2021: uma única viagem, uma empresa computou 62.156 passageiros.
O relatório já foi encaminhado para o ministério público estadual, ministérios público federal, ministério público do trabalho, tribunal de contas e à prefeitura de Teresina para adoção das medidas cabíveis. Aqui, gostaríamos de abrir um parênteses. Nossa produção tentou sucessivas vezes um contato com representações do sindicato das empresas de ônibus, o SETUT, que se recusou a gravar e também não encaminharam nota à nossa equipe.
Eleições 2024: o pensam e propõem os candidatos à prefeitura da cidade
O Ocorre Diário consultou todos os nove planos de governos dos candidatos à Prefeitura da Capital para saber o que pensam e propõem cada um deles/as sobre o transporte coletivo na capital. Veja abaixo:
O atual prefeito, Dr. Pessoa do PRD, não apresenta um eixo específico sobre transporte, aponta apenas a migração do meio público para o transporte individual, por conta da pandemia do Covid-19 e defende a implementação de políticas públicas que incentivem o uso de meios de transporte alternativos e sustentáveis, e expansão das linhas de metrô.
O candidato do PT, Fábio Novo, apresenta a questão como eixo central do seu plano de governo, defende a implementação gradativa da tarifa zero no transporte público e a criação de uma agência reguladora de transportes, responsável por regular e fiscalizar os serviços de transporte público da cidade.
Francinaldo Leão do PSOL, apresenta a construção de um plano diretor para a integração sustentável do transporte coletivo, possibilitando a integração do ônibus com outros modais a partir de uma rede de infraestrutura para pedestres e ciclistas; além de criar um fundo público de subsídio ao transporte público com o qual a pmt será responsável pelo pagamento dos motoristas e cobradores.
Geraldo Carvalho do PSTU defende a estatização das empresas de ônibus e ampliação das linhas do metrô, acabando assim com a concessão do transporte público ao setor privado. O candidato também apresentou a proposta de mais uma auditoria no sistema do transporte municipal e a suspensão imediata do repasse mensal de mais de 4 milhões de reais da prefeitura para o SETUT.
A professora Lourdes Melo, do PCO, também defende a estatização do sistema do transporte público municipal, propondo o fim do sistema privado, a professora propõe ainda a gratuidade para toda a população e integração das linhas de ônibus.
Para o candidato do Partido Novo, Professor Tony, a proposta engloba a redução do gasto público municipal através de subsídios e contratos com as empresas privadas de ônibus, redução do tempo médio de deslocamento casa-trabalho, com modernização do sistema por meio de parcerias com o uso de tecnologias e incentivos para investimentos
Santiago Belizário, da Unidade Popular, tem o transporte coletivo como um dos eixos centrais da sua campanha, defendendo a municipalização do transporte coletivo, a redução do valor da tarifa e o passe livre para estudantes e desempregados.
Silvio Mendes do União Brasil, apresenta no seu plano de governo a atualização e execução do projeto sistema viário e de transporte público de teresina, fazendo adequações às necessidades da população, trazendo o conceito da cidades inteligentes , com tecnologias avançadas para melhorar a eficiência, gerenciamento e segurança através da inteligência artificial.
Telsírio do Mobiliza aposta no aumento da frota de ônibus mais modernos e confortáveis, a melhoria na frequência e nas rotas dos ônibus, parcerias com empresas de transporte para a manutenção e operação dos veículos,implementação de sistemas de gestão e monitoramento do transporte público e campanhas de incentivo ao uso do transporte público pela população
Todos os problemas apontados até aqui, acumulados há mais de uma década, parecem encontrar um obstáculo poderoso. Um obstáculo que está relacionado à concepção do transporte público. Dos nove candidatos à prefeitura da cidade, apenas três propõe uma mudança de altera de forma estrutural do sistema. Os demais, apresentam propostas que mantém o sistema nas mãos dos empresários.
Propostas da sociedade civil: da nacionalização ao sistema misto
Fernando Santos, ex. promotor de justiça, acredita que a solução para essa crise passa por compreender os limites que os municípios têm para enfrentar os poderosos do Transporte. Por isso, ele defende a proposta da PEC 25/23, que determina a criação de um sistema único de mobilidade, esse sistema tem como objetivo: universalidade, gratuidade no transporte coletivo urbano, descentralização, rede de transporte integrada e intermodal, e participação social. Mas para o Dr. Fernando, a falta de transparência das empresas é o principal problema do transporte coletivo de Teresina e um problema geral no Brasil.
“A tarifa zero é um caminho viável para solução do transporte público do Brasil, porém, antes da tarifa é preciso resolver os problemas de informação. Qual o custo e arrecadação do sistema? Hoje no Congresso Nacional existem vários projetos de lei tratando do transporte, mas nenhum tem uma sequência efetiva, há um bloqueio na discussão do transporte. Sabemos que muitos municípios não têm capacidade financeira e de gestão para gerir esse sistema. É preciso trazer a União para fazer parte desse sistema, nacionalizar a questão”, acredita e defende Fernando Santos.
Mexer na estrutura base do sistema é o caminho defendido pela Auditoria Popular do Transporte para reverter a crise do sistema de transporte coletivo de Teresina. Para o advogado popular Samuel Santos, coordenador da auditoria, a municipalização é um caminho viável, possível e necessário, mas ele acredita que esse caminho precisa ser construído, inicialmente, com um sistema misto.
“Como temos contrato de concessão de muitos anos com muitos com essas empresas privadas, mas ao mesmo tempo elas não estão garantindo investimentos para um novo momento da economia, onde as pessoas querem acessar direitos e a demanda ao transporte cresce. O preço da gasolina continua alto e o transporte público continua sendo o meio mais acessível para os trabalhadores. Essa frota mista pode viabilizar a tarifa zero, porque é insuficiente criar a tarifa zero apenas com subsídio para as empresas, porque não haverá garantia efetiva de ampliação da frota e do sistema. A tarifa zero fideliza o usuário do transporte público para esse importante modal de transporte”, finaliza Samuel.
Tudo que você leu até aqui pode ser escutado, com mais detalhes, Spotify. É o 723 CIRCULAR, um especial do OcorreCast, o podcast do Ocorre Diário, em parceria com o Projeto Radação Nordeste e Marco Zero Conteúdo.
Terminal das soluções: passe-livre já é realidade em mais de 100 cidades no Brasil
Os muitos problemas dessa crise enfrentam caminhos complexos, que dificultam a identificação das soluções. O que em Teresina são ideias e propostas, em mais de 100 cidades do Brasil já é realidade. Elas adotaram, de algum modo, um formato de transporte que assegura o direito de ir e vir, que garante mobilidade e tarifa zero. Como nenhum direito vem por doação, a tarifa zero foi germinada no sonho de movimentos sociais, vem de um caminhar longo por justiça social daqueles e daquelas que precisam acessar o direito à mobilidade entre os lugares. Para a nossa parada final, conversamos com Daniel Santini, autor do livro “Sem catraca: da utopia à realidade da tarifa zero.
Daniel é um jornalista e cicloativista que se implicou no dia a dia da cidade para pensar soluções para a mobilidade urbana. Ele parte de vivências para ser um pesquisador comprometido, neste último mês lançou o livro “Sem Catraca- Da utopia à realidade do passe livre”, é ele que nos conta que pensar soluções para a mobilidade urbana é muito descomplicado e barato do que pensamos.
Para o autor, as questões do transporte estão relacionadas a forma como as cidades são estruturadas. “Para quem está em um carro, essa pessoa pensa logo em como resolver as coisas de imediato. A primeira delas é pensar em expandir a malha viária. Se eu estou todo dia travado em uma avenida eu quero que essa avenida cresça, quero espalhar asfalto para todo lado. Mas na verdade, quando você tem uma expansão na malha viária, você pode até ter um alívio, mas depois a situação piora, porque aí você tem a demanda induzida”, afirma.
Segundo ele, o conceito de demanda induzida é fácil de entender “É bem simples de traduzir. Se eu tenho mais infraestrutura cicloviária eu vou ter mais ciclista, se eu tenho mais faixa de ônibus eu vou ter mais transporte coletivo, se eu tenho mais avenida eu vou ter mais carro e se tem mais carro o trânsito piora”, explica o pesquisador que defende que a cidade deve estruturada pensando uma mobilidade diversa para as mais diferentes necessidades. Santini acrescenta “Se você tentar melhorar a fluidez olhando para veículos e não pessoas você vai piorar”.
A questão central de pensar o transporte coletivo e a mobilidade urbana como justiça social é entender que este direito está ligado a muitos outros. Diz respeito ao direito à saúde, à educação, à cultura e lazer, segurança pública. Porque sem mobilidade não há acesso ao direito.
Quando a cidade é pensada priorizando o transporte público individual, a saúde se sobrecarrega pelo número de acidentes no trânsito. “Precisamos desincentivar o uso de transporte motorizado individual. Isso gera uma série de custos coletivos. Estou falando de poluição, de aumento de sinistros de trânsito com um número indecente de mortes no trânsito com os quais a gente dá como natural, mas não podemos dar como natural perder tantas vidas no trânsito no Brasil ano a ano”.
Santini fala sobre a questão do passe livre que hoje já é realidade em mais de 100 cidades do Brasil, um processo que se intensificou com a pandemia, uma vez que o número de passageiros diminuiu bastante devido as constantes precarizações, aumentando inclusivo os custos com transporte no bolso da classe trabalhadora.
O caso de Caucaia, no Ceará
Essa realidade apresentada por Daniel Santini já são utopias do presente. No vizinho estado do Ceará, a cidade de Caucaia já embarcou na experiência de uma vida sem catracas. O passe-livre é uma realidade. Não é na europa é bem aqui no nordeste! E quem compartilha essa vivência é a jornalista Tamara Lopes.
Tamara é moradora e usuária do transporte público em Caucaia, uma das cidades que adotou o passe livre. “Aqui em Caucaia existe um programa chamado Bora de Graça, que é um programa da prefeitura de gratuidade nos transportes públicos, especificamente dentro dos municípios. Antes de ser implementado esse programa em 2020, a passagem custava R$ 3,20, fato de não ter que pagar nada para se deslocar foi um benefício muito grande para os trabalhadores, para as mães que precisam levar seu filho em uma consulta, para o trabalhador que ficou desempregado e busca um novo emprego, dentre outras questões de vulnerabilidade social”, explicou.
Apesar do grande benefício, Tamara aponta que é possível reivindicar mais. “No caso, se a pessoa quiser sair de Caucaia, região metropolitana e quiser ir até Fortaleza, que é a capital, aí você vai pagar uma tarifa que chega a quase 5 reais, daí você vai ter um gasto. É uma gratuidade parcial, então poderia ser maior, poderia ser para toda a região metropolitana. Porque existe uma dinâmica em que as pessoas moram em Caucaia e trabalham ou estudam em Fortaleza. Existe um programa de desconto, isenção para desempregados, gratuidade para pessoas com deficiência, para idosos, mas de maneira geral para todo o público você paga”, afirma.
Ainda sobre a cidade de Caucaia, Daniel Santini explica que esse é um caso emblemático de um situação em colapso que não se sustentava mais. “Esse é um exemplo, o grupo empresarial que administra o sistema e faz a gestão dos ônibus, chegou para a prefeitura e disse que não dava mais, não dava para sustentar como estava. O prefeito resolveu que o custo que os empresários estavam exigindo ele conseguiria zerar a tarifa”, explica.
Segundo Santini, o que a prefeitura resolveu inverter a lógica. “O que a prefeitura fez foi dizer que em vez de pagar por passageiro, passaria a pagar por ‘tantos’ ônibus nas linhas que eu determino e nos horários que eu determino. Com essa mudança simples o custo de operação foi diminuído de forma substancial e foi possível incluir no orçamento municipal esse custo”, diz.
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