As eleições de 2022 devem marcar um capítulo importante da história recente do Brasil. Na ponta desse processo, candidatos e candidatas à presidência disputam projetos políticos e ideológicos para o país. Mas este é um processo que não se limita ao executivo nacional, ao contrário, tem forte influência no legislativo e nas bancadas que também devem se eleger nessas eleições, mas que tradicionalmente ocupam um papel secundário, mesmo tendo uma influência central nos rumos do país e na aprovação de leis.
Por isso, observar os candidatos/as à deputados/as estaduais, federais e também para o senado é um importante termômetro das disputas políticas em curso no país e nos estados. No Piauí, um dado em específico chamou atenção e ligou um sinal de alerta: o número de candidatos/as ligados/as às forças de segurança em 2022 é o maior em 24 anos, desde que o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE-PI) passou a disponibilizar publicamente esse tipo de informação, em 1998. Ao todo, são 22 candidatos entre bombeiros militares, militares reformados, policiais civis e policiais militares. O número é 144% maior que o registrado em 1998, quando TRE registrou 9 candidaturas de militares.
Os números, retirados da base de dados do TRE e analisados pelo Ocorre Ocorre, mostram que a escala de candidatos ligados às forças de seguraça se acentua em 2018, ano também da eleição de Jair Bolsonaro. Nas eleições de 2018, foram 20 cadidatos registrados com essas ocupações, um número 33% maior que as eleições anteriores em 2014.
A participação de militares na política não é uma novidade. Dados do Tribunal Superior Eleitoral tabulados pela empresa ASK-AR a pedido da piauí mostram que nas últimas eleições (2020) foram eleitos 50 prefeitos e 809 vereadores oriundos da área de segurança. Dos cerca de 8 mil profissionais ligados às forças de segurança (polícias e Forças Armadas) que se lançaram candidatos naquele ano, cerca de 10,2% foram eleitos.
O que chama atenção de especialistas não é, necessariamente, os números, mas um sentimento de autorização e incentivo, inflado desde o Governo Federal, para a participação cada vez mais ampla de militares na política. Em 2020, Bolsonaro tinha 11 militares no primeiro escalão do seu governo, um número superior ao de todos os governos da Ditadura Militar, que teve na gestão de Ernesto Geisel o maior número de militares no primeiro escalão, 11 no total.
Em todo o país, o número de candidatos policiais e das forças de segurança cresceu 27% nesta eleição, em relação às eleições de 2018. Os números foram levantados pelo Portal G1 a partir da base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foram mais de 1,7 mil candidatos vinculados às polícias militar, civil, bombeiros e membros das Forças Armadas que apresentaram registro no TSE.
Para o professor e cientista social Marcondes Brito, esse crescimento tem forte ligação com o Governo Federal e acenos dados aos militares e também ao regime militar (ditadura). Porém, não se limita apenas a esse contexto. Ele acredita que, por um lado, há também uma forte relação com o conservadorismo e uma certa ascenção dos partidos de direita que absoveram a pauta da segurança pública como prioridade e, por outro, pela conivência de partidos progressistas que acabam trabalhando no fortalecimento dessas ideias.
“Em tese, policiais militares na ativa não podem nem se filiar a partidos políticos. Eu nem concordo com isso, mas o problema maior nem é esse. O fato é que eles se sentem legitimados pelos governos, de direita e também os governos progressistas, democráticos. Esse aumento de policiais na política não acontece só em governos conservadores, o Piauí é um exemplo disso”, afirma.
Esse maior interesse de militares nas disputas políticas não é, para Marcondes Brito, o principal motivo de preocupação. “O problema não é a candidatura desses militares, mas o que a maioria deles tem levantado com pauta. Muitos deles defendem a tortura, a violência como resposta para combater a violência e, além disso, uma visão infantil de segurança pública, que não resolve o problema”, afirma.
Um cenário que só deve ser alterado mediante uma maior participação e controle popular dos processos políticos e na representação política, ou seja, uma nova compreensão coletiva acerca das relações sociais e de poder. “A gente, enquanto sociedade, falha em uma questão básica que é um controle de constitucionalidade, ficando a cargo apenas das instituições jurídicas. Nosso papel no monitoramento das políticas e da atuação dos candidatos é frágil e acaba acontecendo isso. Sujeitos que se elegem usando sistemas democráticos, mas terminam pautando questões antidemocráticas, ou seja, um anacronismo”, finaliza Marcondes.
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