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A INTERSECCIONALIDADE COMO ÂNCORA DE UM BARCO CHAMADO VIDA – crise humanitária/sanitária da covid-19

Com mais de 30 anos de atuação o Sistema Único de Saúde – SUS, fruto de lutas coletivas “é um direito de todos e dever do Estado” tem em seus princípios a: Universalidade; Integralidade; Equidade e Participação da Comunidade. Esteve presente de diversas formas na vida das brasileiras e dos brasileiros, seja na vacinação em massa, no serviço de urgência, nos cuidados básicos em postos de saúde ou nas visitas dos Agentes Comunitários de Saúde em suas casas. Fruto de um investimento importante do Estado brasileiro, através da ciência, da pesquisa, da educação, de suas pesquisadoras, pesquisadores, de trabalhadoras e trabalhadores da saúde, da sua população, a maior riqueza que o Brasil tem.

O SUS atende inclusive a população que vive à margem da sociedade, os chamados invisíveis através de políticas como Consultório de Rua, que atende usuários de crack, ou seja, o SUS atende todas as pessoas sem discriminação. Todavia um sistema de saúde tão presente no nosso dia a dia, que teve inúmeros avanços, que tem servido de modelo para diferentes outros países, no entanto ainda enfrenta um conjunto de diversos desafios que colocam em risco a sua própria existência, o cumprimento de seu papel junto à sociedade como um todo e em particular para mulheres e crianças negras. O SUS compõe o sistema de proteção social para a população brasileira que se encontra na base da pirâmide social, mas ele vai além é um sistema de saúde de excelência em todos os níveis de atenção e, portanto o segmento da população que tem plano de saúde também acessa o SUS, em seu mais alto nível de complexidade, pois ele é altamente resolutivo. 

Num cenário de crise humanitária/sanitária fruto dos desdobramentos do colonialismo que são os efeitos estruturais do racismo cisheteropatriarcal capitalista, em que em um pouco mais de 14 meses de pandemia atingimos a marca de mais de 440 mil óbitos para uma doença que já se tem vacina, mas trata-se de um Estado necropolítico, que está baseado em uma gestão federal que não tem nenhuma empatia com o seu povo e, portanto isso se traduz em ausência de planejamento, investimento de recursos em saúde pública, educação, ciência e tecnologia, cadeia de comando para executar ações coordenadas para salvar vidas e manter o SUS operando com eficiência, que está provado que funciona e que é o melhor para a população brasileira, afirmado pelos organismos nacionais e internacionais de direitos humanos e de gestão de qualidade em saúde.

Uma gestão que nega os dados científicos que são produzidos, que nega a ciência amplamente comprovada e atua num movimento de desinformação confundindo e comprometendo a segurança da população, insiste num comportamento que ignora todas as orientações e protocolos de segurança sanitários internacionais, promove discursos sem qualquer fundamento científico ou mesmo lógico, reproduzindo argumentos fundamentalistas racistas perigosos, o que se traduz num processo de negacionismo total.

A interseccionalidade não apenas revela a ação de um Estado necropolítico a serviço do extermínio dos povos pretos e indígenas (povos originários), ou seja, os efeitos de como a colonialidade estrutura o racismo cisheropatriarcal capitalista nas corpas e corpos pretas e pretos em que 78 balas atravessam o corpo de uma criança que estava em casa numa favela numa operação policial em plena pandemia, mas mata a sua mãe, mulher preta de dor, todos os dias, pois ela terá que conviver com essa perda cotidianamente, e haverá um discurso que muito provavelmente essa criança, que não será considerada criança, mas sim um preto pequeno, era um futuro bandido. A essa mulher negra não lhe será ofertada um serviço de saúde mental, para que possa ser cuidada profissionalmente, pois o SUS está sendo sucateado, muito menos um pedido de desculpas por parte deste Estado e sequer justiça, pois os responsáveis não serão punidos. Mas ao mesmo tempo em que desmascara esse mito da democracia racial, proporciona que a adoção da interseccionalidade na formulação das políticas públicas e, sobretudo na de saúde congrega a perspectiva da equidade e da justiça social, ou seja, construa respostas que possibilitem de fato esta equidade no campo da saúde. Pois, não terá sido coincidência que o primeiro óbito de covid-19 no Brasil tenha sido de uma mulher negra e periférica.   

Texto: Elaine Nascimento, Assistente Social. Dra em Ciências
Pesquisadora em saúde pública e coordenadora adjunta da Fiocruz Piauí.
Docente permanente do Programa de Políticas Públicas da UFPI
Líder do Diretório de Pesquisa Saúde, Interseccionalidade e Direitos Humanos.
Coordenadora do grupo de estudos Afro Ibero Latino Americano de Feminicídio-AILAF

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