Press ESC to close

A serviço do capital, MATOPIBA massacra povos originários e tradicionais

A resistência dos Povos indígenas Gamela, ao Sul do Piauí, continua e aos poucos vai conquistado parcerias fortes na defesa do seu território, que precisa de demarcação urgente e politica de saúde diferenciada, para evitar que grileiros patrocinados pelo agronegócio continuem agindo com violência a fim de lhe tomarem suas terras.

 No último fim de semana, na aldeia Laranjeiras, no município de Currais, a 618Km de Teresina, aconteceu o Encontro “Esperançar com os povos indígenas” promovido pela Associação dos Gamela com apoio da Universidade Federal do Piauí-UFPI, Universidade Popular e Observatório do MATOPIBA. O evento contou com a presença de indígenas do Maranhão, da mesma etnia.

As perseguições às terras dos povos Gamela vêm de muito tempo e se acirraram depois da criação do território do MATOPIBA, (siglas dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), considerado a última fronteira agrícola do país e que vem sendo explorado à custa de crimes contra a vida e ao meio ambiente na região. Para se apossarem dos territórios indígenas contam com apoio de agentes públicos seja do parlamento, judiciário ou executivo.

Desde 2017 os conflitos pela posse das terras dos Gamela aumentaram e houve prática de violência, tiroteio, incêndios de casas, destruição de lavouras. “Aqui nunca se teve sossego um dia se quer aqui”, diz Claudia Regina Carvalho e Santos, presidente da Associação de Moradores dos Trabalhadores, Filhos e Amigos de Currais, relatando que as ameaças são quase diárias e vêm de várias formas, com homens estranhos rondando as casas, fotografando tudo, cortando cercas.  Ela conta que a policia se coloca do lado do grileiro sem disfarçar. “Para registrar um Boletim de Ocorrência, na Delegacia, a comunidade teve que pagar mil reais”, garante.

Além de Currais, outros grupos de Gamelas, que estão nos Baixões das Serras do Cerrado, nos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Morro D’água, Ribeiro Gonçalves, Uruçui e Bom Jesus sofrem ameaças constantes dos grileiros.

Difícil é apontar os mandantes das ações de expropriações, não somente dos Gamela como também de Comunidades Tradicionais, Quilombolas e Ribeirinhos, que ali já estavam desde seus antepassados e muito antes de descobrirem que aquelas terras eram ideais para plantio em larga escala.

Se sabe apenas que são investidores transnacionais em busca de expansão territorial e exploração dos recursos naturais, no caso do Matopiba, a  recomendação para expropriar e especular as áreas foi recomendado pelo Banco Mundial que, em relatório institucional de 2007, afirmava que o Brasil combinava em alto grau de disponibilidade de terra e água no Cerrado, sem acrescentar que nesse pedaço de chão viviam milhares de pessoas que sobrevivem da terra.

Foto: Associação dos Povos Gamela

Em 2021, mais de 10 áreas no campo estavam em situação de conflito de Terra no Piauí; número pode ser ainda maior

Relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 19 de abril deste releva dados alarmantes que destacam “aumento de 75% nos assassinatos, mais de 1.000% nas mortes em consequência de conflitos e dois massacres” no ano de 2021. No Piauí, os conflitos afetaram pelo menos 10 áreas e se concentram na região sul do estado, motivados sobretudo pela grilagem de terras e agronegóicio. Em Gilbués (PI), famílias do território tradicional de Melancias foram surpreendidas com duas retroescavadeiras em maio de 2020 desmatando suas terras. Conforme os moradores, o suposto dono da fazenda Paraíba, vizinha ao território, desmatava para aumentar áreas de pastagem.  Os conflitos permanecem na região e tiram o sono das comunidades.

Para Juarez Celestino, liderança do território tradicional de Melancias, a presença do agronegócio na região do Cerrado trouxe muitas mudanças ao longo do tempo, a pior delas, talvez seja o aumento da violência. Juarez lembra saudosista de um tempo em que a comunidade tinha liberdade de ir e vir. “Nós tínhamos uma vida livre no nosso território, muita liberdade, com a chegada do agronegócio nos anos 80, o que nos restou foi preocupação”, explicou, em entrevista à Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR).

Vídeo: Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Em julho deste ano, mostramos aqui no Ocorre Diário, as denúncias do Tribunal Popular dos Povos (TPP) acerca dos conflitos na zona rural de Santa Filomena, onde vivem comunidades ribeirinhas/brejeiras e famílias indígenas da etnia Akroá-Gamela que, apesar de suas especificidades culturais, possuem em comum a coexistência ancestral com a natureza, o pertencimento àquelas terras e águas.

Juntas, essas comunidades denunciam a invasão dos territórios Chupé e Vão do Vico pelo agronegócio, principalmente para produção de soja, que tem inviabilizado e alterado de forma significativa a vida nas comunidades tradicionais.

As famílias ribeirinhas/brejeiras e indígenas denunciam violações de direitos e violências geradas pela expropriação de terras tradicionais e apropriação dos bens comuns por grileiros, fazendas e empresas nacionais e internacionais do agronegócio, integradas ao MATOPIBA.

Em 20 anos, foram registrados mais de 2338 conflitos por terra na região do MATOPIBA

A consolidação da fronteira agrícola tem se constituído a partir do desmatamento, grilagem e violência contra povos e comunidades tradicionais. Maurício Correia pontuou que nos últimos 20 anos, foram registrados pelo menos 2338 conflitos por terra na região. De 2000 até hoje, 13 milhões de hectares foram desmatados. O cerrado já perdeu 100 milhões de hectares dos seus 210 milhões na região do Matopiba.

Só nós, que estamos na comunidade, sabemos o que estamos passando com esse modelo violento que atinge as comunidades. Os fecheiros estão sendo proibidos de soltar o gado no território, existem pistoleiros colocados pelo agronegócio para coagir os fecheiros. O que estamos vivendo na Bahia não é diferente do que está acontecendo no Piauí, no Tocantins e no Maranhão. Nesses territórios existe gente que quer viver, viver bem e dar continuidade ao que seus antepassados viveram nessas terras“, partilhou Aliene, que encerrou sua participação na audiência afirmando que as comunidades ainda existem pela resistência. “Eu prefiro morrer de bala do que morrer de sede às margens dos nossos rios”, finalizou.

Reprodução/Audiência Pública, Câmara dos Deputados

Morador da Travessia do Mirador, no Maranhão, Félix Carneiro também partilhou a realidade da sua comunidade frente às violações impostas pelo projeto Matopiba. A área, localizada dentro da Amazônia Legal, é de ocupação tradicional com fortes conflitos fundiários pelo menos desde a década de 70, com a chegada de produtores rurais do sul do Brasil. O agricultor explica que desde 1978, a justiça estadual do Maranhão reconheceu a área de 500 mil hectares como terras devolutas, declarando como ilegais as propriedades reivindicadas por diversos grileiros e demandando que o estado realizasse a demarcação da área, destinando-a para reforma agrária e regularização fundiária. Em junho de 1980, o decreto 7641 transformou a área em um Parque Estadual.

“Não ouviram ninguém. A Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) colocou uma cooperativa, a Coopermira, para fazer fiscalização do Parque. Aí começou outro conflito, com a Sema e fiscais do estado, que continuaram abusando e mexendo com as famílias, proibindo o ir e vir, a criação de animais e plantios. A gente permaneceu no parque. Continuaram fiscalizando, mas de forma mais branda. Em 2008 começaram os acossos novamente, querendo limpar a área do parque e arrancar os moradores de lá. Em 2016 foi ainda pior. Chegou policial armado até com metralhadora pra gente assinar um documento. Depois da pandemia iniciaram os acossos novamente, proibindo roças e ameaçando com multas.”

Urubatan Pinheiro reforça que mais de quatro décadas depois, as 78 comunidades da Travessia e seus descendentes ainda esperam o cumprimento da sentença que reconhece seus direitos. “Eles não têm direito a escola, saúde, nem benefício previdenciário conseguem acessar. Há um tratamento diferenciado para grileiros e comunidades. Se trata de terra pública, mas o estudo mostra que há fazendas e grandes grupos econômicos ali.”

Realidades como essa se repetem em dezenas de comunidades nos quatro estados. Oito dos quinze casos apresentados pelo Tribunal Permanente dos Povos (TPP) no Brasil, presidido por Erundina, ocorrem no Matopiba. Durante a audiência, Joice Bonfim, Secretária Executiva da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, destacou que a sentença do júri do TPP reconheceu a responsabilidade do estado brasileiro pelos crimes de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos, expedindo importantes recomendações.

Reprodução/Audiência Pública, Câmara dos Deputados

 MATOPIBA é tema de audiência no Congresso Nacional

Os danos socioambientais do Projeto Matopiba foi tema de audiência pública no Congresso Nacional, em Brasília (DF), na última terça-feira (22/11). Solicitada pela deputada federal Luiza Erundina (PSOL/SP) e pelo deputado federal Padre João (PT/MG), a audiência foi uma iniciativa da Articulação de Resistência ao Matopiba, formada por organizações que integram a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.

A mesa de expositores foi composta por Maurício Correia (Articulação de Resistência ao Matopiba e Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR), Aliene Barbosa (representante das comunidades de fecho de pasto – BA), Félix Carreiro (representante das comunidades da Travessia do Mirador – MA) e Urubatan Pinheiro (Comissão Pastoral da Terra – CPT).

Foto: Campanha Cerrado e Associação de Advogados de Trabalhadores/as Rurais do Estado da Bahia

O Matopiba é uma região formada por áreas majoritariamente de Cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde o agronegócio se expandiu a partir da segunda metade dos anos 1980. Maurício Correia apresentou aspectos de sua criação e os impactos para a região.

“Quando a Embrapa fez o projeto, considerou o lugar como um vazio demográfico, sem gente, com água abundante, porque tem várias nascentes. A Embrapa disse que tem 34 comunidades quilombolas na região, o IBGE diz que tem 506, mas são muito mais. A Embrapa identificou 28 Terras Indígenas (TIs), mas o IBGE diz que tem 517 TIs. Isso mostra que o objetivo é apagar a existência dessas pessoas”, explica.


Embrapa, Incra e outros órgãos do Governo Federal, apesar de convidados a participarem da audiência, não enviaram nenhuma representação ao evento.

Com informações de: Campanha Cerrado e Associação de Advogados de Trabalhadores/as Rurais do Estado da Bahia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Pular para o conteúdo