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Abuso sexual contra crianças e adolescentes: infâncias cortadas e silenciamento em meio a pandemia

“Quando o Ministério Público começou a falar os fatos e a perícia da Polícia Civil, me arrasou mais ainda. É a mesma sensação do dia que ela foi estuprada. Não é fácil. Ela tem microcefalia, paralisia cerebral leve e foi abusada sexualmente, dentro da escola, pegou doença sexualmente transmissível. Foi feita uma atrocidade com ela. Hoje, ela não consegue ver nada relacionado a escola”, o relato é da tia de uma adolescente de 13 anos, vítima de violência sexual no dia 18 de Março deste ano. 

Ontem (26/08), um novo caso veio à tona. Uma homem de 25 anos teria abusado sexualmente de uma menina de 12 anos, que hoje está grávida de 7 meses. O caso aconteceu em Teresina-PI e o abusador ainda não prestou esclarecimentos à polícia. Ele morava na mesma casa que a criança. Ela, foi acolhida por outra pessoa da família. 

Infâncias cortadas pelo machismo, sangradas pela violência e, por muitas vezes, amordaçadas. Como muitos outros, esses casos não ganharam tanta repercussão e foram abafados por conta da pandemia da Covid-19. O silenciamento nesse tipo de caso se configura com uma dupla violência. 

Ivan Cabral é Conselheiro Tutelar e acredita existir uma grande subnotificação desses casos, agravado ainda mais pelo contexto de pandemia. “A sociedade precisa despertar o seu olhar para nossas crianças e adolescentes, que todos os dias sofrem as mais diversas formas de violência, entre elas, esta que é a mais cruel”, relata.

O Caso do Escolão do Mocambinho

Primeira audiência do caso

Na semana passada (21/08), cinco meses depois do estupro, foi realizada a primeira audiência para ouvir as testemunhas do caso. Para construção dessa reportagem, conversamos com a tia da adolescente, mas optamos por não identificá-la para preservar a identidade da menina. 

Esse caso aconteceu no Escolão do Mocambinho, zona norte da cidade. O principal suspeito do crime é um homem, de 50 anos, que prestava serviços para a escola e se dizia pastor evangélico. Ainda em março (dia 26) ele foi preso pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), que investigou o caso. 

O advogado da família, Eduardo Silva Neto, acredita que a justiça será feita. No vídeo ao lado, ele relata a situação da família, da criança e também o andamento do julgamento. 

12 anos, grávida de 7 meses

É assustador ter que noticiar um caso como esse: uma menina de 12 anos grávida, que vivia com homem de 25 em Teresina. Não bastasse isso, o caso só foi descoberto após denúncias de agressões sofridas pela menina. 

O Conselho Tutelar denuncia ainda negligência por parte dos equipamentos de saúde. A menina foi acompanhada pela rede de saúde pública de Teresina, que não notificou o conselho. Ela passou por uma Unidade Básica de Saúde e teria sido encaminhada para a Maternidade Dona Evangelina Rosa. Em nota, a maternidade informou que não faz denúncias. O Conselho Tutelar vai ainda encaminhar o caso para o Ministério Público.

Aumento dos casos

Esses são apenas alguns exemplos dos vários casos de violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes que vêm sendo silenciados nesse período de pandemia. O Conselho Tutelar de Teresina contabilizou, só entre março e maio, mais de 60 denúncias. 

Em Teresina, a Casa de Acolhimento Reencontro, instituição que abriga crianças de 0 a 12 anos que foram vítimas de violações de direitos, registrou, desde o mês de março até julho deste ano, 50 atendimentos. O espaço oferece acolhimento temporário para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, que foram afastadas do convívio familiar por medida protetiva judicial e é administrado pela Prefeitura de Teresina através da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas (Semcaspi).

Os relatórios de atendimento da casa detalham que, durante o período de quatro meses, foram feitas 12 inserções no programa de acolhimento temporário do Família Acolhedora. Os números apontam ainda que foram executadas 04 adoções, 19 reintegrações e 06 destituições familiares.

Um realidade que, infelizmente, não é vistas apenas nesses tempos de pandemia. De acordo com o relatório do Disque Direitos Humanos, o Disque 100, canal do governo federal que recebe denúncias de violações, foram registradas 239 denúncias de abuso sexual no Piauí. O número é 13% maior que o registrado em 2018. No brasil, a maior parte dos registros recebidos em 2019 (55%) se refere a crianças e adolescentes. Foram ao todo 86.837 denúncias de violações de direitos humanos contra crianças e adolescentes.

Construindo uma cultura de prevenção

Os últimos anos da década de oitenta e o começo da década de noventa asseguraram juridicamente às crianças e adolescentes brasileiras a condição de sujeitos de direitos, mas também evidenciaram a dificuldade de garantir um ambiente justo e protetor que ampare com dignidade o desenvolvimento integral devido às inúmeras relações desiguais em que elas estão inseridas. As violências contra crianças e adolescentes continuam. Três delas são abusadas sexualmente no Brasil a cada hora, segundo dados do próprio Ministério da Saúde. 

Ainda sujeita ao julgamento do pensamento conservador brasileiro, a educação sexual continua sendo apontada como a melhor forma de prevenção desta e de outras violências. Publicada nesta semana pela ChildHood, a quarta edição do guia de referência “Construindo uma Cultura de Prevenção à Violência Sexual” dá destaque para importantes questões nesse sentido. 

“Saber a hora e a melhor maneira de falar sobre sexualidade com as crianças e seus pais é muito importante. Conhecer as características de cada fase do crescimento da criança pode ajudar a evitar equívocos na maneira de lidar com a sexualidade das crianças e dos adolescentes, respeitando formas de expressão da sexualidade, sem reprimi-las, e enfrentando a invasão da sexualidade infantil por adultos”, destaca o guia.

Pensar políticas de prevenção da violência sexual de crianças e adolescente é um dever de cada pessoa, mas sobretudo uma missão dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA).

Vale lembrar que o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Teresina (CMDCAT), responsável pela discussão e realização de políticas públicas para esta população na capital, foi recentemente empossado. Dos 16 representantes, metade estão ligados à órgãos municipais; as demais oito representações incluem as organizações da sociedade civil organizada, das quais seis são declaradamente católicas.

Essa reportagem foi construida coletivamente e colaborativamente por Luan dos Santos Santana, Lucas Menezes e Francicleiton Cardoso.

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