Para tentar recuperar o mangue danificado pelo afundamento do solo causado pela Braskem no bairro do Mutange, em Maceió, ambientalistas têm trabalhado com o replantio de mudas de forma independente, associando a recuperação do manguezal à educação ambiental numa perspectiva crítica. Somente dentro da Lagoa Mundaú, que integra o complexo lagunar Mundaú-Manguaba, um dos ambientes mais representativos do litoral alagoano, o prejuízo é registrado em mais de 15 hectares de manguezal alagado.
Ainda não foi possível mensurar integralmente os impactos gerados pela Braskem desde o início do afundamento, consequência da extração de sal-gema na capital durante quase 60 anos. Para além dos cinco bairros diretamente atingidos, diversos outros danos socioambientais foram sendo verificados ao longo dos últimos cinco anos.
A iniciativa do replantio partiu do coletivo Enxame, que hoje está em processo de transformação para a startup socioambiental Enxame +. A trajetória na área de projetos de gestão e educação ambiental trouxe os acúmulos necessários para construção da iniciativa.
O coordenador, Alonso Netto, enumera os trabalhos diversos, com advocacy e mobilização em territórios, promoção de atividades como cineclubes com foco na juventude e na comunidade, audiências públicas, impulsionamento de ação civil pública, entre outros, com foco na defesa ambiental em Marechal Deodoro e em biomas do litoral sul de Alagoas — a Lagoa Mundaú divide os municípios de Maceió, Coqueiro Seco e Marechal Deodoro.
Desde 2018, quando começaram a aprofundar as informações sobre o impacto de subsidência de solo causada pela Braskem, o coletivo passou a se envolver nas críticas aos danos socioambientais causados pela Braskem. Naquele ano, o grupo exibiu, como parte do cineclube, o filme A Braskem passou por aqui, de Carlos Pronzato.
O título faz uma alusão a um dos pixos mais emblemáticos produzidos pela brigada socioambiental Octávio Brandão, feita nas casas cujos moradores foram obrigados a serem removidos.
Propagando Propágulos
Em 2020, já observando a grande incidência de degradação na Área de Proteção Ambiental (APA) Santa Rita e inspirados pela perspectiva de construção de uma área de preservação ambiental, o até então coletivo reuniu outras organizações e decidiu realizar o que Alonso Netto costuma chamar de “propagar propágulos”. É uma referência ao modo como são chamadas as “canetas”, espécies de sementes de mangue vermelho (Rhisoflora mangue).
A APA de Santa Rita é território da icônica Miss Sururu, uma estátua construída às margens da Lagoa Mundaú na década de 1990 em homenagem às marisqueiras, mas “esquecida” por décadas até sua restauração em 2021 pelos ambientalistas e pescadores locais. A primeira atividade idealizada pela startup foi justamente nessa área e consistiu no plantio de 200 mudas de mangue vermelho, envolvendo movimentos como o Greenpeace Alagoas e o Instituto EcoManguaba, em parceria com diversas ONGs, pescadores e Movimento dos Povos da Lagoa.
“Foi assim que decidimos propagar propágulos nos últimos anos. Não só levando mutirões para fazer o plantio como também associando isso a um projeto de educação socioambiental em ambiente lacustre”, explica Netto.
Em 2021, mais um mutirão de plantio foi realizado, com 20 mudas plantadas simbolicamente em uma homenagem às vítimas da Covid-19. Desta vez, o trabalho foi conduzido a partir de um parceria fruta da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e PACTO pela Restauração da Mata Atlântica.
Ainda em 2021, houve mais plantio. Ao todo, foram inseridas 20 mudas, de forma independente, com recursos próprios e outros levantados a partir do próprio mutirão ter sido realizado enquanto turismo ambiental.
A sequência de plantios nos anos seguintes foi crescendo e teve grande participação de crianças e jovens. Segundo o coordenador da startup, foram plantadas mais 500 mudas entre Bosque Nelson da Rabeca e Aratu em 2022. Já em 2023, o número de mudas subiu para 5.350, a partir de mais um trabalho associado à educação ambiental, contando com o apoio de estudantes que participaram de uma gincana escolar proposta pela Enxame +.
“Hoje de fato, mesmo por questão de segurança, não é possível fazer o plantio de mangues na região do Mutange, uma vez que está interditado até mesmo transitar no local em razão do colapso da mina. Então o que fazemos é dar continuidade ao plantio em outras áreas, mas dentro do bioma de mata atlântica e dentro do Complexo Lagunar Mundaú-Manguaba”, diz Netto.
Conflitos e enfrentamento ao ecocídio da Lagoa Mundaú
Para a bióloga e integrante do Movimento Unificado de Vítimas da Braskem, Neirevane Nunes, o problema dos mangues não se dissocia de um processo que ela identifica como um “ecocídio da Lagoa Mundaú”. Além dos estudos que demonstram que com a progressão do afundamento do solo ainda mais mangues serão afundados, há ainda o nível de salinidade alterado na laguna e a preocupação com a contaminação ainda maior do local, comprometendo a biodiversidade.
Em artigo publicado no portal 082 Notícias, a bióloga comenta que “como resultado do colapso das minas está a alteração de níveis de sais e outros compostos que podem contaminar a laguna, podendo comprometer severamente a vida dos organismos neste ambiente, principalmente o sururu, que é sensível a variações de salinidade na água”.
“A faixa confortável de salinidade para o sururu geralmente está entre 20 e 35 partes por trilhão (ppt), essa faixa permite que o sururu mantenha o equilíbrio necessário para suas funções fisiológicas. Quando a salinidade se eleva, o sururu enfrenta um grande estresse que compromete a sua sobrevivência. Mudanças extremas na salinidade podem levar a uma entrada excessiva de íons causando sua desidratação. Para lidar com isso, o sururu ativa mecanismos para regular estes íons, como a secreção de substâncias evitando que a água do seu corpo seja perdida para o ambiente mais salino”, explica.
Em dezembro de 2023, uma das minas dentro da Lagoa Mundaú, a Mina 18, sofreu um colapso, provocando mais uma reação em cadeia que prejudicou diretamente pescadores e marisqueiras, proibidos de trafegar dentro da laguna, em razão da insegurança no local, o que ainda resultou na perda considerável de condições de renda. Dias depois, a comunidade pesqueira registrou a mortandade de peixes e do sururu, que, até então, tinha voltado a surgir.
Foi então que o Instituto do Meio Ambiente (IMA) e a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) realizaram uma coletiva à imprensa declarando que não há qualquer associação entre a mortandade de peixes e de sururu com o dolinamento das minas.
Entretanto, pescadores e biólogos alertam para uma desconfiança em relação à limitação dos estudos, desde a descoberta de que houve financiamento da própria Braskem para realização dessas análises.
Ainda que outros pesquisadores alertem que o problema da Laguna Mundaú tem sido atravessado por contaminações provocadas por diversos fatores — e atores —, especialistas e integrantes dos movimentos de vítimas acrescentam a insuficiência do estudo, a ausência de precisão a respeito da salinidade e outros detalhes, além de que os manguezais têm sido pouco citados nessa relação.
Essa mesma insegurança em relação aos resultados vai se atrelando a todas as organizações que pactuaram com a Braskem as chamadas ações de compensação, a exemplo das organizações que se colocaram no plantio de mangues.
Opção pela independência e desafios para manter os plantios
Em acordo com o Ministério Público Federal, a Braskem contratou a empresa Tetratech para efetuar um estudo de impactos ambientais gerados pela extração de sal-gema. Como resultado do acordo, a empresa publicou, em 2022, um relatório de análise do uso das águas subterrâneas na Área de Resguardo (AR), onde se encontravam minas da Brakem no bairro Mutange – incluindo a área da Lagoa – e no bairro do Pinheiro, além de outras áreas do chamado Mapa de Linhas de Ação Prioritária da Defesa Civil Municipal (DCM), de dezembro de 2020.
A respeito do manguezal, o documento revela que: “Estima-se que, ao todo, a subsidência provocou a submersão permanente de 15,73 hectares de manguezal inseridos na AR e em área adjacente, onde há afundamento do solo e a vegetação de manguezal encontra-se em processo de submersão permanente. O alagamento é evidenciado pela alta densidade de indivíduos arbóreos mortos, apresentando apenas as copas das árvores emersas, tendo o restante sido recoberto por água da lagoa”.
O objetivo era criar diretrizes para um plano de compensação ambiental do mangue, de modo a prospectar a realização de plantios em uma área de estudo que estivesse fora da Área de Resguardo e que enfrentasse algum tipo de degradação – que não a causada pelos afundamentos do solo, numa métrica de 47,19 hectares.
Neste documento da Tetratech, os plantios de mangues realizados na Miss Sururu chegaram a ser divulgados, mas sem mencionar qualquer autoria do projeto da Enxame + ou mesmo uma perspectiva crítica sobre as questões ambientais.
Alonso Netto conta ter sido procurado mais de uma vez por integrantes do grupo Nosso Mangue e também da Tetratech, no intuito de buscar informações a respeito da técnica utilizada pelo coletivo ou solicitando a venda de mudas. Entretanto, nenhuma das procuras foi adiante.
“Enquanto alguém que estuda estuário, escolhemos previamente os lugares tendo conhecimento da dinâmica. Agora eles estão fazendo da mesma forma que nós fazemos, com um viveiro, mas antes eles faziam plantio direto – sem primeiro rustificar as mudas em um saco, dentro de um viveiro, que é como fazemos. E também não havia esse acompanhamento. Com o plantio direto, é muito difícil que o plantio reproduza de fato”, explica. “Foi aí que senti que eles estavam atuando mais para publicidade e com pouca efetividade”, critica Alonso.
Em novembro de 2023, o Ministério Público Federal reuniu três organizações (Instituto Biota, Projeto Nosso Mangue e empresa Tetratech) com objetivo de implementar o plano de ações ambientais com foco no plantio de manguezais. “Chegamos a receber uma ligação, mas achei muito estranho ter ocorrido sem um chamamento público, sem a devida publicidade”, relata o coordenador.
Com dificuldade de identificar até onde havia uma atividade de compensação ou parceria, os integrantes da startup optaram por manter a independência no trabalho. A opção trouxe consequências, inclusive na dificuldade de obter recursos para a continuidade de plantios na extensão pretendida.
“O que fazemos são projetos, que terminam sendo pontuais. Não temos estrutura para que os plantios sejam um programa de fato, no sentido de estarmos lá semanalmente, termos mecanismos para monitoramento diário e fazermos plantios sistêmicos”, detalha.
“Tentamos buscar essa estrutura e nos esbarramos em dificuldades burocráticas que nos impedem de dar continuidade. Querem que paguemos taxas e impostos para fazer plantios quando hoje nenhuma empresa tem capacidade técnica para plantar estas 97 mil mudas de mangue”, retrata, referindo-se à quantidade de mudas que compreendem a extensão de plantio comprometida pela empresa.
Ainda assim, permanecem as expectativas por um incentivo e busca de recursos para o plantio associado à educação ambiental, com a liberdade de apresentar um debate crítico.
“Com a queda da cadeia do sururu, a renda per capita que já era baixa ali hoje está muito mais. Se as marisqueiras e os pescadores fossem treinados para gestão ambiental, engenharia de pesca, saúde pública, para que retirem o sururu branco para fazer plantios e colonização do sururu, poderiam ter algum tipo de alternativa de renda nos períodos de baixa do sururu. E também pensamos ser importante se houvesse cooperativa para o plantio de mudas. Essa é nossa abordagem e esperamos conseguir realizar”, acrescenta.
A Mídia Caeté procurou o Nosso Mangue, organização fundada em 2019, vinculada à recuperação de manguezal, para solicitar informações sobre como vem sendo feito o monitoramento dos mangues plantados e quais resultados têm sido verificados até o momento. Chegamos a enviar as perguntas, mas não obtivemos qualquer resposta até o fechamento da reportagem.
A Tetratech, empresa responsável pela contratação das organizações de compensação de manguezal, também foi procurada. Sem êxito.
Já a Braskem utiliza seu canal publicitário, o Braskem Explica, para anunciar que desenvolve o “Projeto Aflora Mangue”, iniciado em agosto de 2023 e que, até então, seguia em fases de estudos para projeção de plantio de 14 mil mudas para ocupação de três ha. Segundo o material publicitário da empresa, serão plantados 47 ha de manguezal. O anúncio foi feito no final de 2023 e ainda não há notícias sobre a evolução do projeto.
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*A Mídia Caeté um portal de jornalismo independente e comunitário em Alagoas, com foco na comunicação enquanto ferramenta crítica à serviço das comunidades e da sociedade.
**Quem são, o que pensam e o que fazem jovens ativistas do meio ambiente de territórios periféricos, rurais e ribeirinhos do Nordeste? É com essa provocação que o projeto Redação Nordeste publica a série especial de cinco reportagens “Jovens ativistas socioambientais do Nordeste”. Participam deste trabalho conjunto as organizações de jornalismo independente Afoitas (PE), Conquista Repórter (BA), Mídia Caeté (AL), Ocorre Diário (PI) e Mangue Jornalismo (SE).
Enquanto o aumento da temperatura provoca efeitos mais rápidos sobre o planeta do que as decisões mundiais para atenuar a crise climática, projetos inspiradores se fortalecem em diversos territórios por uma questão de sobrevivência. Representando as populações mais atingidas pela crise e pelas injustiças socioambientais, jovens marcam presença e assumem a linha de frente para transformar o lugar onde vivem. Nesta série coletiva, você vai conhecer a história e a capacidade de mobilização e organização da juventude e de organizações e movimentos locais.
A Redação Nordeste é a união de organizações de jornalismo independente de oito estados nordestinos, que consolida um trabalho cooperativo, integrado e aprofundado de jornalismo com foco nas pessoas. Esta rede nasceu em 2023 e recebe o apoio da OAK Foundation e International Fund for Public Interest Media (Ifpim).
Edição e mentoria de Raíssa Ebrahim, da Marco Zero
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