
Um cenário muitas vezes negligenciado. Uma contradição que não vira notícia e tampouco é questionada. Mas é no fazer profissional daqueles que buscam “dar voz à sociedade”, que um silêncio perigoso habita e, como um fantasma, assombra as redações de empresas de jornalismo dia e noite.
Todos os dias, de diferentes maneiras, cabe aos jornalistas a árdua missão de informar sobre tudo (ou quase tudo) que acontece no mundo. Das denúncias crimes e esquemas de corrupção, à violações de direitos sociais, ambientais, trabalhistas… mas tem uma coisa que nós, jornalistas, quase nunca temos a oportunidade de falar: sobre nossas próprias condições de trabalho!
Neste 7 de Abril, dia do/a jornalista, a Plataforma Ocorre Diário traz um panorama dos desafios crescentes da profissão, refletindo um cenário complexo tanto no contexto local quanto no nacional.
Instabilidade, hostilidade e precarização
De acordo com Luís Carlos, jornalista e atual presidente do Sindicato dos Jornalistas do Piauí (Sindjor), um dos principais desafios que os jornalistas enfrentam atualmente é apurar e verificar informações em um ambiente político e econômico cada vez mais acelerado e hostil. “O ambiente de precarização do trabalho dificulta cada vez mais a produção jornalística, como reportagens mais aprofundadas e investigativas, essenciais para desmentir boatos com responsabilidade. Isso tem sido um debate constante entre dirigentes do movimento sindical e da Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas”, afirma.
A precarização do trabalho jornalístico, que muitas vezes se traduz em menos recursos, equipes reduzidas e um cenário de cortes, impede a realização de reportagens mais aprofundadas e investigativas. De acordo com Luís Carlos, além da precarização das condições de trabalho, os baixos salários, o desemprego e a insegurança no mercado são fatores que marcam o contexto atual da profissão no Piauí.
“A falta de compreensão do empregador em negociar o reajuste do piso salarial todos os anos, exigindo do sindicato muitos embates no processo de negociação, às vezes demorado, para fechamento de acordo. Afinal, não existe uma lei que obrigue o patrão reajustar o salário de quem ganha acima do salário mínimo, tudo depende de muito diálogo nas negociações”, afirma.
Além disso, ele alerta para o impacto que a precarização tem na liberdade de expressão e no direito à informação da sociedade. Quando o jornalista não tem condições adequadas de trabalho, quem perde é a própria sociedade, que fica privada de um jornalismo plural e de qualidade, fundamental para o exercício da cidadania.

Perseguições e o desafio da organização sindical
O papel dos sindicatos tem sido fundamental na defesa dos direitos de toda categoria profissional no Brasil e, no jornalismo, não é diferente. Entretanto, no Piauí, alguns fatores têm tornado a organização sindical de jornalistas um desafio histórico. “Vivenciamos um mercado hostil quanto ao movimento sindical, com práticas antissindicais, de retaliações e até demissões de quem exerce mandato sindical. Essas práticas antissindicais do mercado tradicional, dificultam muito a participação efetiva dos trabalhadores nas suas organizações sindicais principalmente na iniciativa privada. E isto não é diferente no mercado em que atuamos, uma vez que sindicalização é uma questão de consciência social”, afirma Luis Carlos.
Hoje, no Piauí, já estamos chegando a quase 3 mil registros de jornalistas. São mais de mais de 2 mil e 800 registros de Jornalistas no Ministério do Trabalho, entre formados e pessoas que estão adquirindo registro de Jornalista por conta da decisão do STF em desobrigar a formação acadêmica em jornalismo para o exercício da profissão.
“Nossa base, com cadastros no sindicato, já chega a quase 1 mil, entre quem contribui, desempregados e aposentados. Há muita rotatividade no mercado, sempre quem é filiado e deixa o emprego e vai pra outra empresa, às vezes não volta a contribuir, e isso dificulta muito financeiramente a entidade sindical. Mas a disposição voluntária de diretores tem garantido a ação política sindical no dia a dia em defesa das pautas que defendemos”, afirma.
O que defendem os jornalistas organizados?
As principais pautas de reivindicação dos jornalistas do Piauí estão intimamente ligadas à melhoria das condições de trabalho e à valorização profissional. Entre as demandas que Luis Carlos aponta como centrais, estão a campanha salarial, hoje integrada à campanha salarial nacional, o combate à precarização da profissão no mercado e a campanha em defesa da PEC do diploma de jornalismo para o exercício da profissão.
“Além disso, atuamos ainda na defesa do pleno exercício do jornalismo, combate ao assédio moral e sexual, preconceito no mercado; em defesa do Conselho Federal de Jornalismo; pela contextualização da regulamentação profissional; por um piso salarial nacional; e pelas garantias de nossos direitos trabalhistas, entre outras pautas do movimento sindical por melhores condições de vida”, finaliza.
Onde o jornalismo vai parar?

A jornalista e professora da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Samária Andrade, ressalta a importância da profissão e do profissional ético e responsável. Para ela, o jornalismo é uma atividade em constante transformação e as mudanças tecnológicas que sempre impactaram a profissão, devem continuar impactando. “Nos últimos anos, no entanto, mais que transformação, talvez estejamos numa espécie de solavancos”, afirma.
De acordo com Samária, é impossível pensar o jornalismo hoje e não pensar nas enormes mudanças que têm impactado todas as profissões. “Estamos no centro disso e estamos sendo chamados a pensar numa reconfiguração da profissão: o que é o jornalismo, quem é o jornalista e, como diz o jornalista e estudioso Mark Deuze (Universidade de Amsterdã): no que o jornalismo está se transformando?”, questiona.
Um desafio que, para ela, é também uma possibilidade. “O lado bom é que estamos operando todos os dias com os instrumentos que têm transformado o mundo, então podemos pensar que estamos em um local central, exercitando ferramentas que em outras áreas profissionais podem não ser tão centrais. E um dos desafios é exatamente esse: não enxergarmos apenas como ferramentas para se produzir mais e mais rápido ou de modo mais criativo. Não podemos perder o ponto de vista crítico sobre os fenômenos atuais e como eles impactam no Jornalismo. Em que contexto surgem, ligados a quem, quem beneficiam e/ou podem prejudicar, que forças estão em jogo? Só alimentando esse olhar crítico vamos conseguir compreender melhor o que tem acontecido e poder atuar com a responsabilidade que o Jornalismo exige e que o momento precisa”, alerta a professora.
O Jornalismo é uma atividade importante e tem um papel central a cumprir em nossa sociedade. “O modelo clássico de Jornalismo que cresceu no século passado, com empresas anunciantes financiando as empresas de comunicação, se modificou”, afirma. Uma transformação ainda em curso, que não sabemos bem aonde ela deve levar o jornalismo, mas que de modo algum nega a importância e relevância social dessa profissão que, apesar das muitas contrações, cumpre uma função central na democracia.
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