Press ESC to close

Anunciado como marco da história ambiental do estado, Eco Piauí não avança na proteção ambiental

Programa Eco Piauí se resumiu a ações burocráticas e não avançou na proteção ambiental. Conheça os verdadeiros marcos na história ambiental do Piauí em 2023

Em julho de 2023, o Governo do Piauí lançou o Programa Eco Piauí, executado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SEMARH, na gestão do secretário Daniel Oliveira. A promessa é de um investimento de R$47 milhões em 14 compromissos com o meio ambiente e foi anunciado, tanto pelo Governo como pela imprensa local, como  um “marco” para a história ambiental no Piauí. 

A notícia chamou atenção pela dimensão que foi dada. Em um estado onde a história ambiental é marcada por negligências, esquemas de corrupção e favorecimentos políticos, conhecer as boas ações que entrarão para a história do Piauí é fundamental. O ‘Ocorre Diário’ mergulhou nesse caso, em um trabalho de pesquisa, investigação e análise das ações do Eco Piauí, divididas em Piauí no Clima, Bio Piauí, Hidro Piauí e Sustenta Piauí.

Os avanços divulgados pela SEMARH como conquistas, mostraram que o órgão conseguiu realizar, em 2023, quatro grandes ações do Eco Piauí [28% das metas estabelecidas pelo programa]: 1 – fortalecer os instrumentos legais que possam tornar o poder público mais sustentável, consolidando iniciativas de compras públicas sustentáveis, de concessão do selo ambiental para os municípios e de regulamentação do ICMS Ecológico;  2 – Regulamentar a política estadual de educação ambiental para a implementação da necessária sinergia entre a Semarh e a Seduc; 3 – Revitalizar os Conselhos de Meio Ambiente, de Recursos Hídricos e a Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental; e 4 – Criar a Coordenação Estadual de proteção e defesa dos animais.

Esse balanço “positivo” apresentado pelo Governo e reproduzido pela imprensa local pode revelar o modus operandi da poder executivo do Piauí: criar eventos midiáticos superdimensionados e, assim, construir uma narrativa do governo que está fazendo história no Piauí.

Fontes ouvidas pelo Ocorre Diário (e que preferiram não se identificarem) alegam que, das quatros metas cumpridas, poucas são, de fato, novidades. Com exceção da Comissão de Educação Ambiental [em parceria com a Secretaria de Educação e a Coordenação Estadual de Proteção e Defesa dos Animais] e da criação da Coordenação Estadual de proteção e defesa dos animais, as demais ações e metas cumpridas tratam-se apenas de remodelações de legislações, portanto, se resumindo à ações burocráticas de atualizações de leis já existentes, como é o caso do ICMS Ecológico, Selo Ambiental, Política Estadual de Educação Ambiental, até mesmo dos Conselhos de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, que já estavam em funcionamento.

O programa Eco Piauí, apresentado como “marco” da história ambiental do Piauí, ainda não mostrou a que veio. Mesmo quando suas ações tentaram ultrapassar o campo burocrático, não passaram de aplicações de ações executadas nas gestões anteriores da secretaria, como é o caso da entrega do veículo utilizado no Piauí Pet Castramóvel e de 14 drones adquiridos com investimento da Semarh. 

O verdadeiro marco da história ambiental do Piauí em 2023

A política ambiental do Piauí teve, na verdade, outros marcos em 2023 e nenhum deles foi citado pelo Governo do Estado.

Milhões em patrocínios de eventos: enquanto o programa Eco Piauí caminha lentamente, os gestores da Semarh investiram milhões em patrocínios de eventos, poucos ligados às questões ambientais, como já denunciado aqui pelo Ocorre Diário. Foram mais de R$5 milhões de reais em patrocínios só entre janeiro e setembro do ano passado. Um exemplo é o projeto “Mães no Parque”, onde foram gastos R$300.000,00 (trezentos mil reais) para incentivar mães, através de atividades de educação ambiental a levarem os filhos aos parques.  

Soma-se a este os mais R$600.000,00 (seiscentos mil reais) para o Circuito Pet; R$400.000,00 (quatrocentos mil reais) para o Festival de Melão. Já para o projeto Pelotão Mirim foi destinado R$1.000.000,00 (um milhão de reais). Até mesmo feira natalina de empreendedores foi patrocinada pela Semarh em 2023. 

O curioso é que a maioria dos eventos bancados pelo órgão ocorreu em Teresina, Parnaíba e Canto do Buriti. Os dois últimos municípios são bases eleitorais do tio do secretário, o deputado estadual Dr. Hélio Oliveira, possível candidato a prefeito de Parnaíba, ambos são naturais de Canto do Buriti.

Farra das diárias: as denúncias também apontam um uso excessivo de diárias para servidores da Semarh, usando recursos da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental [TCFA], um recurso federal destinado exclusivamente para ações de controle e fiscalização. Em seis meses de gestão, mais de R$1.500.000,00 (um milhão e meio de reais) foram retirados para pagar diárias de servidores que não atuam diretamente na fiscalização ambiental do Estado. 

Enquanto isso, fontes ouvidas pelo “Ocorre Diário” afirmam que o pagamento de diárias dos auditores fiscais, especialistas em investigação de crimes ambientais, foi reduzido drasticamente. As informações foram coletadas no Diário Oficial do Estado e no Portal da Transparência onde se pode observar que os recursos da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, repassados pelos Ministério do Meio Ambiente de uso exclusivo para ações de controle e fiscalização foram desviados para pagamento de diárias, entre eles, é possível observar no Portal da Transparência que no primeiro semestre de 2023, 20 policiais que não viajaram, receberam diárias. 

OBS: publicamos o documento sem os nomes dos servidores e trabalhadores envolvidos, como forma de evitar uma exposição desnecessária, mas as informações completas estão disponíveis no Portal da Transparência.

Desmatamento do Cerrado: outro marco negativo da história ambiental do Piauí está localizado nas áreas do cerrado, onde o Governo do Estado tenta a todo custo omitir a real situação. Segundo a Semarh, o desmatamento na região diminuiu 59% em 2023. Sem revelar a fonte, o secretário praticamente esconde as informações relacionadas à concessão de licenças de desmatamentos expedidas pelo órgão, como já denunciado aqui pelo Ocorre Diário

Na vida real, a destruição do bioma só aumenta. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE, o ano passado na área de produção do Cerrado, chamada de MATOPIBA, a Semarh liberou 824,52 quilômetros de vegetação nativa para converter em plantios de monocultura. Pelo gráfico disponível no site do MapBioma é possível visualizar o cenário atual. Segundo a plataforma, somente os municípios de Uruçuí e Baixa Grande do Ribeiro  desmataram no primeiro semestre de 2023, corresponde a mais de 50% de toda área desmatada em todo o Estado.

A desfaçatez em esconder os números reais de desmatamento do Cerrado é tamanha que mesmo com provas evidentes nas plataformas  do ipam.org.br/desmtamento e mapbiomas.org/mapa, se percebe a tentativa de enganar a população. No relatório sobre desmatamento no primeiro de 2023 da SEMARH, aponta que houve uma diminuição no Cerrado, onde foram desmatados 44.491,74 hectares.

Com um olhar atento percebe-se que as informações, comparando com os dados disponíveis nas plataformas citadas, facilmente é possível identificar contradição ao apresentar o gráfico com os 10 municípios que mais desmataram no período considerado. A soma dos dez ultrapassou os 53.000 hectares, em face dos 44 mil informados. Outro indicativo de fraude facilmente identificado são os dados mensais do desmatamento ocorrido. Os dados do relatório sobre a área desmatada para o ano de 2023 divergem totalmente dos apresentados na plataforma Map Biomas, que foi inclusive citada como fonte no relatório.

Além disso, o relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, que trata dos impactos da expansão do monocultivo da soja no Brasil, publicado em junho deste ano, revela o esquema de formação das grandes fazendas de monoculturas, que acontece no limite da ilegalidade e da legalidade. “O processo ilegal de constituição de uma fazenda ocorre de maneira sofisticada, envolvendo elites locais e suas relações com cartórios. Tal processo se inicia com a falsificação em cartório de um título de terra. Posteriormente, os supostos “proprietários” iniciam a expulsão, muitas vezes violenta, das comunidades rurais de seus territórios. As comunidades rurais possuem direito à terra, conforme a Constituição Federal de 1988 e a mais recente Lei de Terras do Piauí de 2019”, afirma o documento (acesse aqui).

Evolução do Desmatamento (em laranja), MATOPIBA: 2000, 2010, 2020.

O mesmo relatório aponta ainda um cenário inverso ao que vem sendo mostrado nas propagandas oficiais do Governo do Estado: o avanço do desmatamento em todos os estados da nova fronteira agrícola do Brasil, o MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Os municípios de Uruçuí e Baixa Grande do Ribeiro aparecem como os que mais desmataram, representando, segundo o relatório, mais de 50% de todo desmatamento autorizado no Estado no semestre. Alias, as fazendas com autorizações legais mostradas no começo desta reportagem são, ambas, de Baixa Grande do Ribeira.

De acordo com a Rede Social de Justiça, em 2020, a superfície desmatada de Cerrado no MATOPIBA já correspondia a 23,47 milhões de hectares, ou 35,28% da área total de Cerrado na região. Cerca de 17% dessa área devastada (4 milhões de hectares) estava destinada a monocultivos de soja em 2018 (ver Mapa 04 “Área plantada de soja”); 14,6 milhões de hectares destinados para pastagens (em 2020), com um aumento de 258% desde 1985. Juntos, criação de gado e monocultivo de soja correspondem a praticamente 80% da área de desmatamento acumulado até 2020 no Cerrado do MATOPIBA.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Pular para o conteúdo