Estabilidade financeira na Arqueologia é um dos pilares inexistentes para a maioria dos profissionais inseridos no mercado de trabalho atual. Desde a criação dos cursos de graduação no país com o boom do licenciamento ambiental, uma das preocupações maiores seria a assimilação das levas de profissionais graduados que estariam à disposição, ano após ano, à medida que as universidades os formassem.
Esta preocupação, inclusive, jamais verbalizada porque, ao contrário, do que se ouvia nos corredores e salas de aula há dez anos atrás (e muito provavelmente até hoje) era que o “contrato não promovia pesquisa”. A visão negativa do licenciamento ambiental por parte de alguns professores que, sempre vira carregada de contradição e deslealdade com a categoria, trazia consigo um problema crônico: a escassez iminente de trabalho.
Não obstante, os cursos de graduação foram criados para suprir uma demanda de mercado que visava a redução salarial dessa mão de obra especializada. Basta voltarmos algumas décadas no licenciamento e veremos que nossos colegas recebiam um salário decente.
Existia um motivo para a empregabilidade não ser mencionada nas salas de aula: mão de obra barata. Esta situação beneficia o grande empresariado e, em muitos casos, os próprios sujeitos locutores da premissa negativa sobre a “Arqueologia de Contrato”.
Contratos Irregulares: práticas impostas pelo empresariado
Os instrumentos legais de Governo em torno da defesa e gestão do Patrimônio Arqueológico no país contiveram o que hoje temos no mercado que são, majoritariamente, empresas de Arqueologia e/ou Assessoria Ambiental para suprir a demanda dos empreendimentos de grande impacto ambiental.
O delineamento de contratação ocorre de duas formas: uma ínfima parcela, em regime CLT e a esmagadora maioria, de maneira informal, como MEIs (Microempreendedores Individuais). Uma pequena parcela das oportunidades de emprego para arqueólogos fica à cargo de concursos, de ordem municipal, estadual ou federal.
A contratação de MEIs na Arqueologia, vale lembrar, é irregular. Uma vez que arqueólogas e arqueólogos são profissionais liberais, estes só podem atuar mediante alvará municipal para emissão de notas fiscais ou como celetistas, ou seja, com vínculo de trabalho estabelecido.
A ocupação “Arqueólogo” não existe na tabela de atividades CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) do MEI e, portanto, não se enquadram de maneira formal. A prática imposta pelo empresariado trouxe de maneira sutil e irreflexiva um gradual declínio de direitos básicos ao trabalhador e um silenciamento da categoria perante os deveres trabalhistas do patronato.
USP: Concurso remete à arqueologia, mas exclui arqueólogos
Um levantamento dos concursos públicos dos últimos dois anos (2023 e 2024, respectivamente), realizado pela Comissão Geral Sindical[1], aponta dados interessantes dessa realidade. Até a data do levantamento, houve oito concursos para o cargo “arqueólogo”, três em 2023 e cinco em 2024. Dos oito concursos, cinco deles estão em andamento e sete são a nível municipal. Apenas um é a nível federal. Os concursos de prefeituras estão dispostos na região Centro-Oeste, Sul e Norte do país (Tabela 1).
Ainda sobre o levantamento, vale ressaltar a inserção de um concurso levantado que remete ao cargo “arqueólogo”, mas, por algum motivo, os profissionais regulamentados pela Lei 13.653 de 2018 não estão contemplados.
O concurso em questão é para integrar a Universidade de São Paulo (USP). O cargo oferecido é “Especialista em Pesquisa / Apoio de Museu: especialidade em Curadoria de Coleções Arqueológicas e Etnográficas”. No edital, em nenhum momento apontam as áreas específicas do cargo.
Em comunicado (publicado no dia 26/03/2024), a organização do concurso informou, mediante dúvidas levantadas por candidatos, que são aceitas as graduações nas áreas de Museologia, História, História da Arte, Curadoria e Arquivista. A nota foi excluída da página oficial da organizadora do concurso.
Tal prerrogativa, não só exclui profissionais de arqueologia do conjunto de bens culturais de interesse da arqueologia, como acaba fechando as portas a quem tem expertise dentro do subcampo da arqueologia que é a gestão dos acervos arqueológicos.
Importante lembrar que são habilitados para exercer a profissão, segundo a regulamentação, todos os profissionais bacharéis em Arqueologia; diplomados por instituições estrangeiras revalidado no Brasil; pós-graduados na área de concentração em Arqueologia, mestrado ou doutorado, com pelo menos dois anos consecutivos de experiência no setor, além de especialistas em Arqueologia com pelo menos três anos seguidos de trabalho na área.
A Lei também regulamenta aqueles indivíduos graduados em outras áreas que tenham experiência de cinco anos consecutivos ou dez anos intercalados de trabalho no setor até a data de publicação da Lei.
Casos como o concurso da Universidade de São Paulo, podem e devem ser questionados, uma vez que o exercício do trabalho é de natureza arqueológica. No entanto, o edital não contempla através da titulação requerida os profissionais tais como é estabelecido pela Lei de regulamentação supracitada. É incongruente e contraditório.
Discrepâncias de salários entre os níveis e graduações
O que chama atenção nestes concursos, em geral, são a discrepância dos salários e os pré-requisitos exigidos ao cargo. No que se refere aos salários, os concursos a nível municipal são os que mais divergem, chegando a uma diferença de mais de 200%. Se comparado com o concurso a nível federal, a discrepância chega a quase 400%.
Além das condições de salário, os concursos levantados, na maioria, não especificam ou mencionam nos editais a Lei de regulamentação da profissão. Em dois deles é mencionado de forma clara a legislação vigente, embora estejam descritos os pré-requisitos exigidos.
No caso em específico do concurso municipal de Cáceres/MT, existe uma discrepância salarial não só entre os valores de outros concursos para Arqueologia como também entre as profissões correlatas (considerando profissões disponíveis mediante titulação por alguma graduação).
No gráfico (Figura 1), é possível perceber que as demais graduações, majoritariamente, oferecem salários em torno de 300% a mais. É injustificada a disparidade salarial se compararmos com profissões que atuam de maneira similar no licenciamento ambiental, como é o caso das vagas para o cargo “Biólogo (Bacharelado)”, com remuneração de R$ 6.165,30 (40h/s) enquanto arqueólogo aparece em R$ 2.768,23, com a mesma carga horária.
Esses dados são importantes ferramentas de análise de conjuntura, uma vez que a necessidade de concursos depende diretamente da forma como é gerido politicamente as iniciativas de Governo em defesa da Cultura e Patrimônio arqueológico do Brasil.
O fato é que os órgãos públicos responsáveis pelo setor ambiental e cultural estão dissonantes e por vezes, o diálogo não é claro ou mesmo inexistente. O que acarreta em empreendimentos potencialmente impactantes passando despercebidos e a demanda de profissionais, consequentemente, não solicitada.
Mobilização coletiva para reformular os horizontes
É preciso garantir, através de luta, diálogo e persistência, mais espaço no licenciamento ambiental, mais espaço nas esferas públicas. Somente através da mobilização coletiva é que se pleiteiam novos horizontes.
A Arqueologia brasileira precisa de reformulação. E essa reformulação precisa acontecer num diálogo entre as autoridades, sobretudo, com a participação central dos trabalhadores.
Não podemos, enquanto categoria, permitir que percamos autonomia e oportunidades de emprego. Afinal, arqueólogos em campo, em gabinete, em laboratórios e em órgãos públicos reforçam o compromisso e responsabilidade do país com o patrimônio arqueológico e a história não escrita.
Por Lucas Silva de Oliveira. Lucas atualmente presta serviços de consultoria arqueológica em projetos de licenciamento ambiental pelo país. É mestre em Arqueologia pela Universidade Federal do Piauí e integra a Comissão Geral Sindical, na subcomissão de Planejamento
Revisores: Kleber Sousa e Gustavo Neves.
Referências
Disponível em: https://admin.folhadirigida.com.br/filemanager/files/concursos/Editais2023/concurso-marinha-2023-quadro-tecnico.pdf. Acessado em: 09/04/2024.
Disponível em: https://arq.pciconcursos.com.br/prefeitura-de-parauapebas-pa-divulga-processos-seletivos-com-mais-de-mil-vagas/1628634/6311722da6/edital_de_abertura_n_01_2023_processo_seletivo_n_02_2023.pdf. Acessado em: 09/04/2024.
Disponível em: https://arq.pciconcursos.com.br/prefeitura-de-sorocaba-sp-retifica-concurso-publico-com-110-vagas/1593243/4380274143/edital_de_abertura_n_03_2022.pdf. Acessado em: 09/04/2024.
Disponível em: https://arq.pciconcursos.com.br/prefeitura-de-caceres-mt-retifica-um-dos-editais-de-concurso-publico/1641218/8b56b02bb9/edital_de_abertura_n_02_2024.pdf. Acessado em: 09/04/2024.
Disponível em: https://arq.pciconcursos.com.br/prefeitura-de-itaituba-pa-retifica-novo-concurso-publico-com-mais-de-1-5-mil-vagas/1645231/1d7654c405/edital_de_abertura_n_01_2024.pdf. Acessado em: 09/04/2024.
Disponível em:https://arq.pciconcursos.com.br/usp-anuncia-novos-24-editais-para-concurso-publico/1640878/fb931af2a6/edital_de_abertura_n_021_2024.pdf. Acessado em: 09/04/2024.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/04/19/lei-sancionada-regulamenta-a-profissao-de-arqueologo Acessado em: 09/04/2024.
Disponível em: https://transparenciamunicipalaam.org.br/p/sao-gabriel-da-cachoeira/t/concurso_publico. Acessado em: 11/04/2024.
[1] Comissão formada por um coletivo de arqueólogas e arqueólogos com o intuito de criar o Sintarq (Sindicato Nacional das Trabalhadoras e Trabalhadores de Arqueologia).
Comments (1)
Daniel lopessays:
13 de junho de 2024 at 3:43 PMMuito bom o texto e com lúcidas palavras
Abordando a questão da empregabilidade da arqueologia no Brasil.