Texto: Jader Damasceno, artista, jornalista e apresentador de televisão, militante de muitas causas
Encontramos-nos em um momento visivelmente frágil onde as tensões sociais e as lutas identitárias brigam por afirmação e direitos. No campo das políticas sociais sentimos as respostas oriundas das tensões silenciadas por mais de um século.
Parece que não, mas muito dos nossos problemas atuais e o aumento significativo dos discursos de supremacia estão ligados diretamente à nossa falsa compreensão de liberdade e poder.
Após a dita libertação dos escravos, em 1888, com a Lei Áurea, o Brasil vem passando por profundas transformações assim como em outros países escravocratas. Por muito tempo criou-se a área de igualdade e comunhão dos povos brasileiros. Entretanto, os discursos de ódio, poder e desejos permaneceram nos compartimentos mais profundos das nossas casas.
O surgimento de uma nova possibilidade discursiva fez emergir à superfície dos nossos dias novos rostos, comportamentos e falas. Por outro viés fez reacender a chama dos velhos discursos de poder roubados e instituídos há 500 anos. A “internet nossa de cada dia”, nos proporcionou não apenas novas formas de organizar o tabuleiro, mas também outras maneiras de jogar o antigo jogo democrático brasileiro.
Em um fragmento do texto, “Impasse nas relações raciais de Martin Luther King de 1961”, o revolucionário Prêmio Nobel, toca em uma ferida Norte Americana que também pode ser vista em nosso país nos dias atuais. Ele diz:
“A década de 1955 a 1965, com seus elementos construtivos, iludiu-nos. Todo o mundo subestimou a quantidade de violência e ira que os negros estavam contendo e a quantidade de racismo que a maioria branca estava disfaçando.” (p. 21)
Nesta fala podemos evidenciar o discurso de uma mente emancipadora que não quer mais guardar velhos monstros, mas sim por luz em problemas antigos e, porque não dizer, crimes de ordem político-social. Fica, então, o questionamento acerca de como foi feita a “libertação” dos povos africanos escravizados na jovem nação Brasil.
Outros questionamentos de ordem jurídica também podem ser lançados. Quais as políticas afirmativas e emancipatorias foram propostas e regulamentada por meio da chamada Lei Áurea? E hoje, quais os mecanismos que possibilitam minimamente uma vida digna para as pessoas descendentes, direta ou indiretamente, dos povos negros escravizados?
King discorre a respeito de dez anos de tensões resultantes da escravidão nos EUA. Aproximando o pensamento dele da nossa realidade podemos ampliar as marcas de conflito sociais submersos em uma névoa de 131 anos de falsa liberdade. Nossas feridas são mais profundas e portanto mais complexas. Devemos nos apropriar dos pensamentos pacificadores de Martin Luther King, mas nunca esquecer de desenvolver novos mecanismos de emancipação e poder, pois os novos tempos exigem novas regras para jogar. Nesse jogo qual peça você é e quais jogadas está fazendo?
Deixe um comentário