“Teresina, cidade que não aceita os seus”, essas eram as palavras proferidas durante o Ato-Performance Banho de Sangue, menção ao aniversário de 168 de Teresina. O ato aconteceu na manhã deste domingo no cruzamento da Av. Raul Lopes e Av. Universitária onde se encontra um monumento que homenageia o Bandeirante Domingos Jorge Velho, considerado um dos maiores genocidas das populações originárias do Piauí. O ato lembrou as vítimas de covid-19 em Teresina, 809 mortes, e as populações ameaçadas de remoção pelo modelo de cidade desterritorializador e colonizador.
Na ocasião, Luzia Amélia e Lúcia Oliveira protagonizaram a performance, envolvendo o monumento com um pano que de branco se fez vermelho entre os movimentos-memórias-corpo-voz das duas. Palavras fortes, impactantes, de uma verdade não-dita pelos supostos vencedores desta terra. Danças que denunciam a crueldade ao tempo que anuncia a garra e esperança de quem sofre.
Ontem e Hoje colonização se repete em Teresina
A região que hoje abriga a fina flor da burguesia teresinense antes foi terra indígena, mais tarde comunidades tradicionais e negras ali habitam, expulsas mais tarde pela branquitude. A homenagem ao bandeirante fere o brio e a auto-estima das populações negras e filhos e filhas indígenas (perdidos de seus elos ancestrais), pois põe a figura do opressor no topo, pisando sobre a cabeça dos povos originários. Diante disso, Lúcia Oliveira pergunta “Quantos mais vão ter que morrer para respeitar o povo que construiu essa cidade?”, lembrando as remoções que as comunidades tradicionais sofrem na Zona Norte, com o Programa Lagoas do Norte. “Estamos sendo expulsos de nossas casas”, acrescenta.
As disputas de terra à beira rio, não poderiam ser melhor descritas que o Banho de Sangue. Para construção da ponte estaiada? Expulsaram as comunidades locais. Para construção de shopping? O mesmo. Para construção do Programas Lagoas do Norte? A história se repete nos olhos marejados das mães marcadas pelo sangue afro-indígena.
Os militantes, alguns dos quais moradores da Av. Boa Esperança, denunciam o fato de que durante a pandemia, a prefeitura tem entrado nas casas dos moradores realizando assédio. O objetivo é que os comunitários abandonem seus territórios para que se complete a segunda fase do Programa Lagoas do Norte.
Para Lúcia o momento é “O grito do que estamos sofrendo. O grito contra a pressão do Banco Mundial nas populações ameaças pelo Programa Lagoas do Norte. Grito da violência. É o grito de ver a Prefeitura invadindo nossas casas. É o grito de ver os nossos e as nossas morrendo sem ter assistência do Estado durante essa pandemia. É um grito pelas vítimas de Covid-19. Foram muitos gritos, minha garganta está ardendo, mas nós demos o recado”, expressa Lúcia após ato-performance. Lúcia destaca a importância de recontar a história pela ótica dos povos que foram historicamente subalternizados.
O grito para sobreviver à covid
O ato lembrou as vítimas de covid-19, por meio de instalação artística desenvolvida pelo OcuparThe. Os artivistas lembraram que as vidas que se foram são mães, pais, filhos, netas, tias e deixam um vazio sem tamanho nas famílias. Em todo o Brasil já são mais 100 mil mortes por essa doença.
Lúcia Oliveira e os militantes presentes (que levaram em conta o risco de proliferação da covid-19, optando por uma quantidade estratégica de pessoas presencialmente, com transmissão ao vivo pelas redes sociais) criticam o fato das comunidades periféricas serem as mais atingidas. “As periferias estão morrendo com a covid-19, queremos ter direito ao teste e proteção”, afirma.
Os manifestantes exigem proteção por parte dos poderes públicos. Além da falta de saneamento básico, o que agrava a proliferação da doença nestas regiões, a periferia sofre porque continua a trabalhar para garantir seu sustento fazendo uso de ônibus lotados e por vezes não tem sequer equipamento de proteção individual nos espaços de trabalho.
Texto: Sarah F. Santos / Fotos: Franco Cardoso e Tássia Araújo
Comments (2)
Monumentos e violências históricas - O Estado do Piauísays:
29 de setembro de 2021 at 9:07 AM[…] imponente em uma rotatória localizada entre duas das principais avenidas da cidade. Com a ação “Banho de Sangue”, as artistas Luzia Amélia e Lúcia Oliveira incitavam a revisão histórica dos monumentos e […]
Ana Karina Sampaiosays:
23 de março de 2023 at 1:17 PMGostaria de acrescentar que este monumento é assinado por Claudio Martins. O monumento que traz domingos Jorge Velho com a cabeça de um índio espetada na lança é uma crítica ao colonialismo e não uma homenagem a ele.