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Banho de sangue: Domingos Jorge Velho e João do Rego, há diferença? Quem é El Matador?

 

 

A ocasião do aniversário de Teresina junto a carga simbólica da performance “Banho de Sangue” protagonizada pela artista Luzia Amélia e Lúcia Oliveira em frente a uma escultura localizada no Balão da Primavera, zona norte/zona leste da cidade, acendeu o debate local sobre a visibilidade de heranças do pensamento colonial que reverberam até hoje. 

 

Mas ao contrário do que afirmamos em matéria veiculada no último domingo (16) a escultura trata-se, na verdade, de uma referência ao tenente João do Rego Castelo Branco, em homenagem ao poema “El Matador” do escritor piauiense H. Dobal e não ao bandeirante Domingos Jorge Velho.

 

Para o historiador Phelipe Cunha, existe muita confusão nesse tema, sobre a obra e sobre quem seria a figura representada. A obra de Carlos Marins, chama “El Matador” (nem sobre isso se há tanta certeza), pq é inspirada no texto de Dobal, mas não é o “El Matador” de Dobal, necessariamente. Para Phelipe “O matador da Obra ñ é o João do Rego, é a figura do colonizador e da colonização. Até pq o genocídio indigena ñ foi empreemdimento apenas de João do Rego, por mais que a alcunha de “El Matador” a ele tenha sido dada. Poderíamos diz que toda a historiografia que reproduziu (e ainda reproduz) as narrativas de silenciamento e apagamento das lutas das nações indigenas, negras quilombolas e populares estão denunciadas na obra, e seriam tbm o “El Matador”, porque não?


Os movimentos populares que se manifestaram frente a estátua El Matador no último domingo afirmam que apesar de levarem nomes diferentes tanto João do Rego quanto Domingos Jorge Velho são um espelho um do outro em suas práticas colonialista e morticida. Como afirma a militante Lúcia “Por mim, não há diferença alguma, tanto um quanto o outro veio para nos matar mesmo”.

 

De nossa parte enquanto OcorreDiário, afirmamos que nosso Sul são os movimentos populares que movimentam e sustentam a cidade. Veiculamos reportagem nomeando a figura como Domingos Jorge Velho e fomos informados de que houve um equívoco na nomeação. Agradecemos as mensagens que recebemos, sobretudo, porque nos lembram de nomear e denunciar mais um morticida da história, João do Rego Castelo Branco. 

Também levantamos duas discussões: 1) Quem constrói a memória pública de Teresina está (estão) tão enredado nos círculos elitistas a ponto de que a população em geral não ter conhecimento sobre os espaços simbólicos construídos. Daí decorre o segundo ponto. 2) O monumento carece de identificação apropriada nas proximidades da estátua, a referência a poesia crítica de H. Dobal (El Matador, que dá nome ao monumento) se perde na paisagem da cidade e fica restrita a um círculo intelectual.

Está evidente, portanto, que o conflito sobre a estátua e sobre o nome de qualquer que seja o algoz montado no cavalo a pisotear o povo indígena – Domingos Jorge Velho ou João do Rego – depõe muito mais contra a história embranquecida e colonialista do Piauí do propriamente contra os manifestantes deste domingo ou mesmo ao coletivo de comunicação que aqui reporta e retrata as trocas dos nomes. Além disso, perguntamos de que forma o poder público permite a construção de símbolos nas vias públicas sem uma problematização junto a população. Destaca-se aqui o caráter privativo de muitos dos monumentos da cidade. 

Quando a Homenagem é de “grego”: Exaltação ou denúncia? 

Foto: Tássia Araújo

 Foto: Tássia Araújo[/caption]

 

Quando a história é contatada por indivíduos externos à vida e ao sofrimento do povo, o colonialismo se repete provocando muitas outras dores. Não é de hoje que a polêmica “Homenagem versus denúncia”, em torno deste monumento, ocupa as mentes teresinenses que por ali passam. De um lado aqueles que afirmam que a estátua “El Matador”, inspirada na poesia de H. Dobal é uma crítica aos genocidas. Mas agora é diferente, no momento, as pessoas que tem seu sangue e sua ancestralidade marcadas por essa história não querem ver seus antepassados na condição de subalternização. Há boas intenções em muitos locais e até existe um ditado bem conhecido sobre isso, não é mesmo? 

 

Assim é que consideramos importante trazer as vozes de quem se ressente dos presentes de gregos que a população recebe. “Sou a terceira geração, pós abolição e tenho refletido sobre meu lugar nessa cidade. Tenho chegado à conclusão que no Piauí, o massacre do povo indígena tenha sido a pior da história. Isso é que gera a negação das pessoas a falta de posicionamento quando as coisas acontecem. Por que eu coloquei de discutir essa estátua? Porque não é de hoje q eu passo ali e me incomodo. Estou cansada de ver nosso povo sendo retratado assim. Para uma pessoa branca talvez não doa, mas pra mim que sou afroindígena, dói muito”, afirma Lúcia. 

Para a militante de direitos humanos, Sueli Rodrigues, o monumento do jeito que está traz interpretações desagradáveis para as pessoas negras e indígenas. “Do jeito que está é como se apagasse uma história. Ali está uma informação direta… é diferente de vc ler um poema de H. Dobal porque temos um contexto. Ali é uma imagem que vai reforçar um imaginário genocida do povo indígena. Ali é uma informação para fortalecer. É isso que os europeus fizeram todo o tempo… Você vê e vê a imagem ‘está um bandeirante matando indígena que nem considerado gente era’. Para essa estátua se fazer comunicação tem que está contextualizado e mesmo que tenha um textinho explicando, quem vai parar ali para ler o que contextualiza?”, afirma. 

Sobre o Poema El Matador e os povos originárias que resistem no Piauí 

Ainda que o poema de H. Dobal o qual a escultura faz referência tenha um viés crítico de denunciar as atrocidades do tenente João do Rego Castelo Branco, segundo a pesquisadora Jóina Borges  a poesia ainda guarda certos equívocos a respeito desse período histórico. “Mesmo fazendo a referência a entre aspas ‘dizimação’, que pra mim é uma palavra que também é horrível, pois é como se os índios não existissem até hoje.” O poema contém versos como “Raça extinta, Lembrança extinta”. 

Assim, destacamos que o colonialismo presente na história piauiense, diríamos até cotidiana (nas escolas, na igreja, nos círculos de intelectuais, nas rodas de amigos, nas universidades),  está completamente equivocada quando se refere à “dizimação e extinção” dos povos indígenas. E aqui saudamos os povos Kariri e Tabajara que resistem nas terras do Piauí.

Destacamos a importância de que o povo conte a sua própria história. “O que sinto como indígena é o lugar que a estrutura de poder quer nos dar. É uma onda de apagar a nossa história. Só contam a história de quando o português chegou aqui e esquecem que aqui tinha e ainda tem povos com suas culturas, costumes, línguas, suas relações com a natureza. Essa estátua quer dar o recado do que eles querem nos oferecer. Imagina o que significa isso na auto-estima das pessoas indígenas do Piauí? O que eles chamam de arte é algo terrível e humilhante”, afirma Sávio Tabajara, do povo Tabajara de Piripiri. 

Além disso, Sávio acrescenta que apesar deste lugar subalternizado “A gente sempre vai lutar. Como diz o Nêgo Bispo, podem tentar de todas as formas no apagar da história, mas não seremos apagados porque a nossa ancestralidade permanece”, afirma. 

A seguir a poesia na íntegra: 

El matador

 

De sangue e de fogo

 

Se fez o nome.

 

No sangue e no fogo

Se desfaz a história

De muitas vidas

 

A sangue e fogo

A ferro e fogo

Um homem liquida

Seus semelhantes

 

No sangue

            A crueldade desnecessária

 

No sangue

            A violência contra os desarmados

 

Ao preço de tantas vidas

Sua vida se perde

Do consumo do tempo 

 

Não matador de touros

Toureador da morte

Vencedor dos verões.

Matador de índios.

 

Sua glória triste

Pesa sobre nós

Sobre a sua memória

Pesa a morte inglória

Das nações Tapuias

 

Tenente coronel dos auxiliares

João do Rego Castelo Branco

Chefe da tropa

Senhor dos trabalhos

Castigos e desgostosos

Matador de índios

 

Sem firmeza

Nos ajustes de paz

Firme na guerra

A todos os índios.

Rápido na guerra

Lança os proclamas

As derramas

De gente

Farinha

Cavalos e bois

 

Índios e ouro

Seu sonho execrando

A lagoa dourada

O rio do Sono

Se resolve em sangue

A sede de ouro

 

Os corpos no campo

Para os pastos das feras

Passados à espada

 

            Acoroazis

            Pimenteiras

            Gueguezes

         

Raça estinta

Lembrança extinta

Nomes nações

Apagados

No próprio sangue

 

Matador de índios

A fúria de seu nome

Sua memória em sangue

Se repete.

H. Dobal (Hindemburgo Dobal)

 

El Matador

 

De sangue e de fogo

 

Se fez o nome.

 

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