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Bixanikas desabrocham na Casarão da Rua das Flores

Ensaio do Bloco Unha de Gato com as Bixanikas no Studio de Dança Sibita na Casarão Cultural/Rua das Flores – Amarante(PI)/ Foto: Charleno Pires

Até os postes da Rua das Flores, no centro de Amarante (PI) tem forma de flor. Apenas 03 quarteirões conectam a emblemática Escadaria, que nos conduz a uma vista incrível, às refrescantes margens do Velho Monge. No miolo da rua, bem na esquina donde nasceu Da Costa e Silva, há uma casa antiga com fachada encarnada de lindas pinturas e fluxos floridos. Este é  o Casarão Cultural que tem aconchegado artes amarantinas, brasileiras, estrangeiras, bixanas e as BIXANIKAS, trio babadeiro que floresce nas redondezas do Casarão transbordando pelas margens dos rios Canindé, Mulato e  Parnaíba.

A elegância do Cavalo Piancó, funks pocotós/proibidões, o pagode do quilombo Mimbó, drag queens, sambas, danças, palhaçaria, marchinhas, e bossas pretas tecem os elos e processos artísticos da multiartista Negro Val e o artista cênico Paulo Gomes e a jornartista Vicente de Paula (Vince Vicentina – que conduz esta entrevista performática) nesta experiência cênica musical chamada Bixanikas. Na conversa passeiam por peças, composições musicais, saraus, blocos de carnaval, exposições, pesquisas, espaços,  residências artísticas e outros rolês semeados há alguns anos na periferia de Brasília (Samambaia) e que frutificam atualmente no Casarão Cultural (Amarante-PI). 

Montação da fachada da Casarão Cultural – Rua das Flores/Amarante (PI)/ Foto: Elisa Barbosa

As Bixanikas fazem e acontecem nesta oportunidade de aprendizado valiosa que brota em que cada esquina, cada comunidade, cada margem, cada interior com que se deparam. Cada cômodo da Casarão dessas crias parece um camarim. Arregaçam os vestidos e saltos, furam paredes e neste ritmo ergueram a Galeria Nêga Ana com a exposição Trans PocTiva – Vicente/Vince/Vicentina que tanto tacou/tocou/tateou curações.

Nossa querida Polety @contatopaulog com suas ferramentas mágicas, salto alto e furadeira monta monte de peça junto comigo e em sintonia com nossa amada amarantina Negro Val @negrovaloficial remontamos um compilado de memórias bixas que dançam nas paredes do Casarão que acolhe dança, música, pedagogia, comunicação, LIBRAS e tantas outras linguagens e poéticas que sensibilizam e transformam a brutalidade cotidiana. 

Paulo Gomes/Polety na montagem da exposição “Ré Trans Poctiva – Vicente de Paula/Vince/Vicentina”/ Foto: Vince

Nesta missão também estão armando um show debochado, crítico e carnavalesco: Bixanikas em Live Block da Unha de Gato apresentado online diretamente do Casarão Cultural na Rua das Flores-Amarante/PI nos dias 12(sexta- 12:00), 14 (domingo, 14:00) e 16(terça, 16:00). É tanta a coisa pra ser compartilhada com tanta gente que transcrevemos aqui alguns traços dessa travessia cheia de frisson.

Sou grata a todos os percursos e encontros prósperos que permitiram pousar e me expandir… Retribuindo as graças abundantes, convidamos e compartilhamos espaços-tempo dialogados da/na casarão, que são pedaços de curação/coração para todes possam se aconchegar, batalhar e brilhar com o fluxo daquelas que ousam debochar e mergulhar múltiplas maneiras de amar. Vamos que voamos.

Vince Vicentina – Como as Bixanikas se encontraram? Lembro que havia muitas pedaladas, ciclos e ciclovias que atravessavam Brasília?

Negro Val -Sim, muitas ciclovias. Em Brasília nós estávamos na quebrada em Samambaia. 

Paulo Gomes – Sim, eu estava concluindo um trabalho de palhaço no Galpão do Riso (Samambaia) com o Grupo Nutra, grupo tradicional de palhaço. 

Negro Val- A gente tinha muita relação com Samambaia, participávamos do Sarau Complexo. Eu era intérprete de LIBRAS no Sarau. Paralelo a isso, tinha muita relação no Centro de Dança do DF, no Plano Piloto. Inclusive reencontrei Vicente lá numa seleção com a coreógrafa piauiense Lenora Lobo. E depois teve Afeto Tabefe, que teve muita contribuição do Paulo e da Vicente. A gente frequentava muito o Centro de Dança e resolvemos bastante coisa lá. 

Paulo Gomes – Inclusive a Vicente fez a Fala Cu[1] lá no Centro de Dança.

Negro Val – Era esse fluxo, metrô-bicicleta: Samambaia, Plano, Sesc da 913 sul, Espaço Renato Russo, Cruzeiro, Guará, Ceilândia, Paranoá, shows de brasilienses, piauienses, gente de todo canto. 

Vicentina – E nessa época o nosso espaço, ponto de apoio, era a casa de vocês em Samambaia, carinhosamente chamada de Barraquinho por causa do Bloco de Carnaval Sambambaia que vocês criaram, né?!

Paulo Gomes – Sim, um espaço que foi crescendo. Começou com uma kitnet, depois alugamos a da frente e ganhamos área comum pra montar nosso espaço cultural. Aí veio a pandemia e acabamos vindo para Amarante. Mas esse sonho começou lá em Samambaia onde demos até algumas aulas online – Val já dava aula. Gravamos seriados como as Quarentonas e lives do Sarau Complexo. 

Negro Val – A gente fazia nossos carnavais lá. A gente compôs as primeiras músicas das Bixanikas lá. Fizemos parcerias com várias artistas através do Bloco Sambambaia. Foi um importante ponto de nascimento das Bixanikas e parceria com muitas artistas, com Samba da Malandra, Kaju (Ju Ataíde), Dani Vieira, Hayna e os Verdes, Podríssimas[2] e também com a comunidade, a 310 lá em Samambaia. Fizemos muitas conexões prósperas que resultaram nas Bixanikas. 

Bixanikas montando Galeria Nêga Ana na Casarão Cultural – Rua das Flores/Amarante (PI) – Foto: Vince

Vicentina – Verdade, foram muitos encontros pra ver e fazer peças, performances, ensaios fotográficos no lixão, ver espetáculo de cabaré na Funarte… fomos e organizamos muito shows. Essa confluência entre percursos artísticos formou as Bixanikas. Teve algum destes momentos que foi marcante?

Negro Val – Teve um momento bem importante na escola que o Paulo trabalhava no Paranoá no dia da Consciência Negra com uma diversidade de jovens.  

Paulo Gomes – Nesse evento especificamente participamos da Semana da Consciência Negra numa escola pública na periferia de Brasília, Paranoá. Junto com Val e Vicente, organizamos na escola oficina de figurino, cenário, desfile da beleza negra, coreografias… Foi um momento onde afinamos pautas estéticas, éticas e políticas que nos aproximou mais ainda.

Vince Vicentina – É muito interessante que o percurso das senhoras envolve contextos muito delicados com várias vulnerabilidades sociais. As senhoras dialogam com periferias, crianças, idosos, inclusão das deficiências, LGBTQIA+. Como é esse desafio de dialogar sobre vivência das bixas, das pretas, das periféricas em comunidades que sofrem exclusões e privações sociais graves?

Paulo Gomes – Eu percebo que o Carnaval, os eventos lúdicos, culturais que a gente fazia, como o Bloco Sambambaia ajudam bastante. O bloco foi um evento criado por LGBTQIA+. Eu e Val, gays, negros e da comunidade não precisávamos levantar uma bandeira. A gente era/é a própria bandeira: A comunidade, da quebrada da 310 (Samambaia) via, admirava e estranhava um bando de bixa promovendo ações de arte, educação e lazer. Tudo foi orgânico desde as crianças, aos pais, os bêbados, os evangélicos, os filhos, avós. As Bixanikas tavam ali já nessa conexão entre grupos que aparentemente são opostos às bixas, mas que não estavam nos agredindo e sim sendo nossas aliadas em prol de alegria. Foram muitas relações e possibilidades artísticas. Conseguimos unir blocos da comunidade, que brigavam até. Teve o Dançarte que incluía pessoas com deficiência, desfilamos no carro de bombeiros, tinha a parceria com o projeto Kurumim com brinquedos e brincadeiras para crianças. A gente tem esse interesse de unir públicos diferentes. 

Negro Val – Eu acho que é bem sobre isso: diversidade! A gente passou por vários momentos e fico bem feliz com o resultado das nossas ações. Não um resultado de público, mas de pessoas com compromisso. A gente via alegria da quebrada envolvida e engajada naquilo que estávamos fazendo. Não era só uma coisa das Bixanikas era uma confluência. E nosso bloco de carnaval é um estandarte que se desdobra até hoje. 

 Paulo Gomes – Havia uma união das tribos. Não tinha grupinhos: espaço pra A, B ou C. Tinha gente do P Sul, Lago Sul, Varjão, Taguatinga, Ceilândia, Asa Norte, Recanto das Emas…

Vince Vicentina – Teve até gente da Índia. Anupama nossa amiga de Calcutá foi numa das feijoadas do Bloco Sambambaia. Bixas internacionais. Como as senhoras lidam com tantas singularidades?

Negro Val – Acho que estamos desenvolvendo cada vez mais a sensibilidade de poder estar junto e realizando as coisas com as pessoas que estão dispostas. Mesmo não sendo de Samambaia, só o Paulo sendo de lá, era como se fossemos de lá. Assim como agora estamos em Amarant… E mesmo vocês não sendo daqui, já se conectam com os desejos e questões locais. Acho que é a necessidade de se sentir humano, em comunidade, estar conectada construindo e desconstruindo esta sociedade. De alguma forma a missão das Bixanikas é conectar pessoas. Apesar de sempre sem grana, tivemos sempre muita vontade de juntar. Isso que vem nutrindo e formando os elos entre as Bixanikas. 

Bixanikas nas margens do Parnaíba – Amarante/PI: Negro Val, Paulo Gomes e Vince. Foto: Vince

Vince Vicentina – E o que representa as Bixanikas para vocês?

Paulo Gomes – As Bixanikas pra mim é um processo de libertação/reabilitação dos meus pudores. Enquanto artista eu vejo que é um local onde eu vou poder me expor de forma usar minha arte em prol das gays. 

Negro Val – Eu acho que é um lugar de reafirmação de busca… de dúvida pra mim. Um oceano…  sabe (…) onde eu posso fazer tudo ser tudo que eu nunca fui e muitas coisas que eu fui também. Eu acho que as Podríssimas… (risos) – Sempre trocando Podríssimas como as Bixanikas -. As Podríssimas… As Malditas… -Rainhas do Babado- são referências. São muitas referências de coisa que a gente viu, que a gente gosta, que a gente carrega com a gente. Bixanikas é um espaço de experimentação. Somos bixas experimentativas. O que será nós, nos lançando na música? Parece ousado, mas é algo que já tá na gente. Nós compomos brincando.

Vince Vicentina – As Bixanikas vibram com o tão falado exercício de liberdade que pode ser a arte. Há muito close e beleza nessa liberdade. E é uma coisa que atravessa várias camadas da nossa vida social, inclusive das linguagens artísticas fissuradas. Este ultrapassar de fronteiras mescla palhaçaria, drag, teatro, dança, performance, carnaval, e agora mais música. Elas não param! Insistem em se apropriar e conhecer as estruturas das linguagens artísticas para tentar potencializar as coisas que a gente quer dizer desta vivências bixas. Como é esta mistura Polety (Paulo Gomes)?

Aulão de dança na Rua das Flores em frente à Casarão Cultural/ Foto: Vince Vicente de Paula

Paulo Gomes – Eu acho que é um lugar divertido. Por isso, o palhaço. Não tem palhaço ridículo, nem julgamento. A gente se joga, se diverte, é sincero e faz tudo que dá vontade. Dança, teatro, performance, palhaçaria… a gente envolve tudo isso.

Negro Val – A gente mistura também artes visuais, a pintura, montagem, a gente dança, compõe, faz poesia, FAZ DEBOCHE, samba, paródia. A gente vive muitos momentos de loucura, lucidez e muito planejamento. A gente vive com intensidade todos esses momentos. Isso é a grande potência da gente. É poder transformar uma brincadeira, numa piada numa música, é poder trazer um momento de alegria, deboche, sair um pouco da caixinha, do tradicional, do padrão. 

Vince Vicentina – Muito complexo desenrolar essas relações não hegemônicas que não tão e ao mesmo tão porque as Bixanikas tão impregnadas de massa, cultura popular  na comunidade?

Negro Val – Sim no Cavalo Piancó,  Pagode do Mimbó, a gente também bebe muito do samba, MPB

Paulo Gomes – E pra você Vicente: O QUE É A BIXANIKAS?

Vince Vicentina – É esse exercício de liberdade, espaço de emancipação e de experimentação destas linguagens artísticas.

Negro Val – Acho que tem muita relação com parceria. Já que parte de 03 artistas que têm suas histórias entrecruzadas que se encontram e produzem pensamento, constroem poesias, ritmos… é um fazer as bixas dançarem, celebrarem a vida, a alegria. A gente se transforma, se monta, pensa, produz para alegria.

Vicentina – Inclusive a metodologia é a alegria. É uma coisa até que Caetano, artista de Recife, tem uns dizeres nas pesquisas/experimentos queer/cuir/kuir/cuíer que é a epistemologia do deboche. Acho que o deboche é uma coisa que une e separa… Graças a Deize que não somos apregadas e mesmo nas carreiras solos elas se apoiam. As Bixanikas é uma experiência cênica musical que mesmo com a pandemia, com distanciamentos, conseguiu criar trilhas de aproximação. Como foi fortalecer as Bixanikas durante a pandemia?

Negro Val – Acho que a pandemia nos uniu. Nos isolou ao mesmo tempo que iniciamos quarentena juntas, fizemos arte… Mudamos de lugar – de Brasília pra Amarante. Resistimos, reinventamos um rolê tudo pra carreira. Conseguimos criar espaços de respiro. 

Vince Vicentina – Exatamente num momento que estamos com dificuldade de respirar. 

-Todas começam a cantar na entrevista: Chu chu beleza chu beleza eu não vou depilar e isso é uma certeza… chu chu beleza a minha mata atlântica é uma delicadeza. Hoje inclusive fizemos uma música sobre a nossa gata Pagu. É sobre transformação e potencialização dos desejos. 

Negro Val – É muita brincadeira, muita alegria. Acho que a gente traz leveza pro cotidiano. Nas nossas vidas tem muito esse espaço para se jogar, se apoiar, ter nossos conflitos e superá-los de forma debochada. Isso tem feito a gente criar mais e também convivermos com harmonia e conflitos.

Vince Vincetina – No ambiente político em que vivemos é difícil dialogar sobre conflitos e dissonâncias. Como vocês avaliam o cenário político brasileiro?

Negro Val – Nós estamos num ambiente muito pesado. Nosso maior representante é asqueroso. (Paulo Gomes faz o sinal da cruz e diz: Misericórdia!). Tem sido bem difícil pra gente que busca alegria, preservar o amor, que quer falar de beleza, liberdade. Quem nos representa (politicamente) é o oposto. 

Vince Vincetina – É uma luta contra repressão, a asfixia, a ausência de momentos de respiro?

Paulo Gomes – É a energia do ódio que está pairando não só no Brasil, mas no mundo e a gente vê a representação disso nos gestores. O que eu sei é que é uma coisa que passa, né gente?! Demora um pouquinho, mas passa.

Negro Val – Acho que o Brasil é um país incrível. Estamos passando por um período sombrio, mas eu acredito muito na nossa vacina, no SUS, no Butantã, nas praias, no turismo, na cultura… no brasileiro que tá aí prosperando nesse período caótico mesmo sem apoio. Sem ninguém para nos amparar. Ninguém no sentido de não ter um representante a altura do brasileiro.  Eu acho que foi um grande equívoco a eleição desse despresidente. Mas tudo vem pra gente aprender e ver que não quer isso. Tem muitas pessoas já querendo impeachment desde muito tempo. Pode ser que depois de vacinadas a gente consiga sair às ruas e derrubar essa peste.

Paulo Gomes – Acho também que a gente tem que trabalhar em outra energia e não se deixar levar pelas armas do ódio. 

Vince Vicentina – Sim, mas precisamos também romper os limites da nossa dita passividade. É aquela coisa que a Jota Mombaça diz: Sou passiva, mas meto bala! Não tira onda com as garotas da quebrada que elas não vão suportar mais esse ciclo de violência e extermínio. E é preciso deixar a raiva, ressoar, ressentir. Audre Lorde e várias feministas negras nos falam que negar a raiva nunca nos protegeu. Ser Bixanika é ser audaciosa e é preciso estar atento e forte.

Começam a cantar refrão de Divino Maravilhoso: “É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte.”

 Vince Vicentina- É uma luta constante não temer a morte 

Negro Val – A gente tá sempre nessa atenção, na busca de um lugar de reflexão, de saída, de questionamento, portas abertas, aprendizado. A pandemia mostrou pra gente – brasileiro desamparado com despresidente – que temos força pra se ressignificar. Mesmo diante do caos encontramos caminhos, paz, prosperidade e encontramos meios de criar. Independente de toda política de extermínio vamos estar aqui resistindo, fazendo de nossa cultura, nossa arma, nossa arte. 

Vince Vicentina – Nesses mergulhos culturais as Bixanikas se envolvem com as comunidades, mestres de saberes populares e várias referências populares. A presença delas nestes espaços culturais considerados tradicionais e por vezes transfóbicos/racistas/homofóbicos/patriarcais é uma afronta ao sistema social padronizador. As Bixanikas arregaçam essa política de eliminação de subjetividades/corpos desviantes. Elas combatem esta necropolítica que extermina a diferença.  Elas enfrentam toda essa dureza cinza desabrochando logo na Rua das Flores em Amarante, há dois quarteirões do Rio Parnaíba. Como é esse projeto político artístico em defesa da cultura ribeirinha que envolve arte, meio ambiente e educação?

Paulo Gomes – Isso se dá muito através do repertório que a gente vem construindo. E planejamos nosso show discutindo estas questões nos nossos solos, performances, nos duetos, trios, coreografias babadeiras. Nas nossas apresentações nos saraus, de forma remota ainda, infelizmente, mas breve na rua. Resistindo contra tudo que quer nos arruinar já estamos organizando nosso carnaval. Temos o nosso bloco e vai ter live bloco.

Ensaio da marchinha Chuchu Beleza com músicos da cidade de Amarante (maestro Jorge, Charleno Pires e Carranca) no Casarão Cultural/Rua das Flores

Vince Vicentina – Amo live bloco, live block (risos) Bora blocar que as Bixanikas já têm até marchinhas de carnaval.

Negro Val – É! Além do Sambambaia que começou em Brasília criamos o Unha de Gato para desfilar em Amarante depois que todas estiverem vacinadas! E assim vamos ocupando todos os espaços, invadindo muitos ambientes e lutando por várias pautas, dentre elas os rios, que apesar de mais protegidos no interior sofrem vários ataques. Vamos fazendo e acontecendo, quebrando limites. Não tem fronteiras pras Bixanikas. 

Vince Vicentina- São muitas ações que as Bixanikas estão planejando no Casarão Equilíbrio Cultural: residências artísticas, gravação de clipes, curtas, experimentos audiovisuais, tem também peça já sendo engatilhada envolvendo Amarante, realismo fantástico, tem exposições de pinturas, figurinos, cenários, esculturas, mostras, grupos de pesquisa, aulas de Libras, de dança, de reforço escolar. Tudo isso envolve fortemente uma perspectiva cênica e musical, certo?!

Negro Val – Sim, o Casarão aqui na Rua das Flores é um importante ponto para desdobrar nosso repertório musical que é nosso carro chefe e se conecta com nossas jogações performativas: cênicas e dançantes.  E é sobre isso vivenciar esse carnaval e poder dizer não só no carnaval: Se montem, rode uma saia, bate o cabelo…

Paulo Gomes – É isso! Foca na beleza. Beleza atrai beleza.

Vince Vicentina – E as Bixanikas cantam essa beleza que não tá presa né?! É uma ginga sobre os escombros da beleza que encontra camadas múltiplas, dissidentes: incapturáveis e fluídas. 

Paulo Gomes – Sim, a Chu chu beleza, nossa música de trabalho pro carnaval que você (Vicente) compôs é bem sobre essas possibilidades de experimentar o corpo e as formas de se amar e encontrar sua própria beleza, sua força, sua natureza. Da mesma forma as paródias que fazemos – como a do clássico do axé Pequena Eva, que no nosso deboche vira Ivo, Ovo, Uva… a da Rapariga… e por aí vamos e viajamos.

Negro Val – É uma delícia ser Bixanikas, é o nosso momento, nossa brincadeira, nosso miado. E não é só nosso. Qualquer uma pode ser Bixanika. Formamos um trio que é um alicerce e que se ramifica em muitas outras. Em todas aquelas que gritam, cantam, rebolam e se lançam na vitalidade, na viadagem com muita ousadia e deboche. 

Vince Vicentina- Bixanikas são um bando de xaninhas debochadas que florescem fazendo cena e som pelas margens. 

Negro Val – Cantando, sambando, ousando, debochando… desabrochamos

Paulo Val – Sempre fazendo nosso carnaval e afrontando racismos, sexismos, LGBTfobia e outras injustiças com amor e muita alegria. 

Negro Val – Isso! Vamos de chuchu beleza

Cantam a marchinha Chu chu Beleza 

Chuchu Beleza 

Dia desses me chegou uma gatinha

Disse que era muito linda uma gracinha

Que só faltava tirar barba e depilar a perninha

Pra me tornar uma bela garotinha

A fala dela me causou uma estranheza

E me bateu aquela velha incerteza

Será que esse é o meu maior problema 

Ainda ter que aguentar esse dilema

Devo ser uma mocinha bem lisinha bonitinha

Ou estou bem sendo uma ursinha barriguda peludinha?

Chuchu beleza Chuchu beleza

Eu não vou depilar e isto é uma certeza

Chuchu beleza Chuchu beleza

A minha mata atlântica é uma delicadeza

Chuchu beleza Chuchu beleza

Pode deixar que eu cuido da minha natureza

Chuchu beleza Chuchu beleza

Não venha represar a minha correnteza 

Chuchu beleza Chuchu beleza

Eu não vou me importar com a sua malvadeza

Chuchu beleza Chuchu beleza

Eu curto pelo sim sente só a macieza

Boneca lisa não põe mesa 

Eu decido minha beleza

Amplia a diversidade

Chega de padrão pureza

Tessitura de fotos (Vicente de Paula, Charleno Pires, Angelina Pires e Elisa Barbosa) e texto assinados por Cabrita da Peste


[1] Palestra Performática realizada por Vicente de Paula sobre as partes baixas/inferiores e subalternizadas do corpo (e em analogia da sociedade).

[2] Artistas brasilienses que abordam transversalmente pautas LGBTQIA+

Rua das Flores

Fotos: Vince

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