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Boa Esperança festeja expulsão do Banco Mundial de seu território

Ontem (domingo, 26) foi dia de festa no território das lagoas do norte de Teresina. A comunidade da Boa Esperança se reuniu para comemorar mais uma vitória na luta pela permanência em suas casas: o fim do contrato com o principal financiador do Programa Lagoas do Norte, o Banco Mundial. 

“Hoje é dia de festa porque, depois de muita luta, expulsamos o Banco Mundial de nossas terras. Queremos dizer ao pessoal desse banco que esse território já tem dono e que eles não podem decidir sobre nossas vidas”, disse em parte do seu discurso a vice-presidenta do Centro de Defesa Ferreira de Sousa, Lúcia Oliveira

De acordo com a avaliação comunitária o fim do contrato com o Banco Mundial é visto como positivo, pois significa um certo alívio para as famílias que estão em ameaça de remoção desde o ano de 2014. 

Embora a comunidade reconheça as melhorias estruturais que chegaram em alguns bairros da região, a conclusão é que o saldo final foi negativo devido aos inúmeros impactos sofridos ao longo do projeto, e citam: vizinhas que foram removidas de suas casas, pessoas que adoeceram por conta das ameaçadas de remoção, os constantes assédios da prefeitura e a criminalização por lutarem pela permanência – até novembro de 2021, pelo menos 2.500 famílias foram retiradas de suas moradias por conta das obras do Programa Lagoas do Norte.

“Eu vi na televisão a Prefeitura dizendo que Teresina precisa se adonar dos rios, ou seja, vão se tornar donos dos rios? e nós comunidades ribeirinhas também não temos esse direito? somos nós que preservamos, nós vivemos aqui, criamos essa comunidade e se a comunidade está como está é por esforço próprio da comunidade. Acontece que nós estamos no melhor lugar da cidade e eles já descobriram isso.”, pontua Luzia Lago, presidenta do Centro de Defesa Ferreira de Sousa. 

Vídeo: Lucas Matheus

Banco Mundial encerra financiamento, entenda o porquê

O Banco Mundial decidiu por não renovar o financiamento do Programa Lagoas do Norte. O contrato se encerra agora neste mês de dezembro de 2021 e, até abril de 2022, o Banco se comprometeu apenas com a assistência técnica à gestão municipal na execução de alguns projetos em andamento. 

O principal motivo para a não renovação do contrato são as diversas denúncias de irregularidades que se somaram ao longo de 13 anos de execução do Programa. Em 2019, dezenas de famílias atingidas pelo Programa Lagoas do Norte (moradoras dos bairros Mafrense e São Joaquim) enviaram uma denúncia ao Painel de Inspeção do Banco Mundial, conforme registramos nessa matéria de 2 anos atrás, confira.

Em Março de 2020, uma equipe de técnicos do Painel de Inspeção esteve em Teresina para recolher informações. Na ocasião, o Centro de Defesa Ferreira de Sousa reuniu comunidades atingidas e assessoria técnica popular para acompanhar a visita do Painel.

O momento se converteu em uma série de atividades em uma programação de “Reconhecimento Territorial” da zona norte de Teresina. Além das comunidades, o Painel realizou reuniões com a Prefeitura de Teresina e também com o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e Defensoria Pública do Estado.  Confira a fotorreportagem desse momento.

Aproveita e dá uma olhada nesse relato de como “Eu, moradora de Teresina sou impactada pelo Programa Lagoas do Norte”.

Pois bem, após 1 ano e 3 meses apurando as irregularidades durante a implantação do PLN, o Painel de Inspeção elaborou um relatório contendo os resultados da investigação. Abaixo um resumo das principais irregularidades identificadas pelo Painel:

  • “O Painel constata que os processos de divulgação e consulta do Projeto não foram eficazes nem significativos”, ou seja, não houve a devida participação popular nos processos de elaboração e implantação do Programa, e que a Prefeitura de Teresina, ao longo do tempo, dificultou o acesso aos documentos e informações relativas ao Programa Lagoas do Norte;
  • O Painel de Inspeção identificou que a Prefeitura de Teresina utilizou uma cota de inundação acima da recomendada (que deveria ser de 55 metros acima do nível do mar), ou seja, removeu famílias que viviam em áreas consideradas seguras e fora do risco de alagamento;
  • A Prefeitura de Teresina realizou despejos forçados de famílias que ocuparam e construíram casas na região do Lagoas do Norte depois do início do Programa (em 2008); segundo as normas do Banco essas famílias teriam sim direito à indenização, o que não foi respeitado pela Prefeitura;
  • A Prefeitura de Teresina não realizou o correto levantamento de dados socioeconômicos das famílias que vivem na região do Programa, o que pode ter levado à uma política de reassentamento involuntário tendenciosa; segundo o Painel de Inspeção a avaliação se os meios de vida da população reassentada melhorou ou piorou está comprometida;
  • Foi constatado que a Prefeitura de Teresina removeu e demoliu casas antes do pagamento das devidas indenizações, colocando famílias em situação de maior vulnerabilidade; também foi constatado que o valor indenizatório pago pela Prefeitura (de até R$ 77.000) estava abaixo do valor de mercado dos imóveis e não considerava o “fluxo de renda e as perdas de meios de vida vinculados aos produtos gerados na propriedade”;
  • “O Painel constata ainda que as pessoas deslocadas não receberam a devida assistência durante o período de transição após o deslocamento, com base no tempo necessário para restabelecer os seus meios de subsistência ou padrões de vida.”

A denúncia feita pelas comunidades expôs uma série de irregularidades e injustiças cometidas pela Prefeitura de Teresina ao longo da implantação do Programa e o Banco Mundial não pode fechar os olhos para isso. Com os resultados da investigação os rumos do que estava projetado para a zona norte de Teresina mudou, assim como também mudaram as expectativas da Prefeitura Municipal que tinha por objetivo renovar o financiamento por pelo menos mais dois anos, a fim de concluir as obras do Programa Lagoas do Norte.

O financiamento inicial foi assinado em 2008 com previsão de conclusão das obras em 2015; nessa primeira fase a Prefeitura municipal tomou em empréstimo o valor de US$ 31,13 milhões (em torno de 170 milhões de reais em valores atualizados). Em 2016, com atrasos no cronograma de execução do Programa, um financiamento adicional foi aprovado e o prazo foi estendido por mais 5 anos; o valor deste segundo empréstimo foi de US$ 88 milhões (em torno de R$ 500 milhões de reais). 

O relatório completo, assim como toda a documentação produzida durante a investigação do Painel de Inspeção pode ser acessada aqui.

O financiamento inicial foi assinado em 2008 com previsão de conclusão das obras em 2015; nessa primeira fase a Prefeitura municipal tomou em empréstimo o valor de US$ 31,13 milhões (em torno de 170 milhões de reais em valores atualizados). Em 2016, com atrasos no cronograma de execução do Programa, um financiamento adicional foi aprovado e o prazo foi estendido por mais 5 anos; o valor deste segundo empréstimo foi de US$ 88 milhões (em torno de R$ 500 milhões de reais).

Segundo levantamento feito pelo Ocorre Diário, até agora somente, aproximadamente, 60% das obras previstas foram concluídas ou estão em andamento. De acordo com a Secretaria Municipal de Finanças seriam necessários pelo menos mais R$ 300 milhões de reais para finalizar as obras. 

Centro de Defesa Ferreira de Sousa denúncia atuação do Painel de Inspeção do Banco Mundial

O Painel de Inspeção, que seria uma esperança de justiça às famílias atingidas pelo PLN, revelou-se, segundo denúncias dos moradores e moradoras, ser mais uma estrutura para legitimar as políticas impostas pelo Banco Mundial. Embora os resultados da investigação tenha revelada aquilo que as famílias denunciavam há anos, os procedimentos do Painel foram sentidos como mais uma violência às comunidades atingidas.

As famílias dizem não estarem satisfeitas com os resultados da investigação e denunciam que suas reclamações não foram atendidas pelo Painel de Inspeção. Na carta enviada a principal denúncia das famílias é que não foi dada a opção pela permanência em suas casas e que continuam sendo assediadas para que negociem o reassentamento, mesmo sem o risco comprovado. 

Outra denúncia feita pelas comunidades durante a visita do Painel de Inspeção do Banco Mundial em Teresina foi devido a falta de respeito às comunidades tradicionais locais e sua cultura. Entre as casas seladas para despejo nos bairros Olarias e São Joaquim estão terreiros de umbanda, famílias de oleiros, pescadores e vazanteiros, além da casa onde se reúne a tradicional família do Bumba Meu Boi Touro da Ilha.

Ainda não é possível ter dimensão dos impactos culturais causados pelo Programa Lagoas do Norte, isso porque o único Estudo Antropológico realizado na região só foi entregue no ano de 2018 (10 anos após o início do projeto), após acordo judicial. Esse mesmo Estudo foi contestado pelo Centro de Defesa Ferreira de Sousa, que o considerou tendencioso e produziu esse Contra-estudo Antropológico. 

Na última reunião entre o Painel de Inspeção do Banco Mundial e a comunidade Boa Esperança (bairro São Joaquim), os técnicos voltaram a afirmar a possível remoção das famílias da Boa Esperança. Segundo o Banco Mundial estudos técnicos estão sendo realizados para apurar os riscos da comunidade ribeirinha, cujos resultados devem ficar prontos até junho de 2022, o que não agradou em nada a comunidade.

vídeo de parte da reunião com o Painel de Inspeção do Banco Mundial, no dia 18 de novembro de 2021.

Na festa de hoje a comunidade firmou sua esperança em continuar com suas vidas enraizadas em seu território e muito da inspiração para seguir essa caminhada vem da professora Maria Sueli Rodrigues, que está na luta desde o início, como lembrou as moradoras e moradores presentes. Um trecho do seu livro “Vivências constituintes – sujeitos desconstitucionalizados” foi escolhido para levantar as discussões sobre os próximos  encaminhamentos e estratégias da comunidade que decidiu escrever sua própria história e construir seu próprio museu. 

“Precisamos valorizar o nosso território. A cultura eurocêntrica invadiu nosso território para dele se apropriar e a estratégia é uma só: desvalorizar nosso território para não darmos valor. Temos que ir na contramão, buscando as belezas que temos, a nossa singularidade, fazer nossos museus. E precisamos viver o presente, não podemos nos apartar do futuro porque foi amarrado em nossas mentes e que nos conduz, mas aproveitemos o nascer do sol, o pôr do sol, o nascer de uma flor, a água correndo no rio e no riacho, como estratégia de valorizar o nosso território, que é afeto. Não existe o nós, solto no universo, sempre estamos vinculados ao nosso território. Se não o valorizarmos, fica a mercê de oportunistas que se apropriam das nossas terras.”

Maria Sueli Rodrigues de Sousa

Leitura de trecho do livro “Vivências constituintes – sujeitos desconstitucionalizados” de Maria Sueli Rodrigues. Vídeo: Gustavo Leite

Texto: Luan Rusvell

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