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Caminhos com Yolanda

Olá!

Primeiramente agradeço as pessoas que são o ocorre diário por possibilitarem este espaço de partilha de processos criativos, de Yolanda.

Para chegar em Yolanda trago 4 trabalhos que estive envolvidx naquele período e que para mim são atravessamentos com este universo que carinhosamente x amigue Vicente de Paula chama de yoyo.

O primeiro deles é Sayara. Em 2008 comecei a deixar mais explícito num trabalho chamado Sensorama, do Núcleo do Dirceu, o feminino que sempre habitou meu corpo, depois de reencontrar a amiga travesti Sayara. Fiz outros trabalhos em Sayara até 2011, depois disso ela ficou adormecida. Em 2014, motivada pela explosão do programa chamado Ru Paul’s Drag Race e por todo impacto que ele teve especialmente na comunidade LGBT, Sayara acorda juntamente com sra Vampa que passam a habitar algumas coletividades como Manas Drag Piauí. Neste período, começou a se intensificar uma troca sobre o mundo da arte drag, estudos do feminino, montação … muito motivada pela estética e ética criada pelo programa estadunidense de Ru Paul. Alguns espaços em Teresina estimularam essas experimentações como Ruserva, Heaven Pub 1 e 2, calouradas na UFPI, Sintética a festa, videoclipe Diverdrag, programa Cuenda, Gaymada/Sapamada, ocupação do MINC durante Fora Temer, passeata drag ao Boca da Noite, encontros no Parque da Cidadania e nas casas e aps de algumas manas. 

Destas experimentações de Sayara ficou forte para mim as questões de fronteira entre o feminino que era um estudo para a arte e os ambientes drag e o feminino que era um estudo para vida.

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O segundo trabalho acontece em 2016 e chama-se Tumate.

Francisco da Chagas Jr. me chamou para desenvolver atividade no período em que ele, com o coletivo Salve Rainha, estavam habitando o prédio da antiga câmara de vereadores de Teresina. Trouxe a proposição de pensar a dança num ambiente de degustação composta de 4 elementos, de segunda a sexta a gente experimentaria pelas manhãs uma prática de yoga, seguida da leitura do texto “Esse pequeno nada entre os limites” contido no livro A gênese de um corpo desconhecido (2012) do japonês Kuniichi Uno e depois uma busca de movimentação no espaço da câmara, alguns dias também pela rua climatizada e praça Rio Branco. Aos sábados pela manhã a gente assistia uma programação de filmes, documentários e vídeos de dança com conversas depois. Railane Carvalho nos acompanhou durante este período.

A gente chegava para limpar o espaço e nas práticas de yoga concentrávamos na respiração, alongamentos e nos pequenos movimentos que compõe as posturas. No momento da leitura, todos os dias, repetíamos o primeiro parágrafo do texto de Kuniichi como um mantra, uma oração e depois continuávamos o texto. Aqui transcrevo este parágrafo:

O espaço em volta do corpo do dançarino não é homogêneo. Fora dos limites invisíveis determinados pela cena e pelo cenário, há limites invisíveis, imperceptíveis neste espaço tecido pelo corpo do dançarino que duplica o espaço visível. Existe ar, corrente de ar, luz e sombra, a respiração e o olhar, as densidades, as torções, as distâncias e as profundezas, e as sensações, e as memórias, e as trocas, e as circulações entre tudo isso. O dançarino escava, sonda o espaço e aí encontra os limites entre os elementos do espaço. Ele também traça limites desconhecidos e não cessa de transpô-los. Os limites se encontram tanto entre o corpo e o espaço como no interior do espaço e no interior do corpo. Não há dança sem transposição destes limites, sem deslocamento de todos estes limites, atravessando todos os elementos heterogêneos. E essa dança, às vezes, inaugura limites ou demarcações de uma maneira quase imperceptível, mas, pouco a pouco, singularmente sensível. Nós descobrimos no interior de nosso corpo, o dançarino que trabalha nosso corpo.

Nas experimentações no espaço da câmara trouxemos a escuta de vozes do espaço que eram percebidas em nosso corpo. Vozes, sons que antecedem a palavra, ressonâncias daquele prédio. Próximo do meio-dia passava um carro de divulgação da loja que cantava “loucas por esmalte, loucas por esmaltes”. O esmalte foi um elemento que passamos a incorporar em nossas unhas e desenhos pintados em papel. Ao passar dos dias fomos reconhecendo nossos fluxos de encontros e desencontros e passamos a exercitar seguir o fluxo de cada um separadamente.

Pelos encontros do Tumate passaram Anna Raquel, Atma Adriara, Ayrton Sousa, Danton Brando, Edson Ramires, Fabrício Andrade, Francisco das Chagas, Gabriel Evangelista, Gui Fontineles, Hiago Cavalcante, Janaína Lobo, João Nery, Karystom Soares, Michele Tajra, Nazilene Barbosa, Luiz Gomes, Paulo Sérgio, Robert Rodriguéz, Tássia Araújo, Thairo Borges, Soraya Portela, Wilena Weronez, Whil Chaves

Ao longo de 4 semanas foram ficando Augusto Filho, Eduardo Moreira, Hélio Alvarenga e Vicente de Paula que comigo perfomaram a coreografia Tumate para um público na câmara e depois no festival JUNTA.

Deste experimento ficou forte para mim a busca dessa voz do próprio corpo que antecede a palavra.

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No segundo semestre de 2016 Mikael de Sousa me convida para colaborar em Montaria, o terceiro trabalho.

Mikael que também é Chandelly Kidman sentia que naquele momento sua persona drag estava tomando muito de sua energia vital, então o convite era pra que a gente estudasse juntxs como poderíamos compreender as dimensões da Chandelly, as dimensões de Mika e as dimensões que Chandelly e Mika eram juntxs. Decidimos realizar ensaios na casa de Mika mesmo onde também funcionava o ateliê de costuras de Adriano Abreu. E lá embaladxs com a música da banda teresinense Entremundos de D.M.T criada por Leonardo Mesquita, Luiza Deolindo e Emanuel de Souza fomos desenhando caminhos possíveis em forma de dança. A peça Montaria foi exibida para um público com Produção de Bebel Frota, peças gráficas e iluminação de Jacob Alves e figurino de Adriano Abreu.

Deste processo ficou forte para mim a questão de estudar a persona que cada um de nós cria para viver, suas intensidades, animalidades e belezas.

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Depois de Tumate e Montaria senti que precisava de um tempo/espaço para traduzir essas vivências em forma de solo. Pedi à Jacob Alves, Bebel Frota e Yann Dallas um espaço no Balde. Me voltei à práticas intercaladas entre balé e yoga. Na época estava estudando 6 versões da Sagração da Primavera de Vaslav Nijinsky (1913), Maurice Béjart (1959), Pina Bausch (1975), Joffrey Ballet (1987), Angelin Prejlocaj (2001) e de Marcelo Evelin (2004) a qual fui integrante como dançarino. La petit mort quer dizer A pequena morte, mas também significa aquele momento de prazer logo antes do orgasmo. Estava buscando reencontrar o prazer de dançar, que é potente e efêmero. 

Porém, este trabalho não veio a público pois durante o seu fazer meu pai adoeceu gravemente e depois de um tempo passei a ser seu cuidador principal e com isso todos os trabalhos foram estancados de uma vez.

Passamos meses no hospital, em idas e vindas, por duas vezes ele chega próximo de morrer por infecções e complicações da doença. Demorou até que ele tivesse o diagnóstico e precisasse ser “ileostomizado”. Meu corpo precisava se manter em estado de alerta constante.

ESTÁVAMOS EU E PAI DANÇANDO JUNTxS ESSA DOR.

Nos períodos de silêncio e escuridão uma cantora chegou e me trouxe um calmaria. Era ela Solange Knowles em seu álbum A set at a table (Um lugar à mesa) que vinha trazendo entendimentos de questões de feminismo e pretitudes de uma maneira curativa, sentia como correnteza lavando e levando as dores e agonias daquele momento, especialmente com a canção Cranes in the sky (Guindastes no céu). Foi então que começou a germinar em mim a ideia de fazer e dedicar um videoclipe para cada canção deste álbum. Entre as visitas, dores e intervenções médicas me dedicava a ouvir e reouvir este álbum de Solange no fone de ouvido.

Existe um serviço do SUS que aqui em Teresina funciona no Hospital Lineu Araújo onde é possível receber bolsas de ileostomia.

Quando passamos a habitar mais nossa casa na Vermelha, passei a realizar os cuidados diários do pai, esse período todo durou quase 2 anos.

Nessa época uma tia muito querida Conceição de Maria estava passando dias morando com a gente. Ela vinha de Picos para ficar aqui de tempos em tempos com seu filho que mora com minha avó. Desde 2010 que a tia Conceição gostava de Sayara e neste período em que voltei a me montar ela colaborava com a gente e ia aprendendo junto.

As amizades foram muito importantes e chegavam em momentos bonitos de alívios, conversas, cuidados e de vez em quando com elxs conseguia sair de casa e performar Sayara.

Lembro de Vicente de Paula e Valmir Machado com muito amor se disponibilizarem para filmarem esses videoclipes. No entanto, estava sentindo a necessidade de fazer com alguém que estivesse também convivendo comigo esse momento de cuidados com o pai.

Convidei tia Conceição para estar comigo e ela aceitou. Decidimos filmar com celular e eu editar no programa vegas que o vizinho Jorge Oliveira havia compartilhado comigo anos atrás.

Fiz fotografias da casa, imaginando os lugares para cada música do álbum de Solange. Quando fui percebendo essa casa, seus detalhes, os sonhos que tinha a noite e pensando que em 2018 faria 20 anos nas artes decidi mergulhar nessa história, nesse percurso.  Me veio a  canção Yolanda de Pablo Milanés, que minha família costumava cantar nos encontros e festas.

Comecei a experimentar essa dança de cada lugar da casa, em como trazer essa história e fizemos um roteiro de filmagem colocado na geladeira.

Durante esse período ia compartilhando as fotos com amizades pelo whatsapp e me deixando atravessar pelos retornos que vinham.

Com um teclado compus uma música que depois foi dividida virando trilha para cada episódio da série, que teve sua estreia na própria casa.

E depois foi compartilhada semanalmente através do youtube pelo whatsapp e email no segundo semestre de 2018.

Abaixo seguem esses trabalhos que estão em Yolanda, danças que fiz parte, danças que assisti algumas presencialmente, outras virtualmente.  

Obrigade!

1

(2008) As praias de Agnès por Agnès Varda – Bélgica

(2008) TTA por Elielson Pacheco em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

(2011) 1000 casas por Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

2

(2007) A mão e o pilão por Elielson Pacheco e Luís Carlos Vale em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

(2009) Vestígios por Marta Soares – São Paulo/Brasil

(2011) Magic Carpet por Daniel Wurtzel – Estados Unidos

3

(1929) Pastorale por Mary Wigman – Alemanha

(1998) God on all fours 2-Antena por Marcelo Evelin/Demolition Incorporada – Brasil/Holanda

(2001) Cipriano por Douglas Machado/Trinca Filmes – Piauí/Brasil

(2005) E quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios por Elielson Pacheco e Janaína Lobo – Teresina/Brasil

4

(1945) Study in choreography for camera por Maya Deren – Ucrânia/Estados Unidos

(2003) Falam as partes do todo por Cia. Dani Lima – Rio de Janeiro/Brasil

(2008) Mediatriz por Elielson Pacheco, Janaína Lobo e Weyla Carvalho – Teresina/Brasil

5

(2003) Se vende por La Ribot – Espanha

(2006) Wagner Ribot Pina Miranda Xavier Le SchwartzTransobjeto por Wagner Schwartz – Brasil/França

(2010) Espetáculo por Cipó Alvarenga, Elielson Pacheco, Janaína Lobo e Layane Holanda em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

6

(2005) Sinto Muito – Ieda Oliveira – Bahia/Brasil

(2008) Enterro por Elielson Pacheco e Jacob Alves em Paisagens do Corpo/Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

(2011) The alternative limb Project por Sophie de Oliveira – Reino Unido

7

(1995) Ai, ai, ai por Marcelo Evelin/Demolition Incorporada – Brasil/Estados Unidos

(2001) Legenda Diet por Sheila Ribeiro/Dona Orpheline – Brasil/Canadá

(2007) Prenez soin de vous  por Sophie Calle – França

(2011) Travesqueens por Elielson Pacheco, Erivelto Viana e Ricardo Marinelli – Curitiba, São Luís e Teresina/Brasil

(2012) Self interview por Mavi Veloso – Minas Gerais, São Paulo/Brasil

8

Receita de creme de galinha por Tia Conceição de Maria – Picos/Brasil

(2011) Golgotha picnic por Rodrigo García – Argentina

(2013) A cozinha performática por Marcos Moraes – São Paulo/Brasil

9

(1913) Le sacre du printemps por Vaslav Nijinsky – Ucrânia/Rússia/França

(1959) Le sacre du printemps por Maurice Béjart – França

(1975) Das Frühlingsopfer  por Pina Bausch – Alemanha

(1987) The rite of spring por Joffrey Ballet – Estados Unidos

(2001) The rite of spring por Angelin Preljocaj – França

(2004) Sacre por Marcelo evelin/Demolition Incorporada – Teresina/Brasil

(2006) Tarde-Corpo-Árvore-Vestido-Círculo-Mastro por Elielson Pacheco e Fábio Crazy da Silva em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

(2009) adaptação do balé Manon por Júlio César com Elielson Pacheco e Weyla Carvalho – Teresina/Brasil

(2009) Bla, bla, bla pas de sex por Elielson Pacheco, Fagão Silva e Weyla Carvalho – Teresina/Brasil

(2011) Terússia por Datan Izaká, Elielson Pacheco e Jell Carone em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

(2011) The hot one hundred choreographers por Cristian Duarte – Sãon Paulo/Brasil

10

(1998) Self Unfinished por Xavier Le Roy – França

(2000) Aquilo de que somos feito por Lia Rodrigues Cia de Danças – Rio de Janeiro/Brasil

(2006) Sobre ossos e robôs em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

11

(1960) Umbigo e bomba atômica por Eikoh Hoso e Tatsumi Hijikata – Japão

(2007) Pequenas frestas de ficção sobre realidade insistente por Alejando Ajmed/Cena 11 – Florianópolis/Santa Catarina

(2009) El peligro por Elielson Pacheco e Nirlyn Seijas – Brasil/Venezuela

12

(1985) Mar morto por Kazuo Ohno – Japão

(2006) Bull Dancing por Marcelo Evelin/Demolition Incorporada – Brasil/Holanda

(2011) COCÔ por Elielson Pacheco em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

(2014) vídeo Boi de Salto por Tássia Aráujo com Allexandre Santos e Jell Carone – Teresina/Brasil

13

(1986) Le défilé por Jean-Paul Gaultier, Marc Caro, Regine Chopinot – França/Argélia

(2008) Sayara em Beautifulrama/Sensorama por Fábio Crazy da Silva com Cipó Alvarenga, Elielson Pacheco e Luana Vasconcelos e Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

(2010) Eu sou uma fruta gogóia em três tendências – São Paulo/Brasil

(2011) Engessada, ação do 1000 casas por Leo Nabuco com Elielson Pacheco – Teresina/Brasil

14

(1968) Pas de deux por Norman Mclaren – Reino Unido/Canadá

(2010) Simpatia full time por Cândida Monte, Giórgia Conceição, Sheila Ribeiro e Stéphany Mattanó – Curitiba/Brasil

(2011) Catatônicas, ação do 1000 casas por Marcelo Evelin com Elielson Pacheco  em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

15

(2011) Pina por Win Wenders – Alemanha

(2007) Palimpsesto por Alex Guerra e Marcelo Evelin em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

(2014) Renavam versos Vampira por Eduardo Moreira e Elielson Pacheco – Teresina/Brasil

(2016) Calcinhas e Pagux por Vicente de Paula – Teresina/Brasil

16

(2010) Sayara, ela gosta das coisas simples por Elielson Pacheco e Valério Araújo em Núcleo do Dirceu – Teresina/Brasil

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Elielson Pacheco (1984) é artista teresinense com experiência em teatro, dança, transformismo e vídeo. Desde 1998 participa dos grupos teatrais Asmodeus com Luciano Brandão, Tribo com Franklin Pires e Harém com Arimatan Martins participando do Festival Sementes em Portugal com a peça O Princês do Piauí, e das companhias de dança Equilíbrio com Negro Val e Balé da Cidade de Teresina com Roberto Freitas. Integra o Núcleo do Dirceu, onde passa a desenvolver trabalhos como TTA, COCÔ, Sobre Ossos e Robôs que participa do festival Brasil Move Berlim na Alemanha, e Mediatriz participando de circulações nacionais como SESC Amazônia das Artes. Colabora com o projeto de videoclipes Lugar pra Ficar em Pé de Sheila Ribeiro/Dona Orpheline +Núcleo do Dirceu. Dança com Marcelo Evelin/Demolition Incorporada onde performa algumas de suas peças em países como Bélgica, Polônia, Canadá, França, Holanda, Japão, Coréia do Sul e Inglaterra.  

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