Caranguejos, caranguejeiros e seus modos de vida são parte da paisagem e memória cultural do Delta do Parnaíba. Neste episódio do Culturando nos Morros da Mariana, Ana Maria Freitas da Costa, traz o cotidiano e as histórias de vida de Antônio Júlio Marques Araújo, Julinho.
Ana Maria Freitas da Costa, uma jovem de 22 ano que nasceu e viveu na Ilha Grande (PI), conectada ao ecossistema de mangue. Por saber da importância dele para a diversidade de vidas que existem ali, pretende se profissionalizar na defesa desse ambiente. Já concluiu o ensino médio e agora está alçando voos em busca desse sonho.
O Projeto Culturando nos Morros da Mariana é desenvolvido com o apoio do Sistema de Incentivo à Cultura (SIEC) da Secretaria de Estado de Cultura do Piauí, patrocínio da Equatorial Energia e parceria da Colônia de Pescadores Z 7. Para saber mais do projeto clique aqui.
Com vocês mais histórias, encontros e afetos no território…
Caranguejos, o caranguejeiros e suas resistências
Por Ana Maria Freitas da Costa
Sendo um dos recursos naturais presentes na nossa cidade em abundância, o caranguejo favorece os moradores das regiões litorâneas provindo dos seus manguezais. Aqui, no Delta do Parnaíba e na nossa Ilha Grande, ele é muito procurado e, constitui uma das principais fontes de renda dos catadores locais.
O caranguejo tem valores nutritivos que beneficiam a saúde. Sua carne fortalece o sistema imunológico, cura feridas, ajuda na saúde do coração, dos olhos e do cérebro, deixando nossos pensamentos saudáveis (saúde psicológica). É importante fonte de selênio, mineral muito poderoso para limpar o sangue. Os médicos dizem que é antioxidante.
Além disso, muito conhecido porque é muuuuiiito gostoso, esse crustáceo é um dos atrativos na culinária de muitos restaurantes locais. Atrai grande quantidade de turistas querendo consumir essa iguaria pelo seu sabor adocicado e um pouco mais forte que o do siri. Os restaurantes oferecem: caranguejadas, patinhas, casquinhas, tortas, etc.
Do mesmo modo que as espécies de peixes tem a piracema, o caranguejo tem um tempo que ele faz sua “saída para a reprodução”, também conhecida como “andada”. Nesse período ele é protegido por lei. É uma forma de preservação da espécie e todos conhecem como período de “defeso do caranguejo”, funcionando de modo a ser proibida temporariamente sua captura durante a reprodução.
O defeso também determina o tamanho permitido de caranguejo a ser capturado. Através da medição da carapaça do animal, que é de 7 centímetros, o catador sabe que se estiver menor não deve capturar porque é um caranguejo muito jovem, que ainda não alcançou a maturidade para sua reprodução. Ele deve ficar na natureza até se tornar adulto e aí, poder se reproduzir.
Para compreender melhor sobre esse recurso natural que faz parte da nossa cultura aqui da Ilha, eu entrevistei seu Antônio Júlio Marques Araújo, mais conhecido como seu Julinho, que é catador de caranguejo desde a juventude.
Ana: Seu Julinho, o senhor cata caranguejo desde quando?
JULINHO: Eu comecei a catar caranguejo já velho, eu já tinha quinze anos. Só que quando eu era criança, eu ia pro mangue mais meu pai. Eu levava baladeira pra matar passarinho, quando eu era garotinho, tinha uns 10 ou 12 anos. Uma vez, eu resolvi tirar o caranguejo. Mas era na brincadeira. Sei que nessa brincadeira, eu peguei onze cordas de caranguejo. Aí, de lá eu comecei trabalhando só na diária pra aqui e ‘prali’. Deixei de estudar muito cedo. Com 12 anos eu deixei de estudar, na segunda série. Aí eu fui trabalhar na diária com os outros. E quando eu completei 15 anos, aí eu fui tirar mesmo fixo, e até o ano passado eu tirei caranguejo. Esse tempo todinho…
Ana: O senhor acha difícil essa profissão?
JULINHO – Olha! Todo trabalho é difícil, é preocupante. Porque o trabalho, você tem que se esforçar, você tem que mentalizar, programar ele, como que se deve fazer pra melhor se dar bem. Mas, o bom do trabalho é o resultado. E por outro lado é uma terapia que você faz, tanto mental, como fisicamente. O trabalho tem toda essa dinâmica. Você trabalha porque tem um bom resultado, que é a sobrevivência. Por outro lado é bom porque você tá ali fazendo um exercício, sempre movendo o seu corpo. E com toda certeza, tanto o trabalho do caranguejo quanto o da pesca são bons. Qualquer trabalho tem essas vantagens, que é o resultado e a terapia que se faz.
ANA – Ele, o caranguejo, serve de alimento e fonte de renda para a sua família?
JULINHO – Sim! Fui criado e criei minha família todinha às custas do caranguejo. Ainda tenho hoje um filho que trabalha todo dia com ele. É um alimento que vem e também foi minha fonte de renda. Ainda hoje, posso dizer que sobrevivo do caranguejo. O caranguejo ele é englobado na pesca, e como não tem uma instituição que classifique o catador de caranguejo, a gente vive como pescador, porque a gente pesca também e é classificado como pescador associado da Colônia. E ela me ajudou a me aposentar, De qualquer forma sobrevivo da atividade.
ANA – Muita gente comprava caranguejo do senhor? Para quem o senhor vendia?
JULINHO – Quando eu comecei a trabalhar eu vendia na feira. A gente trabalhava um dia sim e no outro dia ia vender na feira. Se fosse no inverno a gente ia por dentro da lama, atravessava essa vala aqui e saia lá na Fazendinha. Se era no verão, tinha um caminhão aqui que rodava. Não tinha estrada, tinha um aterro de barro, e quando era no verão ele vinha por dentro da vargem. Aí saía bem aqui no Santo Izidoro. Agora, depois que fizeram a estrada melhorou foi muito. Mas a gente saia daqui era duas horas da manhã, três horas, conforme a hora que a gente acordasse botava o galão no ombro pra ir pra feira pra vender. Aí, no outro dia a gente voltava de novo. Tinha, também, a viagem que a gente ia era de dormida. Passava dois dias lá e no outro dia ia vender.
ANA – E o que o senhor acha do defeso do caranguejo?
JULINHO – O defeso é essencial. Tem que haver o defeso. Mas, mesmo com o defeso, deveria ter, vamos dizer, a justiça. Porque o IBAMA é autoridade, e eu acho que ele tinha que ter uma forma de fiscalizar melhor. Porque enquanto você não pega a fêmea ou o pequeno ou em tempo proibido, eu vou lá e pego. A história é essa. Não basta ele fiscalizar você e me deixar solto. E outra, eles tinham que ter uma fiscalização era lá no ponto de trabalho, de saída ou de chegada, ou lá no ponto onde pega o caranguejo. Porque só vem lá o IBAMA e diz que tá proibido. Mas, daí, no período do defeso de quatro a cinco dias, ele chega aqui pra mim que sou comprador de caranguejo e pergunta: – quantas cordas você tem pra vender? Claro que eu respondo que não tenho nenhuma, mas na verdade eu tenho quinhentas cordas porque eu tenho muitos catador que vão tirar lá pra mim e vender. Então, da forma que tá não adianta ter defeso, o defeso tem que ser com a fiscalização rígida. Se é lei é lei, vamos respeitar pra defender o caranguejo.
ANA – O que o senhor acharia necessário para a profissão do caranguejeiro se tornar melhor?
JULINHO – Olha! Nós aqui criamos uma associação nesse sentido de melhorar de vida. As pessoas vieram até nós em busca de fixar uma associação pra catador de caranguejo e ela foi criada, só que ninguém ficou e só eu estou mantendo ela. A ideia era pra nós ter um mercado lá fora. Aí, a gente podia mandar o produto pro nosso comércio e dizer pro comprador “ó, nós tamo com um comércio”. Se tivesse dado certo, ia ser bom, os catadores iam pegar preço melhor. Hoje, a gente continua vendendo pro atravessador. Se a gente tivesse um mercado, ia ser é direto da associação para o mercado. Uma vez fui pra Fortaleza porque encontrei venda pra caranguejo lá de três mil cordas por semana. Nós éramos em 22 catadores de caranguejo. Deixei os homens lá na praia pegando caranguejo, vim com o compadre Abraão por cima das dunas e fomos pra Fortaleza, arrumamos lá o trabalho. E quando nós chegamos aqui, os homens já tinham vendido os caranguejos tudinho pros atravessador. E aí o mercado lá ficou sem a nossa presença, nunca mais a gente foi lá. Aí é assim, um pouco complicado. Mas, eu acho que pra melhorar só os catadores se unindo.
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