Comitê Popular de Luta Lélia Gonzalez (Fortaleza/CE) organiza edição especial do Cineclube Logun edição PÂNICO, uma alternativa à alienação da COPA
Autora: Bruxa do Norte
Eu sou a Bruxa do Norte, estudante negra, periférica, piauiense cotista no mestrado em Saúde Pública/UFC e neste ano cheguei em Fortaleza (CE), onde atualmente realizo minha pesquisa que aborda essencialmente aspectos da saúde dos negros durante dois primeiros anos da pandemia de covid-19. Nesta jornada fui aprendendo que mais importante que garantir um papel timbrado que registre um grau acadêmico (ficcional e embranquecido),é necessário ser leal a minha ancestralidade e coerência de pertencimento corporal e político. Sou uma jovem piauiense, nascida em Teresina sob o sol de aires regida pela imperatriz, filha da Francisca Maria, irmã da Pollyanna e do Pedro Fellype, neta do senhor Francisco Cardoso (in memoriam) e da Luzia Rodrigues (in memoriam). Minha família é negra, com suas origens no interior de Teresina/União, zona rural, sobreviveram por muitos anos na agricultura familiar nas vazantes do rio Parnaíba.
A poucos dias (30/10/22), houve a eleição presidencial brasileira mais acirrada da história da democracia. O Tribunal Superior Eleitoral contabilizou 50,90% dos votos válidos (60.345.999 votos) para Lula contra 49,10% dos votos válidos (58.206.354 votos) para Bolsonaro. A pequena diferença de votos sinaliza a crise democrática que se instaurou no país, após a contestação da eleição da presidente Dilma (2014) pelo derrotado Aécio Neves do PSDB, que abriu margem ao discurso anti-democratico e o aparelhamento das instituições republicanas por militares e grupos fascistas.
A organização de grupos civis fascistas nas ruas invocando a “intervenção militar através do voto” marca a cena mais emblemática das eleições presidenciais de 2022, para mim. Nesse contexto, busco humildemente dialogar com as minhas vizinhas, amigas e comunidade em geral na construção do Comitê Popular de Luta Lélia Gonzalez.
Lélia Gonzalez, intelectual e feminista negra brasileira, nos anos de 1980, refletiu atentamente sobre a realidade de exclusão das mulheres na sociedade brasileira, principalmente das negras e indígenas. Ela foi pioneira nas críticas ao feminismo hegemônico e nas reflexões acerca das diferentes trajetórias de resistência das mulheres ao patriarcado, evidenciando, com isso, as histórias das mulheres negras e indígenas, no Brasil, na América Latina e no Caribe. O seu pensamento inaugura também a proposição de descolonização do saber e da produção de conhecimento e, atuando como “forasteira de dentro” (outsider within), como define Patrícia Hill Collins, questiona a insuficiência das categorias analíticas das Ciências Sociais para explicar, por exemplo, a realidade das mulheres negras. (Leia mais em: SciELO – Brasil – Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez).
Impetrar uma ação coerente e articulada, sem dúvidas exige escolhas estratégicas. A proposição de um cineclube é uma ideia antiga, que já tinha falado aos quatros ventos (KKKKKKK) pedindo ajuda e parceiros para realizar. Felizmente só deu certo agora, sem a pressão baixa de indivíduos vampirescos. O cine Logun é uma ação do comitê popular, que saúda a Logun-edé, aquele que caça e dança nas matas e nas águas. A primeira escolha estratégica para a realização do Cineclube Logun está na escolha das datas, pois serão os dias de jogos da seleção brasileira nos jogos da Copa do Mundo do Catar.
Um ponto de partida importante é compreender o impacto cultural que os jogos de futebol historicamente produzem no consciente coletivo dos povos do Brasil. O nacionalismo brasileiro associado a camisa amarelinha da seleção brasileira foi orquestrado pelo governo ditatorial militar de Médici, que durante a Copa do Mundo do México (1970) articulou e uma mega campanha publicitária e midiática que invoca um espírito de união nacional na figura do brasileiro mestiço, um reforço o mito da democracia racial, vestindo a camisa amarela feliz e animado. Paralelamente, o país sofria com a ditadura, repressão cultural, aumento das desigualdades e diversas violações de direitos.
Após a copa 70, ficou mais fácil a ficcionalidade do brasileiro e a pseudo superação das disparidades raciais, pois cultiva a figura do brasileiro que sabe jogar futebol e samba no carnaval, gerando uma comoditização do sujeito cultural, tornando-o em mais um produto a ser consumido. Recentemente, essa figura ficcional foi associada à extrema direita brasileira, que invoca um patriotismo perigoso, entrelaçado no neofacismo e no racismo.
Segunda escolha estratégica é utilizar toda alacridade e ludicidade já presentes nos dias que antecedem os jogos da copa para estimular o debate crítico sobre a realização dos megas eventos esportivos, que exploram trabalhos nacionais/estrangeiros em condições análogas a escravidão para construção de estádios e infraestruturas colossais no deserto do Catar (Veja a matéria: Catar teve morte de 6,5 mil trabalhadores imigrantes desde que virou sede da Copa do Mundo, revela jornal (espn.com.br), a copa que vai ser realizada numa ditadura que chega a punir com a morte a comunidade LGBTQIAP+ (A Copa do Qatar já começou: que delícia, que horror – 08/11/2022 – UOL Esporte), por isso precisamos estar atentas e fortalecendo umas as outras contra ódio que está no mundo, e nos fortalecendo para lutar.
Terceira escolha estratégica é a transmissão do sexto episódio do podcast “Sequestro da Amarelinha” da revista Piauí, entre o almoço e antes do início do jogo da Copa, entre BRASIL X SÉRVIA. Construindo um ambiente seguro para as pessoas negras, mulheres e LGBTQIAP+ posam juntas assistir aos jogos, assistir e debater filmes que dialoguem com a problemática dos jogos, o racismo e sexismo. A construção de uma rede de diálogos e atravessamentos sobre a possibilidade de gostar de futebol, sem ser devorado pelo neoescravismo contemporâneo.
A crise também é estética. A escolha por denominar essa edição do Cine Logun de edição Pânico. Remete ao mito de Pã, o todo/ o mundo, divindade grega, guardião dos rebanhos e dos bosques, que é temido por todos aqueles que necessitavam atravessar as florestas à noite, pois dentro das trevas e da solidão, seu grito pavor afugenta e enlouquece os desatentos perdido.
Vamos organizar um almoço colaborativo, irei preparar um feijãozinho para todes, e convidado a cada pessoa a também a trazer uma prato de comida, e/ou frutas (bananas, laranjas, tangerinas, etc) , e/ou sucos/refrigerante/bebidas para colocar na roda e para que todas nossos poderemos nos alimentar juntas, com fartura e abundância.
Se você quiser e puder contribuir com essa articulação do almoço para compra de matérias, faço seu pix: cardozzzx@gmail.com.
Cabrita da Peste: Edição
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