Texto: Ayra Dias – Travesti Negra Amazônida; Graduada em Serviço Social; pesquisadora, ativista e colaboradora do Ocorre Diário
São Caetano de Odivelas, localizada no nordeste paraense na microrregião do salgado, é uma cidade pacata como afirmam muitos, no entanto enfrenta desafios no que diz respeito à manutenção da democracia e conservação do território, realidade vivida por diversas cidades brasileiras. Embora o número de habitantes nos deixe muito longe das realidades vividas nas grandes metrópoles, não estamos alheios ao mundo, nem à sua lógica e modus operandi.
Alguns fatores contribuem para a manutenção de um município onde prosperam uma espécie de sub-oligarquias, com a concentração do poder na mão de poucas famílias ao longo dos séculos. Há pouco investimento real e efetivo em educação, não há discussão pública, existe fragilidade jurídica das organizações da sociedade civil e nenhuma instituição local do movimento social organizado atuando.
Às vezes é como se o projeto da branquitude tivesse vencido, mas o que me conforta é o que diz Zélia Amador de Deus, doutora em Ciências Sociais e fundadora do Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (CEDENPA), sobre a negritude em movimento, que trata das nossas construções vivas de enfrentamento, tendo na cultura algumas expressões.
A população negra de São Caetano de Odivelas resiste através da sua política de vida, política de sobrevivência que consiste em uma boa relação entre corpo e território. Sobrevivemos por séculos da pesca e da agricultura, como bem diziam os antigos: “quem planta e cria um dia tem alegria”.
O progresso chega, a ordem se mantém cada dia mais auto organizada e o município desenvolve atendendo aos interesses daqueles e daquelas que compreendem o território e tudo que há nele como mercadoria, com o preço em Dólar. O agro é pop e está cada vez mais presente e já deixando feridas imensas, engolindo uma porção de terras que são significativas para a preservação do nosso território e de nossas vidas.
A nossa alegria está ameaçada por um processo de neocolonização genocida que busca a prosperidade ao custo de nossas vidas. Os conflitos em Essequibo, território atualmente em disputa entre a Venezuela e a Guiana Francesa, não é o único interesse. Quando a boiada passou foi por cima dos nossos territórios, das nossas casas, do chão que nos alimenta, da água que bebemos, da terra que nos dá vida.
Foi dada a largada mas sem sermos consultados. Em breve teremos a COP 30, mas como estaremos nós, os POVOS DAS AMAZÔNIAS, representados? Quem vai nos defender e pautar nossos interesses? São inquietações importantes dado a seriedade do que será discutido e de como seremos impactados, uma vez que, ao tempo que se discute preservação do clima, está em vigor uma corrida por exploração de petróleo em território brasileiro, em particular em território amazônico.
A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou com ênfase que a Amazônia não é o quintal do mundo. Acredito que o Governo tem construído bem suas relações diplomáticas. Vale salientar, no entanto, que nesses jogos de múltiplos interesses não é apenas importante, e sim crucial, que possamos estar atentos à acentuação do projeto de invasão de nossos territórios. A COP 30 não é um evento, é o encontro diplomático anterior ao processo voraz, silencioso e legal de exploração não só de petróleo.
Conhecemos a experiência exitosa da Petrobras e sua contribuição para a manutenção da Economia Nacional. Porém, os investimentos de mais de US$ 3 bilhões para a construção de 16 poços de exploração de petróleo na margem equatorialnos ligam um sinal de alerta. Porque isso, além dos riscos ambientais, acentua um processo legal de invasão através da especulação imobiliária. Assim como a área urbana aos turistas e as zonas rurais ao agronegócio, ao custo de rios, ao custo da vida, mas em desenvolvimento e sem avanços.
A empresa prevê investimentos em iniciativas de conservação ambiental. No estado do Pará três cidades serão atendidas por um projeto de preservação do Mangue, não efetivo diante das mazelas criadas pelo tão aclamado progresso que engole o mangue e quem sobrevive dele.
Estamos na rota do petróleo, vistos como pequenos danos sem autonomia, nosso território interessa, nós não. Temos diversas experiências que comprovam o dano causado pelos mega projetos à biodiversidade. Dados da Agência Nacional de Petróleo revelam que foram realizadas 95 perfurações na região da foz do rio Amazonas, sendo 27 finalizadas em decorrência de acidentes mecânicos. Engana-se quem pensa que somente a cidade-porto será afetada, com a previsão da escavação de 03 poços de exploração no estado do Pará, todo o território relativamente próximo a eles será engolido pela invasão da especulação imobiliária e pelo risco iminente de vazamento de petróleo, causando um dano sem precedentes.
Essa não é uma mesa onde devemos nos sentar e ignorar a realidade material, há custo em vidas e não pode ser a anuência do Estado a garantia e legitimidade. A prosperidade prometida não será real se não forem amplamente discutidos os impactos gerados sobre as vidas das pessoas que vivem nessa fatia do bolo que tão bem vai alimentar aos interesses da economia nacional.
Não podemos ignorar a composição do Congresso Nacional Brasileiro que legisla em favor de que a porteira continue aberta e que a boiada continue passando, enquanto o parlamento esvazia as discussões pertinentes à preservação do clima as licenças ambientais vão sendo concedidas, os megas projetos vão se consolidando e a corrida avançando, em contrapartida se ignora o processo cruel que ameaça nossos territórios e nossas vidas.
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