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Como jovens baianas se mobilizam para pensar a sustentabilidade e o futuro do planeta

Os caminhos de Ísis Fernanda Salles, de 24 anos, e Kinda Silva van Gastel, de 27 anos, se cruzaram pela primeira vez durante uma conferência realizada em Salvador em agosto de 2019. Foi na Climate Week (Semana do Clima), evento regional da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que Ísis teve a oportunidade de ouvir Kinda falar sobre o Engajamundo, uma organização que reúne jovens com um único propósito: enfrentar os problemas ambientais e sociais do Brasil e do mundo.

A partir desse encontro, Ísis, soteropolitana e moradora da região da Cidade Baixa, no Bairro da Ribeira, pôde se conectar com outros jovens que, assim como ela, buscam agir para garantir o futuro do planeta. Mas antes mesmo de se tornar voluntária no Engajamundo, ela já se interessava pelo ativismo e por entender as questões sociais que afetam os territórios.

“Com 16 ou 17 anos, eu entendi que queria trabalhar com as pautas que atravessam o futuro do planeta, da juventude e do meio ambiente. Comecei a pesquisar por organizações às quais eu poderia me juntar e foi aí que acabei encontrando o ‘Engaja’ na Climate Week”, conta Ísis, graduanda em Geografia na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

O espírito de liderança veio da bisavó Dalva Salles, que viveu até os 104 anos. A matriarca não atuou como líder de movimento social, mas ensinou à bisneta como se opor às injustiças a partir da amorosidade. Ísis também aprendeu sobre as estruturas que movem a sociedade ao ouvir a história do avô, que saiu da Paraíba e enfrentou diversas violações de direitos. “Hoje eu tento levar essa percepção sobre o meu território e o meu ativismo para dentro do meu ciclo familiar”, explica.

Ainda na adolescência, a ativista Ísis entendeu que queria trabalhar com pautas sobre futuro do planeta, juventude e meio ambiente. Crédito: acervo pessoal

A jovem baiana também desenvolve pesquisas sobre conflitos socioterritoriais no Grupo GeografAr, vinculado à UFBA. Aos 24 anos, ela já é reconhecida como um exemplo de liderança da juventude na causa socioambiental, após ter coordenado por dois anos o Grupo de Trabalho sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (GT ODS) do Engajamundo.

Ísis foi eleita para coordenar o GT ODS no início de 2020, alguns meses após ter se juntado à organização. Uma das ações realizadas pelo grupo de trabalho é a confecção do Relatório Luz, um documento anual que mostra o desempenho do país para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030. O Brasil é um dos 193 estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU) que se comprometeram a alcançar 17 ODS.

Erradicar a pobreza, acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles. Esses são alguns dos objetivos que fazem parte da Agenda 2030, como é chamado o plano de ação pactuado pelos países que integram a ONU. O Relatório Luz é produzido por diversas organizações da sociedade civil e uma delas é o Engajamundo, que, apesar de já ter dissolvido o GT ODS, segue contribuindo para a elaboração do documento. 

De acordo com Ísis, o GT ODS deixou de existir porque a organização entendeu que precisava pensar sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade por outras perspectivas. “Por trabalharmos com comunidades tradicionais de diversos tipos, como ribeirinhas, quilombolas e indígenas, a gente percebeu que precisaria olhar para os ODS, mas não só para eles”, explica a jovem ativista.

Criado em 2012, o Engajamundo hoje possui 24 núcleos em 18 estados e reúne mais de 200 voluntários ativos, além de uma rede de mais de duas mil pessoas. A organização é dividida em GTs, Casas ou Núcleos Locais (Caatinga, Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica) e Laboratórios (Lab Pimenta e Lab Inovação). As atividades acontecem de forma online e offline.

Educação, mobilização, participação e advocacy

No Núcleo Caatinga, em Feira de Santana (BA), a cerca de 115 quilômetros de Salvador, está Kinda Silva van Gastel, de 27 anos. Fotógrafa, poetisa, ativista e comunicadora socioambiental, ela faz parte do conselho do Engajamundo, mas também já atuou como diretora executiva e coordenadora de comunicação. Assim como Ísis, sempre se interessou pelas temáticas que envolvem a sociedade e o meio ambiente.

“Minha mãe vem de uma história de militância, muito envolvida com pautas que atravessam gênero e raça, e meu pai envolvido com agricultura familiar e economia solidária, então eu já tinha isso de base. Mas acabava não encontrando espaços coletivos para colocar em prática essa minha vontade de colaborar”, relembra Kinda. 

A jovem ativista Kinda é fotógrafa, poetisa, ativista e comunicadora socioambiental. Crédito: Danielle Amaral

Foi na universidade, em 2015, que a jovem encontrou o Engajamundo. “Eu achei um espaço que fez meus olhos brilharem, um coletivo que trabalhava com a pauta socioambiental, feito para a juventude e pela juventude”, afirma a ativista, que cursou Energia e Sustentabilidade, na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em Feira de Santana. “Era um lugar em que a gente podia sonhar e construir juntos”, complementa.

Como voluntária da organização, Kinda pôde conhecer diversos lugares e pessoas. Em 2017, ela teve a oportunidade de participar de um encontro nacional do Engajamundo na Amazônia. “Foram mais de 100 jovens do Brasil inteiro, indígenas, quilombolas. Muitas pessoas discutindo temas importantes”, conta. 

Já em 2019, a jovem foi selecionada para compor a diretoria executiva da organização, permanecendo até maio deste ano. Foi nessa posição que atuou mais ativamente com base nos quatro pilares que guiam o trabalho do Engajamundo: educação, mobilização, participação e advocacy. 

O primeiro se concretiza por meio da realização de formações online e presenciais, além da produção de materiais que contribuem para o entendimento das temáticas socioambientais. Já o segundo pilar, a mobilização, é posto em prática com a articulação de ações nas ruas e as parcerias com outras entidades.

A participação é possibilitada através da criação de delegações para que os jovens possam atuar em conferências, reuniões e fóruns dentro e fora do país. Por fim, advocacy é definida pelo grupo como “a arte de defender, apoiar e influenciar causas”, por meio de ações como pressionar tomadores de decisão, por exemplo.

Durante o período em que esteve à frente da diretoria executiva do Engajamundo, a própria Kinda vivenciou o pilar da participação. Em novembro de 2022, ela esteve no Egito, junto com outros 18 jovens, para participar da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), em Sharm el-Sheikh.

No evento, a delegação do Engajamundo entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um documento feito coletivamente pelos voluntários da organização, intitulado “Visão das Juventudes do Engajamundo para o Desenvolvimento do Brasil”. Além disso, na conferência, os jovens realizaram um ato para denunciar a violência contra defensores ambientais no Brasil.https://www.instagram.com/reel/Ck3NtTKI-em/embed/?cr=1&v=14&wp=810&rd=https%3A%2F%2Fmarcozero.org&rp=%2Fcomo-jovens-baianas-se-mobilizam-para-pensar-a-sustentabilidade-e-o-futuro-do-planeta%2F#%7B%22ci%22%3A0%2C%22os%22%3A1250.3000000715256%2C%22ls%22%3A691.9000000953674%2C%22le%22%3A887.4000000953674%7D

“Insustentável é também a morte de uma liderança”

Seja numa conferência no Egito ou em atividades realizadas nos núcleos locais, os voluntários do Engajamundo estão unidos pela crença de que a juventude brasileira deve estar consciente do seu impacto socioambiental e engajada em processos de decisão. Para Kinda Silva van Gastel, não é possível pensar nas questões ambientais e climáticas de maneira isolada. 

“Não vamos conseguir alcançar um mundo em que os problemas ambientais e climáticos estejam superados sem que a gente coloque na centralidade as injustiças sociais, raciais e de gênero”, diz a comunicadora e fotógrafa. Para ela, é necessário desconstruir e reconstruir a imagem do ativista socioambiental presente no coletivo imaginário dos brasileiros. 

“Quando as pessoas pensam em ativistas, lembram de alguém segurando um cartaz. Mas existem muitas batalhas diárias, questões fundiárias, luta por acesso à saneamento básico, movimentos por moradia, problemáticas com enchentes”, afirma Kinda, que hoje atua como conselheira do Engajamundo.

Kinda com integrantes do Engajamundo em ato de cortejo fúnebre pelos ativistas socioambientais. Crédito: acervo pessoal

A estudante de Geografia Ísis Fernanda Salles compartilha da visão de Kinda sobre o que significa ser um ativista socioambiental. “Hoje eu entendo que as pessoas que mais defendem o meio ambiente não somos nós que vamos para grandes conferências. São as pessoas que colocam o seu corpo na luta diariamente, as comunidades lutando por questões agrárias e as periferias que se reinventam cotidianamente para garantir o básico”, destaca.

Para Ísis, o debate sobre sustentabilidade e justiça climática ainda é elitista. “Precisamos entender que o desenvolvimento sustentável que atua no norte global e em grandes cidades do Sul e Sudeste do Brasil não funciona em comunidades do Nordeste, que enfrentam grilagem e a morte de suas lideranças todos os dias”, explica. “Às vezes o que é sustentável para essas comunidades não é separar o lixo, o que é insustentável é a morte de uma liderança”, crava.

Violência contra ativistas brasileiros 

Em agosto de 2023, na Bahia, o assassinato de Mãe Bernadete Pacífico, líder quilombola, ganhou destaque na mídia regional e nacional por marcar a violência contra comunidades e povos tradicionais no Brasil. Morta a tiros, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, ela chefiava o Quilombo Pitanga dos Palmares e fazia parte da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq). Seu filho, Binho do Quilombo, também foi assassinado, em 2017.

A morte violenta de Mãe Bernadete foi denunciada na ONU (Organização das Nações Unidas) em outubro. Ativistas brasileiros destacaram que a ialorixá estava registrada no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) quando foi assassinada. 

“É o que nós recebemos, ameaças, principalmente de fazendeiros, de pessoas da região. Hoje eu vivo assim, não posso sair que estou sendo revistada, com minha casa toda cheia de câmeras, me sinto até mal”, afirmou a mãe de santo em evento público realizado em julho de 2023 e que contou com a presença da então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. 

Mãe Bernadete é mais uma liderança assassinada em território brasileiro. De acordo com o relatório da Global Witness, publicado em setembro de 2022, 1.733 defensores da terra e do meio ambiente foram mortos ao redor do globo, entre 2012 e 2021. Nessa década, no Brasil, registrou-se o assassinato de 342 ativistas. Cerca de um terço dos mortos eram indígenas ou negros e mais de 85% das execuções aconteceram na Amazônia, segundo o documento.

Os conflitos por direito à terra são o principal motivo de assassinato de ativistas socioambientais brasileiros. É o que apontam os dados da Global Witness e também da publicação Conflitos no Campo Brasil 2022, organizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) Bahia, pela Associação de Advogados(as) de Trabalhadores(as) Rurais (AATR) e pelo Grupo GeografAR/UFBA.

No Nordeste, os Estados que registraram maior número de conflitos no campo nos últimos quatro anos foram Maranhão e Bahia. De 2019 a 2022, o território baiano contabilizou 587 ocorrências, enquanto o solo maranhense somou 702 registros. Os conflitos por terra, na pesquisa da CPT, incluem ações de resistência e enfrentamento pela posse, pelo uso e propriedade, além de acesso a recursos naturais.

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*O Conquista Repórter faz jornalismo local de qualidade sobre e para Vitória da Conquista, a terceira maior cidade da Bahia, com cobertura plural, independente e humanizada.

**Quem são, o que pensam e o que fazem jovens ativistas do meio ambiente de territórios periféricos, rurais e ribeirinhos do Nordeste? É com essa provocação que o projeto Redação Nordeste publica a série especial de cinco reportagens “Jovens ativistas socioambientais do Nordeste”. Participam deste trabalho conjunto as organizações de jornalismo independente Afoitas (PE), Conquista Repórter (BA), Mídia Caeté (AL), Ocorre Diário (PI) e Mangue Jornalismo (SE).

Enquanto o aumento da temperatura provoca efeitos mais rápidos sobre o planeta do que as decisões mundiais para atenuar a crise climática, projetos inspiradores se fortalecem em diversos territórios por uma questão de sobrevivência. Representando as populações mais atingidas pela crise e pelas injustiças socioambientais, jovens marcam presença e assumem a linha de frente para transformar o lugar onde vivem. Nesta série coletiva, você vai conhecer a história e a capacidade de mobilização e organização da juventude e de organizações e movimentos locais. 

A Redação Nordeste é a união de organizações de jornalismo independente de oito estados nordestinos, que consolida um trabalho cooperativo, integrado e aprofundado de jornalismo com foco nas pessoas. Esta rede nasceu em 2023 e recebe o apoio da OAK Foundation e International Fund for Public Interest Media (Ifpim).

Edição e mentoria de Raíssa Ebrahim, da Marco Zero

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