Por Kleudiane Campos, Estudante de Relações Públicas (UFMA) | Edição: Sarah F. Santos e Maura Vitória
Esta é uma versão ampliada e da entrevista publicada originalmente na Revista RP Alternativo
Estou graduada e agora? Para alguns profissionais recém saídos da universidade essa é uma dúvida angustiante. Imagina, então, para os profissionais com deficiência. Para elas conquistar uma vaga no mercado de trabalho parece praticamente impossível.
Com base em informações do eSocial, em janeiro deste ano, aponta-e que o país tem 545.940 mil pessoas com deficiência e reabilitados do INSS inseridos no mercado formal de trabalho. Além disso, 93% destes trabalhadores estão em empresas com mais de 100 empregados, o que reflete a obrigatoriedade estabelecida pela Lei de Cotas.
Segundo a Lei nº 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, empresas com 100 a 200 trabalhadores precisam ter 2% do seu quadro funcional de pessoas com deficiência. De 201 a 500, são 3%. De 501 a 1000 são 4%. E com mais de mil funcionários, são 5%, garantindo assim a contratação de pessoas com deficiência em seus quadros, permitindo-lhes uma oportunidade de trabalho.
Diante desse cenário, conversamos a Relações Públicas Andressa Linhares dos Santos Nunes para saber mais sobre o mercado de trabalho na área da comunicação. Andressa é formada pela Universidade Federal do Maranhão em Comunicação Social – Relações Públicas e pós-graduada em Marketing Digital. Atualmente ela atua no terceiro setor na idealização e gestão do Projeto Social – ComunicaPcd. Além disso, é pesquisadora em Comunicação na Acessibilidade, comunicação comunitária e comunicação digital.
Kleudi Campos: Como você acredita que sua formação em comunicação social a preparou para ingressar no mercado de trabalho?
Minha formação em Comunicação Social me possibilitou ter uma noção mais abrangente do ato de comunicar, porque cada oportunidade, cada esfera e contexto tem um direcionamento diferente. Mesmo com o preparo oriundo da formação acadêmica, onde vieses comunicacionais podem e devem transitar e ao mesmo tempo se desenvolver a partir de determinado intento. No entanto, para o mercado de trabalho, na prática, as questões são diferentes e tornam-se mais complexas para quem tem uma deficiência.
Portanto, não é de fato fácil encontrar oportunidades de trabalho, mesmo com inúmeros fatores em um currículo que podem enriquecer a imagem de profissional de comunicação.
Se a pessoa tem uma diferença como eu e muitos profissionais da área – somos excluídos, mas desde a vivência universitária é possível perceber as diferenças, as formas de posicionamento que não são iguais das pessoas sem deficiência para conosco.
Kleudi Campos: Quais são as principais habilidades e experiências que você planeja aplicar em sua carreira profissional após a graduação?
Então, durante a vida acadêmica estive presente de forma incisiva nas reivindicações dos Direitos da Pessoa com Deficiência dentro da universidade, as oportunidades de falar sobre o tema, de ser fonte de estudo de audiovisual, em dar entrevistas para relacionar a importância da conduta das pessoas sem deficiência para conosco, e ao decorrer já me interessava seguir nesse caminho. Ampliei meus conhecimentos sobre a comunicação comunitária, que me transbordava ao acessar diretamente o que era necessário ser feito.
Aplicar como estratégia comunicacional o viés da Comunicação Comunitária, onde falar de dentro da comunidade de pessoas com deficiência, sobre seus direitos, direcionamentos, vivências, das possibilidades, de ampliar suas ideias sobre variadas maneiras de ir e vir, e trazer informação também, esse é o propósito sempre.
No entanto, estive em contato com o marketing Digital, comunicação interna, comunicação digital, serviços que contribuem para o meu objetivo dentro do mercado de trabalho, principalmente, no projeto social que idealizei a partir do trabalho de conclusão de curso. Senti a necessidade de transpor as paredes do campo acadêmico e mostrar posicionamentos contra o capacitismo, abordagem sobre formas de comunicação acessíveis e maneiras de pôr em prática, nos pequenos detalhes do dia a dia.
Ainda não satisfeita de todo esse pensamento e estudo sobre essas áreas, me dispus a fazer pós graduação em marketing digital, por me auxiliar nesse engajamento, me possibilitar também mais abrangência no mercado de trabalho, pelas tais exigências que permeiam os profissionais de comunicação.
Assim, eu também tive contato com a responsabilidade de estar por detrás das redes sociais da TV Universitária da UFMA, na época que estive atuando como RP, como estagiária. Além disso, me dispus a assessorar outras microempresas de maneira informal, porque é um desafio para muitos usuários cibernéticos, até porque utilizar de forma pessoal uma rede social difere quando o assunto é produto, o mercado e essa troca com o cliente tem que ser feita de forma acessível e correta.
Além disso, ponho em prática esse processo de captação de dados, análise de métricas e formas de troca entre o projeto e as pessoas que seguem o ComunicaPcd, todo conteúdo oferecido é idealizado, com planejamento estratégico, com as facetas do marketing digital e abordagem comunitária.
Tudo que me disponho aprender é para proporcionar o melhor, pois a comunidade das pessoas com deficiência, está em busca de acolhimento, e me direciono com a perspectiva de que é para o terceiro setor o meu empenho com os meus conhecimentos científicos em prol da causa. Esse é o meu objetivo enquanto Comunicóloga.
Kleudi Campos: Como você pretende abordar questões de acessibilidade e inclusão no ambiente de trabalho, considerando sua experiência como pessoa com deficiência?
A acessibilidade é um assunto a ser pensado nos mínimos detalhes no ambiente interno de qualquer empresa micro ou macro. Como relações públicas o objetivo seria buscar desenvolver maneiras eficazes de incluir, através da comunicação e de momentos de treinamentos, com suporte e apoio, mostrando sempre que um indivíduo capacitado, independentemente de deficiência, é mais produtivo. Lembramos que um espaço acessível não seria benéfico apenas para pessoas com deficiência, mas para qualquer pessoa, afinal, as pessoas podem ficar com mobilidade reduzida temporariamente por um acidente ou qualquer outra circunstância. A empresa deve ter o posicionamento de estar habilitada para receber seus funcionários em qualquer situação motora ou psicológica, entre outras.
No entanto, minhas expectativas estão em direção ao projeto social – Comunica PCD, onde busco me aperfeiçoar com informações corretas, praticidade nas colocações para facilitar entendimento do conteúdo, vídeos com legendas e descrição das imagens. Isto é, na esfera digital.
Destaco minha experiência com dinâmicas durante palestras, como as de auto descrição.
Algumas dinâmicas deveriam ser implementadas nas empresas para que todos consigam entender um pouco das dificuldades que um ambiente inacessível pode causar no cotidiano de um funcionário(a) e isso perpassa o ato de comunicar.
E é por isso, que meu engajamento em relação a trabalhar a comunicação dentro do terceiro setor se dá ao fato de muitos ainda não terem noção da importância da nossa comunidade ter poder de fala. Minhas metas atuais são focadas em trazer para o ambiente físico com mais frequência o Projeto ComunicaPCD, para que seja produtivo aos que entendem sua existência. Minha militância, não só enquanto pessoa com deficiência, mas Anticapacitista e comunicadora, é para contribuir, nem que seja 1%, nessa luta que vem de anos e que é tão necessária.
Kleudi Campos: Que tipo de suporte ou acomodações você espera encontrar no local de trabalho para garantir uma transição suave e bem-sucedida?
Respeito antes de qualquer coisa. E isso me remete a Barreira Atitudinal, que toda pessoa com deficiência tende a enfrentar, porque as pessoas sem deficiência não buscam melhorar a forma de lidar com pessoas que tem uma característica que, é, sim diferente, mas não a define. E é essa a barreira que deve ser trabalhada com a implementação de ações ou técnicas comunicacionais.
Quando sou solicitada para determinado eixo que remete tais temas, sempre prezo pela forma que me abordam, que chamam minha atenção para tal situação, isso diz muito do que as pessoas esperam. Porque, às vezes, elas querem só mostrar uma pessoa com deficiência que “superou” e está fazendo algo por si própria. E, socialmente, este é um pensamento extremamente capacitista.
E, se, porventura, eu voltasse a trabalhar em empresas como antes, eu iria pôr em prática todos os meus conhecimentos e buscar introduzir na cultura organizacional a possibilidade de entendimento e naturalização sem apagar a existência do que chamam de “diferente”, do ser humano com deficiência. Claro que a dificuldade para conseguir emprego nas empresas está cada vez maior, enquanto pessoa com deficiência. Isto porque enxergam a deficiência à frente do ser humano, que é capaz o suficiente para assumir determinada vaga, por não ter uma visão sobre pcds de forma igualitária e com equidade.
E de forma bem específica, no contexto pessoal, enquanto indivíduo com deficiência física, eu buscaria: acesso, sem degraus físicos e também os degraus metafóricos excessivos, altura das coisas mais baixas, já que tenho estatura baixa; buscaria também sinalizações para que eu não perdesse tempo manuseando a cadeira de rodas para locais desnecessários; rampas realizadas de forma correta, e não só para dizer que existem; elevadores com botões baixos; pessoas treinadas para lidar com pessoas com diferentes formas de vivenciar as situações, e para ajudar também quando necessário nos momentos de locais com muitas rampas ou longínquos.
Na realidade quanto menos me sentir diferente por causa da deficiência, mais a sensação de pertencer eu terei. Por outro lado, buscar não anular que tenho deficiência, que preciso de ajuda, de atenção e acessibilidade, mas não fazer disso uma questão e sim uma adaptação no local para o meu direito de ir e vir ser completamente cumprido e levado em consideração.
Kleudi Campos: Quais desafios você antecipa enfrentar durante o processo de procura de emprego e como planeja superá-los?
O maior desafio, está em conseguir fazer as empresas entenderem que pessoas com deficiência são capazes. E nesse percurso, buscar demonstrar que existe, sim, uma deficiência em mim, mas ela não me desqualifica, demonstrando confiança, deixando claro também que é importante a compreensão do que é capacitismo, para a própria empresa não achar que está lidando com uma pessoa que não é entendida de seus direitos.
A superação em relação aos percalços seria sempre através da militância, estar dentro dos espaços onde contemplam mudança e melhorias através de atividades, ações, palestras, exposições e toda e qualquer forma de mostrar que somos e estamos dispostos a desmitificar esse comportamento preconceituoso que leva a não contratar uma pessoa com deficiência.
Kleudi Campos: Você já teve experiências anteriores de trabalho ou estágios que a ajudaram a se preparar para uma carreira em comunicação social? Se sim, como essas experiências influenciaram sua perspectiva?
Quando eu trabalhei na TV Universitária, de início era bem complexo, as pessoas tinham receio de passar demandas e (eu) não dar conta. Até um dia em que meu chefe teve que se ausentar por uma semana e me deixou como responsável pelo setor de comunicação, foi desafiador.
A forma que eu me colocava diante dessa incerteza óbvia, (através) das atitudes, falas soltas com ar de brincadeira, dúvidas constantes, eventos que, ao decorrer tive que organizar; lembro de me fazer firme, mesmo um pouco receosa pela pressão psicológica das pessoas, achando que eu iria fracassar apenas por não ser uma pessoa andante. Isso me ajudou muito a entender que eu seria sempre posta em questão, mas jamais deixaria alguém me desqualificar enquanto ser humano, e mais ainda enquanto profissional de comunicação.
Kleudi Campos: Como você planeja lidar com situações no ambiente de trabalho em que a comunicação pode ser um desafio devido à sua deficiência? Você tem estratégias específicas em mente?
A priori, se eu sentir que o ambiente é hostil em relação a mim por esse fato eu tento, ao meu modo, conversar, atualizar, buscar meios de compreensão sobre a perspectiva de uma pessoa que tem ou não deficiência. Iria me impor, como sempre faço quando necessário, me estabilizar no sentido de mostrar autoconfiança e firmeza nas minhas ações. A estratégia maior é o ato de se comunicar e como fazer disso algo fluído, sem peso e desgaste, mas demonstrando que há uma insatisfação de forma sutil, para não fazer disso um problema organizacional, mas não deixar isso passar, porque a tendência é piorar, e alcançar outras pessoas dentro dessa empresa.
E fica o questionamento, diante de tudo que luto, que almejo, que milito, que busco, que desconstruo, seria coerente permanecer, caso nenhuma forma comunicacional adiantasse no ambiente de trabalho? Muitos diriam que sim, afinal é um emprego, necessidades existem, porém até onde vai nosso limite para com nós mesmos? Eu não ficaria em um local onde eu fosse vista como um problema, independente do que eu fizesse para desmistificar tal ideia, porém não iria desistir fácil, só não podemos permanecer em ambientes que não fazem questão de mudanças.
Kleudi Campos: Quais conselhos você daria a outros profissionais de comunicação social com deficiência que estão procurando ingressar no mercado de trabalho?
Primeiramente, que vai ser difícil, que vão te olhar e não vão te enxergar, mas que tu precisas, não só encontrar o local, mas se fazer visto, porque somos comunicólogos, então temos técnicas de comunicação para fazer da nossa existência uma possibilidade dentro da empresa.
No entanto, sabemos que não é algo que é fácil, pelo contrário, mas é importante não desistir, porque, às vezes, não é o trabalho ou setor que buscamos que, necessariamente, está predestinado, digamos assim, para nós, mas sim o que vai nos acolher de verdade. Isto demanda paciência, persistência, nunca deixar de procurar, e fazer o possível para começar de forma autônoma. A assessoria com comunicação digital, por exemplo, está a todo vapor atualmente. Também é preciso se relacionar com pessoas que podem agregar ou até direcionar para ambientes organizacionais que sejam inclusivos. Um bom Comunicólogo sabe que estar bem relacionado faz toda diferença nesse meio, nos fazer presentes é essencial para não sermos esquecidos.
Kleudi Campos: Quais são suas expectativas em relação às oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional no campo da comunicação social?
O meu maior objetivo de vida, como profissional de comunicação, é ser uma pessoa transformadora. Todas as minhas ações, posições e absorção de conhecimento da comunicação na acessibilidade e entre outros parâmetros se enquadram nesse processo.
O meu crescimento seria através do reconhecimento das pessoas, não necessariamente da minha existência, mas da luta, do projeto que é algo que idealizei com muita sensibilidade e dedicação. Faço a gestão com minuciosidade para que não haja espaço para brechas errôneas, e se tiver faço questão de me deixar disponível para esclarecimentos do que tenho de conhecimento e o que eu não tenho eu busco para determinada pessoa ou outra que aparece me solicitando.
Kleudi Campos: Como você planeja continuar se atualizando e aprimorando suas habilidades de comunicação social ao longo de sua carreira profissional?
Eu faço o possível para me manter atualizada, de fato por ter uma deficiência que me faz às vezes ficar menos ativa fisicamente, não apareço sempre em tudo, mas de certo que procuro cursos pagos ou de forma gratuita, buscar palestras e possibilidades de estar incluída em encontros de pessoas com deficiência, para debates, partilhar de momentos com a minha comunidade. Afinal, vivenciar esses momentos é um ato de comunicação comunitária.E todo esse processo que contribui para meu entendimento melhor a respeito de tantas coisas que perpassa a compreensão de acessibilidade, de inclusão e direitos fundamentais das pessoas com deficiência, tende a me proporcionar mais formas, meios e direções distintas para lidar com o ComunicaPcd que é a minha principal forma de militância.
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