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Comunicação Popular só se faz em coletivo e com afeto; Vinícius Oliveira apresenta categorias para pensar comunicação nos territórios/comunidades

Por Luan Matheus Santana, Sarah Fontenelle Santos e Mallu Mendes

Há quase 4 meses estamos vivendo uma realidade que impôs a distância entre as pessoas como remédio. Distantes fisicamente, mas unidos pela pedagogia dos sonhos possíveis (como nos ensina Paulo Freire), abrimos nosso segundo encontro do Curso Seja Mídia –  Comunicação Popular e Empoderamento Digital com um exercício que nos aproxima de nós mesmos e dos outros. Usando o corpo como instrumento de comunicação, o participante do curso Júnior Sil, que é educador físico e bailarino afro, trouxe um momento de sensibilização que uniu o toque, o corpo, a dança e a comunicação em um círculo de afetos. Assim, começamos mais um módulo.  Você pode conferir aqui, na íntegra, o Módulo 2. 

Como desafio para nosso segundo módulo, a tarefa era entender o que é Comunicação Popular e quais estratégias de agitação, propaganda e mobilização vem sendo utilizadas pelos movimentos e comunidades em luta por direitos e autonomia. Quem assumiu esse desafio foi Vinícius Oliveira, educomunicador sergipano e membro do coletivo Tudo Para Todos, que apresentou inicialmente alguns elementos que ajudam a entender esse processo de modo mais amplo, divididos em categorias.

Para Vinicius Oliveira, a primeira categoria é o Feitiço da Mercadoria (que estabelece um valor de troca a todos os produtos e máscara o papel dos trabalhadores no processo de produção); a segunda categoria é a Hegemonia ou Ideologia (naturalizada, através de um consenso construído pelo mercado/capitalismo); a terceira seria a Reestruturação Produtiva (processos de transformação nas empresas e indústrias, caracterizados pela desregulamentação e flexibilização do trabalho); a quarta categoria seria a Mediação (feita pelos trabalhadores, intelectuais, artistas culturais); e por fim o Senso Comum  (que reforça e naturaliza os modos de vida mercantis). 

E o que tudo isso tem haver com comunicação popular? Viníciu acredita que é importante entendermos todos essas categorias para poder construir uma comunicação contra-hegemônica. ”O termo popular é importante pra gente entender o nosso modo. Pensar comunicação popular não é só informar; é informar enquanto a gente mobiliza para que saiam do pensamento comum”, afirma. 

Assim, o debate se encaminhou para a necessidade de ocupar a comunicação e fazer dela uma comunicação popular. “Pensar a comunicação popular é pensar um desafio cotidiano, é se propor a sair do lugar, estar no lugar do outro; é pensar uma comunicação que supere as opressões, que supere o machismo, o patriarcado; que pense gênero, raça e classe de maneira conjunta. Mais necessário ainda é que a gente faça isso com afeto; que a gente faça comunicação popular com respeito, que a gente faça comunicação popular para construir e sedimentar  novos modos de vidas, em que a lógica da mercadoria não seja a que prevaleça , mas sim a lógica do quanto do bem comum, do bem viver a gente pode construir para nossas comunidades”, afirma Vinícius. 

Diante disso, refletir  o processo comunicacional e as relações cotidianas é importante para entender os  sujeitos a partir dos lugares que vivem . Durante o módulo o participantes refletiram as relações de poder do cotidiano para que pudessem compreender como isso é presente  na nossa realidade. 

A turma interagiu trazendo questões para o debate. “Eu tô amando esse momento, caí aqui de paraquedas, mas esse debate foi muito importante. Sempre tive muito aversão às mídias/redes, porque eu sei que estão me espiando. Minha pesquisa é como uma questão da colonização como uma dominação simbólica, desde 1500 o modo de vida eurocêntrico e ocidental e capitalista se sobrepôs aos outros modos de vida presentes aqui. Com essa fala de Vinícius, vejo como a mediação e como ela continua fazendo essa naturalização dos modos de vida europeu. É a comunicação como uma nova lógica de reprodução do modo de vida capitalista”, contribui Isabella Petry desde Curitiba.

 

Outra participando do curso que trouxe suas questões da roda, foi a querida Lucineide Medeiros “Vejo a comunicação popular como prática e postura política que valoriza o que diz, como diz e como escuta o povo; deve ser e promover espaço para expressão do movimento organizado ou não do povo para se libertar das amarras que o prendem. A comunicação popular precisa se realizar na dialogicidade, realizar-se sempre em movimento, em meio às contradições, como diz Paulo Freire, sem idealizar, o real concreto”. 

Curso Seja Mídia –  Comunicação Popular e Empoderamento Digital acontece na interação e trocas de reflexões da sua visão de mundo com o todo e uma negociação coletiva de como construir uma informação baseada nos direitos humanos,ética e principalmente com respeito às fontes e suas falas . Portanto, problematizar de forma coletiva para encontrar caminhos de possibilidade de existência de comunidades e  corpos , sobretudo , os que são marginalizados e pretos.

Táticas para uma Comunicação Popular

Não há uma fórmula ou caixinhas prontas para fazer comunicação popular. Isso porque ela depende de cada território, de cada modo de vida e das necessidades de cada comunidade. Mas existem elementos gerais que nos ajudam pensar essas estratégias e táticas para cada local: 

  1. Uso da linguagem: é preciso pensar difícil e falar fácil; 
  2. Desvendar o econômico e o estado: conhecer o sistema; 
  3. Apontar os inimigos: é preciso sair da abstração e saber contra quem ou o que estamos lutando; 
  4. Direitos consolidados e consolidando direitos: usar os direitos já consolidados, para buscar outros direitos, usar uma contradição do estado para conquistar um direito que deveria ser universal; 
  5. Ideias no lugar: as idéias precisam ter um lugar, um território e se adequar a ele; 
  6. Participação e Interatividade: com popular é trazer as pessoas para perto;
  7. Cinema-verdade – pensar táticas cada fez mais espontâneas, mas agir de forma planejadas.

Comunicação Popular como forma (re)existir nos territórios/comunidades

A comunicação popular só possível com o povo e em coletividade. Qualquer coisa fora disso é instrumentalização. Bel Jardim e Lúcia Oliveira, atingidas pelo Programa Lagoas do Norte, trouxeram suas ricas experiências e vivências de comunicação popular em seus territórios. Ambas são do comitê “Lagoas do Norte Pra Quem?” e trazem seus saberes para o círculo. 

Bel Jardim

Bel afirma que “O programa lagoas do norte que é implementado pela Prefeitura de Teresina com financiamento do Banco Mundial, se utilizada da comunidade pra reafirmar e defender o projeto que vem desalojando muitas famílias.  Mas a comunidade pensa diferente, tem outro modo de vida. Fazemos uma nova comunicação e uma nova história potente em eterno movimento. Essas são as nossas práticas. É interessante perceber o tempo do sistema é um e o tempo da comunidade é outro. Além de sobreviver tem que lutar por direitos e ainda por outro mundo possível e justo. é uma baita de uma tarefa”. 

Lúcia Oliveira

Lúcia Oliveira, umbandista, trouxe elementos para pensarmos a comunicação popular pelo viés da ancestralidade. “Nossa comunicação é ligada com a ciência de Exú, Exú Maria Mulambo. A gente segue muito essa orientação e a partir dela, discutimos com a comunidade. fazemos faixas. As mulheres falam dos sentimentos delas, fazem as faixas, elas mesmas produzem. Isso é muito empolgante, você ver uma dona de casa pegar num spray e dizer “Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira”. Mas também é uma forma de comunicação que se concretiza muito de forma oral. Pra nós é algo fundamental, por que somos uma comunidade que foi explorada, o nosso povo não teve acesso a academia/escola, os nossos saberes são populares. A forma de saber que foi apreendida durante a vida é o que a faz sobreviver. Com fé, uma cuidando com a outra”, afirma Lúcia. 

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