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Teresina sedia 2ª Conferência do Fórum Popular de Segurança Pública do Nordeste

Por Sarah F. Santos e Valmir Macêdo 

Teresina acolheu participantes da 2º Conferência do Fórum Popular de Segurança Pública do Nordeste. Realizada entre os dias 17 e 19 de agosto, a conferência foi a culminância do encontro após quatro grandes conferências no Piauí que ocorreram em São Raimundo Nonato, Picos, Nazária e Parnaíba.

Um dos dias de acolhida ocorreu na Casa Maria Sueli e contou com diálogos sobre o território da Boa Esperança, debates sobre propostas de turismo comunitário e a apresentação “Dançar o barro”, com elenco da Casa Sueli. Outros lugares que receberam o Fórum foram a Pç. Pedro II e o Centro das Irmãs Guadalupe na Zona Norte da capital. 

Dentre os eixos da conferência estava a prevenção social do crime e da violência; a violência armada: controle de armas e munições e a violência contra crianças e adolescentes. O Sistema de Justiça Criminal e Socioeducativo, a Política de drogas, o Direito ao território também foram temas dos eixos. O fórum também debateu o Enfrentamento ao genocídio e a Criminalização dos movimentos sociais.

Maria Lúcia, defensora pública popular e integrante do Centro de Defesa Ferreira de Sousa, contou que a conferência foi fortalecedora no desafio de articular diferentes comunidades do Piauí e do nordeste.

“Foi importante porque a gente viu e sentiu o envolvimento da própria comunidade em acolher essas outras comunidades que têm problemas semelhantes ao nosso e que a gente pode trabalhar em rede e conseguir reverberar as injustiças, as ausências de políticas públicas que levam em consideração o racismo histórico, a reparação histórica que o Brasil precisa fazer. Essa rede nos fortaleceu nesse sentido”, contou Lúcia. 

Para ela, a conferência reforçou que é chegada a hora de estabelecer um limite: não é possível garantir a segurança das pessoas pretas nos territórios sem se fazer a reparação histórica. 

“Não é discutir o antirracismo limpo e seco. Chegou a hora da gente estabelecer uma fronteira que sem reparação histórica, sem distribuição de renda, sem garantia dos direitos básicos, sem o fortalecimento de tudo o que nós temos mantido do legado ancestral, não tem como se proteger a vida das pessoas pretas nesse território. É necessária uma política incisiva que combata e estabeleça um limite, uma fronteira sobre a questão do racismo histórico que não se tem como fazer qualquer discussão política que não seja atravessada por essas questões do racismo histórico e das populações negras que sofrem historicamente”.

Por que um Fórum de Segurança Popular Pública? 

O professor e pesquisador do Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens (NUPEC/UFPI), um dos parceiros do Fórum, Marcondes Brito, explica sobre a importância e o contexto de fundação deste instrumento de luta popular que nasceu em 2019, momento muito duro frente as negações de direitos e criminalização da luto do povo orquestrada pelo ex-presidente Bolsonaro. 

Segundo Marcondes, “O Fórum é uma instância deliberativa formada por movimentos sociais que parte do pressuposto que o estado não tem respondido às demandas populares. Na verdade ele é frágil. Ele faz diagnóstico, os estudos, mas esquece a parte principal que é escutar as pessoas que são atingidas por isso. Nenhum dos planos de segurança feito no nordeste representa as populações, as minorias e os grupos mais marginalizados, os coletivos de direitos humanos”, diz. 

O Fórum conta com 60 instituições dos 9 estados do Nordeste e dois estados da região Norte, Belém e Roraima e nesta segunda edição reuniu 170 pessoas. Marcondes destaca o quão significativo é reunir tantas pessoas com financiamento próprio, com o esforço das comunidades e das organizações populares e sindicais. 

Segundo o pesquisador e militante, foi tudo “custeado com recursos próprios das organizações. Teve apoio do Fundo Brasil para direitos humanos, também do Gajop-Pernambuco, mas a maior parte foi rateada pelas organizações, como por exemplo, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos que mandou uma van com 20 pessoas, a Iniciativa Negra e grupos organizados da Bahia  que mandaram 20 pessoas, movimentos de terreiros e aldeias também se mobilizaram”, descreve os esforços coletivos para pensar alternativas de segurança para as comunidades. 

Como preparação para o Fórum aconteceram as pré-conferências no interior do Piauí e na capital. Em São Raimundo Nonato 250 alunos,  pais de alunos e movimentos sociais se encontraram em Abril para refletir sobre segurança. Em maio a pré-conferência aconteceu no IFPI de Picos. Em Nazária 9 terreiros de matriz africana também somaram esforços nesta movimentação. No litoral, as juventudes e movimentos interessados se reuniram no Bar Miraggae em Parnaína. Mais de 200 mães e filhas egressas do sistema socioeducativo se encontraram na Vila Irmã Dulce, Teresina. 

A violência é fruto da falta de investimento

A reparação, como conta Lúcia, precisa de investimento.

“É necessário que haja investimento e uma das coisas que foi central nas discussões é seguinte: que não tem como se discutir antirracismo se não houver investimento na potência do que os nossos e as nossas receberam da nossa ancestralidade, que é para além de tudo a nossa cultura, que a nossa cultura nos ajuda a nos manter vivos e todos os nossos fazeres e o nosso legado ancestral”.  

O encarceramento da população negra também foi tema do Fórum. O Brasil é o país com a terceira maior população carcerária do mundo. Segundo o Anuário de Segurança Pública divulgado em 2019, em 15 anos, a proporção de negros no sistema carcerário cresceu 14%, enquanto a de brancos diminuiu 19%.

“Outra coisa que também foi discutida é que quando se aprisiona a população negra é porque faltou a política básica, faltou a política de educação, a política de moradia, a política de alimentação. Ou seja, a violência é fruto da falta de investimento em direitos básicos”, afirmou Maria Lúcia.

Para Lúcia, outro ponto interessante do fórum popular de Segurança pública foi a importância, cada vez mais, de fortalecer os aquilombamentos, a política do quilombismo. 

“Senti muito forte nas falas dos participantes e das participantes esse sentimento de pertencimento e de uma discussão política que não é só sobre o antiracismo, que não uma política pública, mas uma política fortalecedora de tudo aquilo que a gente tem conseguido manter nas nossas comunidades e que precisa ser respeitada. Se não houver investimento, que pelo menos o capital não chegue tentando tomar o que a gente tem”, afirmou.

Em setembro, a coordenação do Fórum irá se reunir para elaborar o documento final da Conferência a partir das propostas apresentadas por cada estado. 

E que tal uma poesia do artista da palavra Julius César do coletivo CRIA? 

Vamos falar sobre calor 

vapor 

e roda

Vamos enaltecer as trocas

eles precisam entender

que quando corpos e corpas pretos e pretas se misturam

não é só para falar de dor,mas também de amor

E nesse sentimento nordeste

o Fórum Popular de Segurança Pública podendo acontecer em qualquer outro estado 

Reverberou-se ali 

no Piauí

onde o corpo aquece

ferve

onde diálogos acontecem 

onde o sentimento de aquilombamento prevalece

é que os pretos estam se amando 

de palavras, articulações e cumplicidade, se armando 

e nessa guerra estamos lutando e gritando 

“todos os nossos permanecerão”

Mãe Bernadete

Os 11 do Curió

Os 12 do Cabula

Enquanto mães pretas existirem 

Permanecemos presente. 

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