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CPI do Transporte Público: Auditoria Popular apresenta análise do relatório

Atualizado em 13 de março de 2023.

O relatório da CPI do transporte público de Teresina, concluído pela Câmara Municipal de Vereadores na última quarta-feira (25) trouxe à luz uma série de irregularidades na gestão dos coletivos de Teresina, incluindo crimes cometidos tanto pela Prefeitura Municipal quanto pelas empresas concessionárias.

Muito do que o relatório comprovou já vinha sendo denunciado pelo movimento popular de usuários e por trabalhadores do sistema. Agora com as provas, é explícito que há um esquema de enriquecimento ilícito dos empresários de ônibus, que envolve também ex-gestores da gestão Firmino Filho, como o ex-superintendente da Strans, Carlos Augusto Daniel.

As conclusões do relatório permitem avaliar que o esquema acabou sendo fortalecido com o edital de concessão do transporte público de 2016, visto que a concessão foi dada às mesmas empresas que já operavam na cidade, inclusive mantendo as empresas nas mesmas zonas de circulação prévias ao edital, ou seja, não houve concorrência pública. 

Entre os valores milionários repassados ao Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros de Teresina – SETUT pela Prefeitura de Teresina, chama atenção o montante de R$ 71.518.141,86 transferidos nas vésperas da última eleição municipal, entre 2019 e 2020. 

O relatório também comprova a legitimidade das reivindicações dos trabalhadores do sistema, que sofreram com demissão de 60% desde o início da pandemia. 

A Auditoria Popular do Transporte Público destrinchou as 151 páginas do relatório final da CPI do Transporte Público de Teresina e apresenta aqui os principais pontos do documento. 

Repasses da Prefeitura de Teresina

O relatório aponta diversas irregularidades nos repasses de subsídios feitos pela Prefeitura de Teresina. A começar pelo Consórcio Operacional SITT, que deveria disciplinar as empresas no cumprimento das obrigações (incluindo a correta distribuição dos recursos às empresas de ônibus) mas que durante os 5 anos de concessão acabou repassando todo o dinheiro público diretamente para o SETUT. Na prática, isso significa que os próprios empresários decidiam e dividiam entre si o montante arrecadado. 

O relatório confirma que “verificou-se também várias inconsistências na distribuição dos recursos às empresas de transporte coletivo que indicam a prática reiterada de fraude contra o Município, ocasionando enriquecimento ilícito das empresas que operam o sistema de transporte coletivo municipal e consequentemente dano ao erário.”

O SETUT, sendo uma entidade de natureza jurídica de direito privado, não poderia ter domínio sobre os recursos destinados ao transporte coletivo. O relatório reitera a ilegalidade na operação do dinheiro público, visto que o SETUT “não faz parte da estrutura da administração pública, nem participou da referida licitação, não sendo possível, portanto, transferir a outorga dos serviços públicos a entes privados.”

O relatório ainda levantou que, desde 2011, o SETUT ajuizou diversas ações contra o município; ações que requeriam desde repasses de subsídios da tarifa até anulação de multas da Strans. 

Nos últimos 2 anos, entre julho de 2019 e novembro de 2020, a Prefeitura de Teresina decidiu então por realizar acordos judiciais e fez repasses milionários às empresas de transporte público. A soma ultrapassa os valores regularmente repassados nos 5 anos da concessão. O montante que chegou ao valor total de R$ 71.518.141,86, sendo R$ 43.402.699,24 em 2019 e R$ 28.115.442,62 em 2020. Poucos dias antes do 2º turno das eleições municipais, a Prefeitura repassou de uma só vez mais de 26 milhões de reais às empresas. 

Crimes de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito

O relatório comprova o enriquecimento ilícito das empresas de transporte público de Teresina, que aconteceu de forma sistemática e com a participação do ex-superintendente da Strans, Carlos Daniel, acusado de crime de improbidade administrativa – Lei nº 8.429/92. 

Entre as irregularidades, a comprovação de que a Strans nunca executou as multas aplicadas às empresas de ônibus por descumprimento do contrato.  O valor arrecadado deveria ter sido depositado no FUNTRAM (Fundo Municipal do Transporte), e que deveriam pagar as gratuidades de estudantes e idosos, por exemplo. 

“Cumpre destacar ainda que os pagamentos aos concessionários de transporte urbano de passageiros feitos pela Prefeitura Municipal de Teresina desconsiderando o descumprimento reiterado do contrato configura enriquecimento ilícito dos concessionários, visto que foram remunerados por um serviço que não estava sendo prestado ou estava sendo prestado de forma parcial ou ineficiente.”

Transporte Eficiente

De acordo com o edital de licitação, todas as empresas do transporte público de Teresina deveriam ofertar o serviços de  Transporte Eficiente, no entanto, em um acordo paralelo informal, as empresas decidiram que apenas a empresa Expresso Santa Cruz EIRELI faria a operacionalização desse serviço, “contrariando frontalmente o edital de licitação.”, segundo conclusões do relatório. 

“A Prefeitura de Teresina, por sua vez, omitiu-se no dever de fiscalização e punição quanto ao descumprimento dessa obrigação, o que configura ato de improbidade administrativa por omissão no dever de praticar ato de ofício.”

Bilhetagem eletrônica

O relatório aponta uma série de falhas no sistema de bilhetagem eletrônica. A comissão técnica revelou que, em uma única viagem, no dia 21/07/2021, da empresa Transcol, foram computados 62.156 passageiros.

O próprio operador do sistema, o Consórcio Operacional SITT, em ofício enviado à CPI, reconhece as falhas no sistema e nos dados recolhidos pela bilhetagem eletrônica. Vale lembrar que são esses dados que subsidiaram, ao longo do tempo, os repasses feitos pela Prefeitura às empresas e os cálculos da tarifa, sempre questionados pelos usuários. 

Para o ano de 2022, segundo o SETUT, a Prefeitura de Teresina deveria repassar às empresas o valor de R$ 26.203.655,00 referente às gratuidades. “No entanto, devido ao controle da bilhetagem ficar a cargo do Setut não se pode assegurar que as gratuidades correspondem efetivamente a esses valores visto que já foi comprovado que o sistema de bilhetagem é falho.”, conclui o relatório. 

Irregularidades nos veículos

A média de idade dos veículos que circulam em Teresina é de 12 anos – chegando a 15 anos no caso da empresa Viação Santana – quando, por edital, a idade máxima dos ônibus deveria ser de 6 anos. 

As empresas também burlaram sistematicamente o sistema de monitoramento dos veículos por GPS e dificultaram o acesso dos usuários por meio de aplicativos, como o StarBus, que nunca chegou a funcionar plenamente. 

Outra falha grave é o fato das empresas, em maioria, não possuir seguros de passageiros, o que expõe a falta de compromisso com a segurança dos usuários. Além disso, muitos ônibus circulam com o emplacamento atrasado.

Trabalhadores do sistema

Nos últimos 18 meses foram pelo menos 5 greves e inúmeras paralisações dos trabalhadores do sistema, que denunciam vários meses de atrasos nos salários, corte dos Planos de Saúde e vale alimentação, além da demissão de pelo menos 60% desses trabalhadores. 

A CPI é enfática ao expor a legalidade das reivindicações da classe, agora comprovadas no relatório: “Ademais é fato notório que os concessionários de transporte urbano de passageiros de Teresina deram causa a diversas greves movidas pelos trabalhadores do sistema de transporte público, em razão do atraso no pagamento de salários e demais benefícios, deixando assim a população de Teresina desprovida de um serviço público essencial.”

Por fim, a CPI do Transporte Público de Teresina recomenda a imediata rescisão do contrato e a realização de uma nova licitação. Para além disso, o relatório já foi encaminhado para o Ministério público Estadual, Ministérios Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Tribunal de Contas e à Prefeitura de Teresina para adoção das medidas cabíveis. 

Por Auditoria Popular do Transporte Público Piauiense

Emerson Sammuel Araújo – Advogado

Glaudson Lima Gomes  – Advogado

Luan Rusvell de Abreu Andrade – Arquiteto Urbanista

Ana Clara Nascimento Oliveira – Diretório Central dos Estudantes Livre da UESPI 

Lucas de Oliveira Martins – Diretório Central dos Estudantes da UFPI

César Eduardo Andrade Oliveira – Usuário/Estudante UFPI

Italo Ribeiro Silva Lima – Usuário/Estudante UESPI

Diego Silva de Sousa – Coletivo RUA Piauí

Kaytson Wesllen da Silva Miranda – Usuário/Estudante UESPI

Samily Reis Dos Santos – Usuária

O Relatório completo entregue pela CPI do transporte público você pode conferir aqui

Foto: Regis Falcão

2 de setembro de 2011: 10 anos do histórico dia de luta pelo transporte público de Teresina

Há exatos 10 anos, no dia 2 de setembro de 2011, Teresina acordava sob o 5° dia de protestos contra o aumento da tarifa de ônibus, que na época sofria reajuste de 10% passando de R$ 1,90 para R$ 2,10. Nesse mesmo dia, o então prefeito Elmano Ferrer (PTB) revogou, pela primeira vez na história da capital, o aumento. 

Os protestos de 2011 entraram pra história como o episódio mais violento da luta pelo transporte público em Teresina, que sofreu forte repressão policial e a prisão de 6 estudantes. Os atos se espalharam por vários pontos da cidade, principalmente na av. Frei Serafim, av. Maranhão e av. João XXIII e reuniu, durante os 5 dias de manifestação, pelo menos 10 mil pessoas nas ruas, a maioria estudantes secundaristas. A conquista em Teresina teve importância nacional e inflamou protestos em diversas outras cidades brasileiras. 

A data ressoa nesse 2021 em que a capital vive a pior crise do transporte público e acumulou uma das passagens mais caras do norte-nordeste. Há poucos dias o vice-prefeito de Teresina, Robert Rios, chegou a anunciar o fim da meia-passagem estudantil para alunos da rede privada, o que foi desmentido horas depois. 

Teresina também é a primeira capital do Brasil a concluir seu relatório da CPI do Transporte Público (Belo Horizonte e Rio Branco, além de outras 14 cidades, também estão em investigação) que revelou um esquema de enriquecimento ilícito das empresas de ônibus de Teresina, inclusive com a participação de ex-gestores públicos.

No entanto, assim como em 2011, não há motivos para acreditar que a solução será unilateral e partirá das instâncias do poder público sem a escuta de quem depende dos ônibus diariamente. Teresina tem histórico de luta e as milhares de pessoas que há 10 anos ocuparam as ruas dessa cidade mantém viva a chama da luta pelo direito ao transporte público, gratuito e de qualidade. 

Por redação OcorreDiário

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