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Crime ambiental da Enel em São Gonçalo do Gurguéia-PI completa 4 anos sem soluções definitivas

Durante o encontro e feira da Agricultura Familiar de São Gonçalo do Gurguéia, município a 776 km de Teresina, que ocorreu no mês passado, os agricultores voltaram a denunciar a gigante Enel Green Power, por não cumprir com as cláusulas postas no Termo de Ajuste de Conduta-TAC, em 2019, assinado com o Ministério Público e Secretaria de Estado de Meio Ambiente. O desastre que assola e precariza a vida das comunidades até hoje, advém da construção da maior Usina de Energia Solar da América Latina. Um projeto dito limpo, mas que na prática é arrasador de vidas e das águas. 

O Termo assinado em 2019 coloca a empresa Enel como responsável pelo desastre que provocou o transbordamento   de uma de suas bacias de contenção, promovendo deslizamentos de encostas, soterramento de nascentes, rios, estradas, plantações, além da contaminação da água, essencial para a vida  de milhares de pessoas e animais.

O desastre promoveu um cenário de destruição irrecuperável, dizem os moradores. “Só eu perdi mais de mil pés de buritis, três olhos d’água, plantações de legumes”, conta o agricultor Jerônimo Sobrinho. Ele expressa que o que mais lhe dói  é a perda do  buritizal, rico patrimônio do Cerrado que impulsiona o extrativismo na região, contribuindo com a renda de muitas famílias ali. 

Desanimado, Jerônimo  conta que só lhe resta lamentar,  já que a Enel demonstra não se importar com a população local. Ele conta ainda que, após os desabamentos em 2019, todos os anos acontecem novos deslizamentos nas encostas da serra onde estão fincadas as placas solares. 

Sobre os deslizamentos, o agricultor conta que “não se sabe por que não fazem um serviço mais seguro para evitar  desastres, deixando a população em pânico. O volume de areia que desce da serra é tamanha que se vê montanhas de areia num espaço que a empresa teve que alugar para acumular. No meu entender a culpa por tudo que estamos passando é dessa empresa, por que não constrói bacias mais resistentes, certamente não se importa com nossa segurança”, desabafa Jerônimo. 

Além de deslizamentos das encostas de serra, o crime dificultou o acesso  à água 

O acesso à água potável é outro dilema vivenciado por mais de 70 famílias das comunidades Buritizinho, Alto Buritizinho, Macaco e Riacho da Lapa, que não tiveram o poço prometido pela empresa. “Quando se vai reclamar na empresa sobre a demora da obra, ela manda perguntar na Prefeitura, sem maiores explicações, assim, um vai passando a responsabilidade para o outro”, desabafa um morador de Buritizinho, que não quis se indentificar por medo de represálias, assim como outras pessoas atingidas. 

O morador afirma ainda que, a feitura do poço agora está a espera de uma verba do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Mas o mistério é desesperador, pois a água é um direito fundamental “A gente nada sabe, só ficamos com os prejuízos”, acrescenta.

Histórias tristes não faltam entre os  atingidos pela tragédia de 2019 em São Gonçalo. Os filhos de um agricultor que tudo perdeu com a avalanche contam que o pai ficou traumatizado com a destruição de seu pomar, da lavoura, das cercas e do riacho. Os filhos lembram, ainda, que  o pai só bebia água diretamente do riacho, tirando com a mão em concha e era um homem saudável. Após o episódio, ele  tomou água do riacho, só que, algum tempo depois, foi que a empresa avisou que a água estava contaminada, que era para a população não consumir. 

No entanto, quando a empresa avisou a comunidade sobre a água contaminada “Já era tarde, meu pai adquiriu uma bactéria que o levou à morte. Ele foi definhando aos poucos, sua cabeça nunca mais foi a mesma, ficou abalado psicologicamente depois porque perdeu seu cantinho destruído pelos deslizamentos”, se queixa um dos filhos. A família entrou na justiça pedindo indenização pelos danos causados pela empresa, no momento o processo está tramitando.

Enel nega as denúncias

Em nota enviada à nossa reportagem, a empresa Enel Green Power afirma que não houve rompimento de bacias de contenção da usina, mas transbordamentos a partir de um aumento progressivo do volume de chuvas, muito acima da média histórica dos 30 anos anteriores,  levando ao carreamento de sedimentos nos córregos da Lapa, Macacos e Buriti do Meio. 

Ainda segundo a nota, a empresa afirma que iniciou de forma imediata intervenções para impedir que eventos similares acontecessem, com ações acordadas com a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Piauí (SEMAR) para mitigar riscos no entorno do parque e resguardar os córregos existentes no local. Todo o trabalho realizado foi reportado trimestralmente pela Enel à SEMAR. Sobre a ausência de indenizações, a empresa alega que contratou uma empresa especializada para realização de um estudo. Ao todo, 135 famílias foram mapeadas e cadastradas e estão recebendo as indenizações baseadas em suas necessidades.

Sobre a não construção de poços tubulares, que afetam a vida de mais de 70 famílias, a empresa afirmou que, desde 2020, mantém a entrega de água potável para consumo humano e também água para animais – neste último caso, quando a necessidade é sinalizada pelo morador. Mais de 100 famílias recebem ajuda mensal com a entrega de, ao todo, mais de 10 milhões de litros de água. A empresa também construiu três poços capazes de abastecer toda a cidade.

Enquanto isso, moradores se sentem desprezados pela Enel

Na região, o sentimento da maioria dos atingidos é de raiva e desprezo pela Enel. Narram que com a chegada da empresa a vida de todos mudou para pior, mesmo as que não foram atingidas pelo desastre reclamam dos estragos que a empresa causa nas estradas, pela falta de comunicação com as comunidades e falta de empregos prometidos que nunca existiram, com exceção quando da instalação dos painéis que  precisaram de mão de obra passageira.

Os atingidos e atingidas lamentam e denunciam que em nenhum momento foram consultados e ouvidos sobre a instalação da usina solar. Relatam que foram pegos de surpresa quando grandes maquinários pesados chegaram ao município destruindo caminhos, derrubando a mata e  construindo estradas. Para se defenderem do chamam, “ataques da Enel” a comunidade atingida criou a Associação Alta do Gurguéia que vem procurando por direitos e denunciando os descasos da empresa.

Maior Usina da América Latina

Foto reprodução / Enel Green Power

A usina solar São Gonçalo é a maior em operação da América Latina com capacidade de gerar 597GW de energia. Ao todo são 2,2 milhões de painéis. Considerada uma energia limpa, as usinas solares em São Gonçalo do Gurguéia é responsável por promover grandes desmatamentos, somente em painéis instalados ocupa mais de mil hectares de área que precisa estar sem vegetação em seu entorno. Este desmatamento acaba por gerar desequilíbrios ambientais, dentre os quais os mais visíveis são os deslizamentos das encostas de serra já citados pelos moradores. 

Comments (3)

  • Antônio Soaressays:

    6 de junho de 2024 at 8:01 PM

    Estão acabando com tudo que existe na terra ,por causa de uma raça mesquinha egoísta e vulgar, esquecidos dos dez mandamentos que Deus ensinou, eles plantam cidades de pedras e matam as flores, esses Campos agora não passam de terra sofrida animais que assistem sua extinção tudo isso porque não tem respeito a vida o progresso seria bonito sem destruição. A miséria esplanada por todos os cantos do mundo as doenças matando e ninguém sabe dizer porque é preciso mudar pois ainda é tempo de salvar o pouco que resta pra gente viver/Ó meu Deus, ó meu Deus você ensinou infelizmente ninguém aprendeu. A culpa é do sistema político de nosso país,na hora de votar todos esquecem do sofrimento.

  • Avelar Damasceno Amorimsays:

    7 de junho de 2024 at 7:52 AM

    O descaso administrativo da SEMARH no gerenciamento ambiental e de recursos hídricos nas bacias hidrográficas é ilimitado. A falta da gestão hídrica na hidrográfica do Gurguéia é resultante da não existência de uma diretoria de comitê da bacia contribuindo para a falta de planejamento, organização e administração na citada bacia. O que temos no Estado do Piauí é uma super secretaria totalmente desorganizada e sem gerenciamento.

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