Este conteúdo faz parte da série de reportagens sobre Direitos Humanos realizada pelos estudantes do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) matriculados na disciplina Direitos Humanos, Comunicação e Políticas Públicas, unidade ministrada pelo professor Dr. Antonino Condoreli. As reportagens têm como objetivo refletir as questões de direitos humanos criando ambiente crítico no âmbito da mídia, além de contribuir para a disseminação dos conteúdos acadêmicos na sociedade.
Por Ariane Costa de Souza
Após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), no contexto de pós Segunda Guerra Mundial, foi elaborada por uma comissão da própria ONU, entre os de 1946 e 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que entrou em vigor após uma Assembleia Geral realizada em 1948. A DUDH é composto por 30 artigos, os quais determinam os direitos básicos que todo ser humano deve possuir, independentemente da raça, religião, posição social, gênero, etnia, etc.
Desse modo houve uma universalização dos Direitos Humanos, porém, como forma de manter soberania nacional, alguns teóricos diziam que os Direitos Humanos deveriam ser empregados considerando o entendimento cultural de cada localidade, de forma a relativizar culturas onde estes direitos eram violados. O que veio a ser rebatido anos mais tarde com a Declaração de Viena sobre os Direitos Humanos no ano de 1993, onde ficou estabelecido que mesmo ao ser levada em consideração à cultura, a religião e a história de um Estado, é seu dever proteger todos os cidadãos e observar que os direitos humanos e as liberdades fundamentais sejam garantidos para todos. Assim a DUDH tem uma importância fundamental na história humana moderna, pois ajudou a consolidar a ideia de direitos humanos, fortalecendo um ativismo que atua na busca de melhorias para a humanidade e no combate às desigualdades.
Não apenas as desigualdades, mais também no combate a descriminações perpetradas a diversas minorias ao redor do mundo. No Brasil, após o caso Dandara – a travesti que foi morta a tiros depois de ser brutalmente espancada no Estado do Ceara em 2017 – passou a figurar no noticiário hegemônico a triste realidade invisibilizada durante anos em nosso país, a descriminalização e a morte sumária dos corpos LGBT QI+. Dados levantados pela Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, relata que 8.027 pessoas LGBT QI+ foram assassinadas no Brasil entre 1963 e 2018 em razão de orientação sexual ou identidade de gênero. Só no ano passado foram registrados no Brasil 141 mortes de janeiro a 15 de maio, sendo 126 homicídios e 15 suicídios.
Com a repercussão do caso Dandara, a pressão para que a LGBTfobia fosse criminalizada aumentou de forma significativa. No Brasil, não existi uma legislação que defina o crime de LGBTfobia, contudo A Constituição Federal de 1988, considerados por muitos teóricos constitucionalistas como uma das mais avançadas na observância dos direitos humanos, determina quais são os direitos invioláveis que cabe a União, Estados e municípios preservar. E em seu Art.1°: fica determinado que “A República Federativa do Brasil, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político. E em seu Art. 3°:
- Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I– construir uma sociedade livre, justa e solidária;
- II– garantir o desenvolvimento nacional;
- III– erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
- IV– promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
Vale ressaltar que o Brasil é signatário de vários acordos internacionais e Estado-membro das Organizações das Nações Unidas – ONU. E segundo o art. 2° da DUDH:
“Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”
Não Se Combate Só Com Lei
Desse modo, independentemente de ter ou não uma Lei específica que enquadre o crime de LGBTfobia é dever do Estado brasileiro garantir a proteção física e psicológica dessa comunidade. E mais, nossa Carta Magna traz para o sistema jurídico brasileiro a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), que somando a aceitação tácita do Brasil ao texto da Resolução da ONU, e ainda considerando os princípios da boa fé e do pactasunt servanda, que obriga as partes signatárias de um contrato obedecerem ao que nele está expresso, e faz com que o Estado tenha o encargo de reconhecer os direitos LGBT QI+ e legislar acerca da proteção dessas pessoas. Desta forma em junho de 2019, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), ficou decidido que a partir dessa data o crime de LGBTfobia passa a ser enquadrado na Lei do Racismo, sendo aplicada a mesma pena, ou seja, de um a três anos de reclusão em caso de condenação.
Esse foi sem dúvida um importante passo para o combate e a coibição de crimes contra a comunidade LGBT QI+ brasileira. Entretanto, ainda não há uma legislação propriamente dita sobre a matéria. Nesse sentido, dois aspectos fazem-se relevantes: a valoração, negativa, das ações de caráter não tradicionais em consonância com a ausência de políticas públicas que garantam os direitos dessas pessoas. Isso porque, no Congresso, o andamento dessa matéria vai a passos de tartaruga.
Por conta disso, a divulgação de dados sobre a temática e o espaço cada vez maior nos noticiários hegemônicos contribuem para que a sociedade brasileira discuta e se interesse de forma a pressionar nossas instituições a criar mecanismos de preservação e proteção dessa comunidade tão vulnerável. A discussão sobre gênero nas escolas é também uma importante “arma” na luta contra a descriminação aos grupos LGBT QI+. Segundo Simone Beauvior, filósofa francesa da corrente existencialista, “ninguém nasce mulher, torna-se uma”, hoje já se compreende que o gênero é um construto social, portanto não fixo. Assim sendo, a forma como um indivíduo se enxerga e expressa a si mesmo não dependa apenas de experiências individuais, mais também daquelas vivenciadas em grupo, e dessa forma a decisão de qual gênero adotar só diz respeito a ele próprio, cabendo aos demais respeitar a decisão tomada e ao Estado através de políticas públicas, Leis de proteção, ações educacionais, programas de saúde e bem-estar voltadas para a transição de gênero… garantir a proteção dessa minoria ao mesmo tempo que garante a preservação de sua integridade física e psicológica e de sua liberdade individual ao punir aqueles violam seus direitos enquanto indivíduos e enquanto grupo.
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