Por Sarah F. Santos, Isabel Jardim e Gustavo Leite
A partilha, a paciência revolucionária para estes contra-tempos e o comum. Nosso encontro com Erisvan Guajajara, co-fundador da Mídia Índia, no nosso “Círculo de Saberes: Pensar-Agir em sociedade e comunidade” foi um encontro com o Brasil ancestral. Nesta última segunda-feira (20), realizamos o nosso terceiro módulo do curso “Seja a mídia: Comunicação popular e empoderamento digital”. Nesta tentativa inesgotável de Ser Mais, vamos na certeza de que só podemos ser juntes.
A poética da interpretação no processo comunicativo se deu também com a partilha da produção dos grupos Preto/Paciência revolucionária e Marrom/Organização e disciplina (dividimos em subgrupos que ganharam cores e valores d@ lutado/lutadora do povo) que nos agraciaram com a releitura do território de Teresina (fica esperto que a gente vai disponibilizar pra vocês).
E vamos seguindo assim na possibilidade de comunicar/Rexistir. “Estamos contando a nossa história como ela realmente deve ser contada”, inicia Erisvan para contar sobre a ocupação do espaço virtual pelos povos indígenas e da importância do protagonismo da produção comunicacional. É virtual, mas é territorial. Erisvan explica que a Mídia Índia só é possível porque está enraizada nos territórios e não fala em de, mas fala com os povos indígenas.
É o comum, que vem de comunitário forjando o direito de dizer a palavra dos povos originários. “Estaremos demarcando as telas e ocupando as redes. A gente se aprimorou nas tecnologias para fazer nosso território digital indígena. Nós fazemos uma luta não apenas para garantir a nossa vida, mas também proteger a vida no planeta”, narra Erisvan.
E continua “A gente acredita na força dos nossos ancestrais e dos nossos encantados. Vamos ocupar a comunicação, a música, todos os espaços que forem possíveis, porque nós, povos indígenas, somos a cura da terra. Esse trabalho de ancestralidade que nos faz permanecer nas ruas”, diz Erisvan nos agraciando com tanto sabe. Àquela altura já nos sentíamos pequenos sentados em roda arquitetando uma escuta sensível.
Histórias inspiradoras, nasce Mídia Índia, encantamento da comunicação
Erisvan Guajajara ao nos contar sobre a Mídia Índia também reaviva o comum em nós, inspira para a luta e abre espaço para aprendizagens profundas na organização do poder popular. “Em 2015 quando fizemos todo esse trabalho de formação com o curso ‘Coisa de índio, Alma Brasileira’. Na época tínhamos muito contato com a Mídia Ninja. Lembro que quando o curso acabou estávamos na festa da aldeia ‘Ensaio da menina moça’ e nos perguntamos o que íamos fazer quando o curso acabou e decidimos criar algo que fosse de indígena para indígena. Porque o curso tinha sido ministrado por não-índios”, rememora com entusiasmo.
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Ainda naquela noite de ancestralidade e partilha a voz renasceria. “Quando decidimos que o nome ia ser mídia índia, muita gente ria da gente, mas a gente não desistiu. Começando filmando as festas tradicionais do povo da nossa terra, começamos a registrar toda a nossa história viva que a mídia não conhece. Porque a mídia só fala que indígena é vagabundo, que não trabalha, que rouba terra. São 520 anos de luta dos povos indígenas e queremos contar essa história profunda”, explica o indígena.
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Como atua a Mídia Índia?
Segundo o Guajajara, “A Mídia Índia é uma rede que atua diretamente com o movimento indígena, todos os nossos diálogos são feitos com as bases, todas as notícias a gente apura a veracidade ligando para as bases”, apontando a importância do enraizamento nas bases.
Sobre a estrutura e as ações da organização, Erisvan explica que “Hoje temos 10 membros na coordenação de 10 povos diferentes, mas somos mais de 100 colaboradores. Fazemos reuniões toda semana para falar de povos diferentes e pautas diferentes. Estamos fazendo essa articulação durante a pandemia de Covid com a APIB e a COIAB. Temos trabalhado com podcast tanto na língua indígena como na língua materna de alguns povos, para combater a Covid nos nossos territórios”.
Pandemia: “Quando morre um ancião morre uma parte da nossa história”
Segundo dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, publicado em 16/07/2020, já são 529 indígenas falecidos por covid-19, 16.057 indígenas infectados e 137 povos atingidos. Erisvan destaque que para o levantamento destas estatísticas os povos indígenas tiveram que fazer articulação própria, pois os dados da saúde não davam conta de apresentar a real situação sofrida.
Assim, Erisvan conta sobre a importância da auto-organização e solidariedade entre os povos. “A SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) não tem veiculado esses dados de forma correta, estamos apurando esses dados junto a APIB. Quando morre um ancião morre uma parte da nossa história, pois eles são como nossas bibliotecas. A gente não quer mais perder parentes. Hoje temos uma liderança que está internado que é o Cacique Raoni, não por Covid”.
E mais uma vez, ele demarca a importância da comunicação coletiva em tempos de crise e em defesa dos povos. “Hoje usar a comunicação como ferramenta de luta é mostrar para o mundo as nossas riquezas e a nossa resistência. Precisamos mostrar que os nossos indígenas estão sendo afetados. Estamos conseguindo denunciar esses ataques que são feitos contra a gente. Vamos lançar um app semana que vem que é o Alerta Amazônia que tem o objetivo de denunciar os ataques os povos indígenas. Nesse aplicativo mesmo sem você ter internet a pessoa que estiver estará salvo”, demarca Erisvan.
Tibira, coletivo LGBT indígena
Nosso convidado da roda, explica com dor e quanto a pauta das pessoas LGBT é sensível e necessária nos territórios indígenas. Ele conta que há relatos de espancamento dentro e fora das aldeias indígenas e que é necessário lutar em defesa destes corpos, mesmo sem desrespeitar a ancestralidade.
Diante das dificuldades para enfrentamento da homofobia nos territórios indígenas, Erisvan conta que “Fizemos agora o coletivo Tibira, que é um coletivo indígena. A gente ocupar e trazer nosso diferencial, a gente traz para a luta indígena, o colorido da resistência, o colorido do amor. A gente sabe que ainda é um tema muito cauteloso na comunidade, porque cada comunidade tem suas questões culturais, mas nós também precisamos nos aproximar. Vamos começar uma série de cursos on-line para fortalecer a mídia indígena”.
Comenta sobre Coletivo Tibira que é um coletivo que faz a intersecção da luta indígena com a luta LGBT porque acontece LGBTfobia nos próprios povos por pessoas de comunidades que foram evangelizadas, por exemplo. Erisvan nos explica que a luta não é fácil, nem dentro e nem fora das aldeias. Dentro das aldeias, ele explica que é necessário entender a complexidade das culturas e dos saberes, no entanto, ele afirma a importância de quebrar o silêncio.
Outro ponto nessa discussão que ele trouxe é sobre a siglas, pois os LGBT’s indígenas não se identificam com as siglas que existem hoje, já que é um movimento muito segmentado, estereotipado e rotulado. Ademais, por haver muita briga interna no movimento LGBT não indígena, ainda não conseguiu pensar em uma sigla para os LGBT’s indígena, por ser, também, uma discussão nova dentro do movimento indígena.
“Estamos em um momento em que o amor precisa dominar a cabeça, a mente e o coração dos humanos para vencer esse fascismo que predomina nesse país. Esse governo que tá aí que está pregando o ódio as pessoas que não gostavam de indígenas. Parece que agora aumentou mais ainda”.
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