“Ele deixa um rastro de destruição, material e psicológico. Ele mata o ́ psicólogo da pessoa. Eu tive minha inteligência emocional posta no limite, foi uma coisa de louco, que eu não desejo nem pro meu pior inimigo. E depois fica aquela sensação de medo, insegurança”,
conta uma das vítimas, que por segurança não será identificada nesta reportagem, mas que foi agredida fisica e psicologicamente, violentada sexualmente com práticas de manipulação e violências similares à tortura.
Nossa reportagem já conversou com pelo menos três vítimas, que relataram situações semelhantes, todas ocorridas nas últimas duas semanas em Teresina (Piauí). No último domingo (28/08) mais relatos foram compartilhados nas redes sociais. O homem foi identificado pelas vítimas como Antônio Diógenes de Sousa Passos e teria uma extensa ficha criminal, incluindo, prisão por estelionato em 2017, pela Polícia Civil do Maranhão.
O Modus operandi foi o mesmo em todos os casos que ouvimos. O golpista entra em contato com suas vítimas através do aplicativo de relacionamentos Grinder, que é direcionado ao público LGBTQIAP+. Ele se apresenta com muita simpatia e com habilidade argumentativa, compartilha fotos, contatos e redes sociais, o que leva suas vítimas a criar um certo grau de confiança. Antes do encontro, ele procura traçar um perfil da vítima, perguntando sobre informações pessoais, trabalho, moradia, etc.
Nas redes sociais, os relatos envolvem, além de violência sexual e agressões, gravações íntimas sem permissão, chantagens, uso de cartões de crédito e roubo. Outra vítima, que também não iremos revelar o nome, conseguiu evitar os golpes antes que fossem executados, mas relata os momentos de medo que passou. “Ele ainda tentou fazer algumas transações em dinheiro, mas não conseguiu. Fui obrigado a ter relações com ele, porque fiquei com muito medo. Pra mim, foi como um estupro. Ele odeia ser contrariado e é extremamente manipulador. Foi a pior sensação da minha vida. A gente fica com uma espécie de culpa e vergonha ao mesmo tempo”, contou à nossa reportagem.
No primeiro caso, além das agressões, a vítima relata um cenário similar ao de tortura. Ele foi amarrado dos pés à cabeça, dentro da própria casa. Foi ameaçado, agredido e humilhado.”Sem ele ver, eu consegui me soltar e chamei meus vizinhos. Consegui colocar ele pra fora de casa, entramos em briga corporal. Foi horrivel”, relata. A terceira vítima também foi amarrada e ameaçada, sendo ainda obrigado a transferir uma quantia de R$440,00 por um aplicativo bancário, através da tecnologia de reconhecimento facial.
Os casos foram registrados na Polícia Civil do Piauí, no primeiro e no sexto Distrito Policial, segundo as vítimas. O Delegado Sérgio Alencar, titular do 1º DP, confirmou o recebimento da denúncia e a abertura de um inquérito policial para investigar o caso. “Houve essa denúnica de que um homem foi vítima de estupro. Essa pessoa foi ouvida e encaminhada para fazer exame de corpo de delito. Agora vamos investigar, intimar o suspeito e o inquérito já foi instaurado”, afirma.
Não conseguimos contato com a defesa do suspeito, mas em suas redes sociais, ele negou as denúncias, afirmando que “a história contada é diferente do que dizem”.
LGBTFobia e violência em aplicativos de relacionamento
O Grindr, um aplicativo criado em 2009, afirma ter mais de 4 milhões de usuários diários gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros e ‘queer’ (LGBTQ) em todo o mundo. O aplicativo é um dos mais populares entre pessoas LGBTQIAP+ de todo o mundo e utiliza a geolocalização para facilitar encontros de pessoas a curta e média distância, à semelhança de outros aplicativos, como o Tinder.
Desde as eleições de 2018, no Brasil, o App passou a emitir alertas de segurança, com o objetivo de informar aos seus usuários sobre os riscos de perfis falsos. Na época, o Diretor Executivo para Igualdade do App, Jack Harrison-Quintana, explicou o motivo do alerta: “Após as eleições no Brasil (2018), denúncias de violência contra membros da comunidade LGBTQ+ chegaram ao nosso conhecimento por várias organizações locais. Isso incentivou o nosso time a emitir um lembrete de segurança. Como o Grindr às vezes é o único lugar onde pessoas queer podem interagir entre si e ter acesso a esses recursos, nós encaramos com muita seriedade a responsabilidade que temos de servir como uma rede virtual e também como uma plataforma para disseminar informações valiosas e recursos pró-LGBTQ”.
Apesar disso, a plataforma vem sendo utilizada em diversos lugares do mundo como um caminho para criminosos e LGBTFóbicos de toda ordem.
Em 2019, uma quadrilha que extorquia pessoas LGBTs foi presa no Distrito Federal. Os criminosos atraiam as vítimas por meio de sites e aplicativos de relacionamento. Durante os encontros, o grupo filmava a relação e obrigava as vítimas a darem cartões e senhas bancárias. Atuavam em Brasília, Goiás, Ceará e São Paulo.
Em março deste ano, usuários do aplicativo em Vitória e Vila Velha (Espírito Santo) foram obrigados a transferir dinheiro ao serem ameaçados dentro da própria casa. A Polícia Civil investiga os casos. Em abril, uma operação desencadeada pela 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte) prendeu um homem acusado de extorquir, roubar e ameaçar homens gays no Distrito Federal. Infiltrado em um aplicativo de relacionamentos, o suspeito escolhia as vítimas e dava continuidade ao bate-papo pelo Instagram.
Em Medellín, na Colômbia, só neste ano, seis pessoas LGBTQIAP+ foram assassinadas em crimes relacionados ou facilitados por emio do aplicativo. Um número que supera todos os casos de 2021, alertaram autoridades locais. “É uma situação que vem aumentando. De dois casos no ano passado, este ano temos seis casos, em que as vítimas são jovens da comunidade LGBTI”, informou o secretário de segurança de Medellín, José Gerardo Acevedo, em entrevista à Rádio Caracol.
O Grindr não é um vilão; mas a falta de segurança digital, sim
O jornalista digital e pesquisador em comunicação Luze Silva, afirma que a ferramenta Grindr não deve ser vista como a vilã em casos como esse. Segundo ele, a dinâmica das relações estabelecidas dentro do aplicativo tem como principal objetivo facilitar a interação entre pessoas geograficamente próximas que estão interessadas, na maioria das vezes, em sexo.
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“Talvez, a busca por satisfazer os desejos sexuais, no contexto da efemeridade, seja um aspecto que leve ao pouco diálogo, o que dificulta conhecer a pessoa com quem se relaciona. Contudo, a grande questão é: todas as tecnologias que temos atualmente, sejam aplicativos de relacionamento ou outras redes sociais digitais, precisam da intervenção humana para o seu funcionamento. Ou seja, parte de cada pessoa decidir qual utilização dará à plataforma. Há indivíduos no Grindr que estão interessados em sexo e amizades, assim como os que estão decididos a aplicar golpes. Mas isso não é uma exclusividade deste aplicativo”, afirma.
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Por outro lado, o pesquisador alerta para algumas características presentes no Grindr que podem facilitar o anonimato, o que pode facilitar a aplicação de golpes.
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“Existe a possibilidade de criar um perfil sem a obrigatoriedade de se identificar por meio de fotos e a disponibilização dos seus dados pessoais na biografia também não é uma exigência. É possível coexistir anonimamente dentro da plataforma e agir de má fé, se essa for a intenção do usuário. O que podemos compreender disso é que os perigos a que estamos suscetíveis virtualmente abarca todo o ecossistema digital”, alerta Luze.
Para ele, essas práticas ilegais estão cada vez mais presentes no dia a dia. “Nesse sentido, o que precisamos é de maior rigor das plataformas digitais, como o Grindr, para que revejam suas políticas e pensem estratégias que permitam mais segurança aos usuários. A reflexão deve ser profunda e dialogar com outros aspectos sociais”, finaliza.
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