Uso indevido de recursos públicos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Piauí – SEMARH; Falta de transparência e publicidade de dados relativos à licenciamentos, autorizações, autos de infrações, entre outros; e concessões de autorizações ilegais de supressão de vegetação em todo o estado. O ‘Ocorre Diário’ teve acesso a um conjunto de denúncias que pesam sobre a gestão do secretário Daniel Oliveira à frente da SEMARH, desde que assumiu, em janeiro deste ano. Nesta reportagem, atendendo a um pedido direto e em respeito à identidade das fontes, não iremos identificar os autores das denúncias.
De acordo com os denunciantes, a atual gestão da secretaria vem colocando em risco o patrimônio natural do Estado, sobretudo, por conta das diversas autorizações de desmatamento em milhares de hectares do Cerrado piauiense, contrariando pareceres técnicos, decretos do Estado do Piauí e normativas da própria secretaria.
Uma delas foi emitida e assinada em março de 2023, autorizando o uso alternativo do solo (em outras palavras: desmatamento) em 1.247 hectares da Fazenda Águas Lindas, de propriedade da empresa Parnaíba Agro Pastoril S/A, no município de Baixa Grande do Ribeira, sul do Piauí. No documento, a SEMARH condiciona a autorização à apresentação de um Certidão de Regularidade Dominial (CRD), emitida pelo INTERPI (Instituto de Terras do Piauí ), nos termos do Decreto Estadual nº 19.940/21, em um prazo de 90 dias.
Acontece que, de março até a presente data (04/10), já se passaram seis meses desde a emissão da autorização de substituição da vegetação nativa para as atividades agropecuárias na Fazenda Águas Lindas e, de acordo com o INTERPI, até o momento não foi emitida CRD provisória, “devido a ausência de comprovação da cadeia dominial” – que é um estudo realizado junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Ao ‘Ocorre Diário’, o INTERPI informou ainda que o processo está em trâmite e que não apresenta sobreposição com povos e comunidades tradicionais.
As fontes ouvidas pelo ‘Ocorre Diário’ nesta reportagem caracterizam esse caso como um grave ato de ilegalidade, que contribui para o avanço do desmatamento no cerrado piauiense. Eles ainda denunciam outras autorizações, como características semelhantes, como na Fazenda Cimeira e Alto da Serra (que você pode acessar aqui), também de propriedade da empresa Parnaíba Agro Pastoril S/A, em Baixa Grande do Ribeiro, para desmatar 3.348, hectares de terras do cerrado.
Em ambos o casos, outras condicionantes também foram colocadas, como apresentação de lista de espécies ameaçadas de extinção; apresentação de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) referente às informações técnicas apresentadas no inventário florestal e comprovação do cumprimento da reposição florestal obrigatória, conforme proposta apresentada, nos termos da Instrução Normativa SEMAR nº 05/20.
Entre o legal e o ilegal: índices de destruição ambiental no Piauí em cheque
Em setembro desde ano, a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) divulgou dados que mostram uma redução de 59% no número de áreas desmatas ilegalmente no cerrado. Os dados são do primeiro semestre de 2023, em comparação com o mesmo período do ano passado. De acordo com a secretaria, cerca de 30 mil hectares foram desmatados em 2023, até agora, contra mais de 70 mil hectares queimados nos primeiros seis meses de 2022. Daniel Oliveira atribuiu a redução do desmatamento a três ações da secretaria: aumento da fiscalização do órgão, integração com a Polícia Civil, Militar e órgãos ambientais federais e monitoramento das áreas queimadas por meio de satélite. “Somente em multas, este ano, aplicamos R$ 52 milhões em produtores que praticaram o desmatamento ilegal”, disse o secretário.
A metodologia aplicada pela Secretaria de Meio Ambiente foi de contabilizar apenas o desmatamento ilegal. No relatório técnico da SEMARH consta que no primeiro semestre de 2023 o aumento de autorização de desmatamento foi de 31%, enquanto que no mesmo período de 2022, o percentual foi de 17%. Assim, o aumento das autorizações de desmatamento estão diretamente relacionadas à redução do desmatamento ilegal.
Por outro lado, segundo as fontes ouvidas nesta reportagem, esses números não conseguem dar conta de mostrar a real situação do desmatamento no Piauí, uma vez que muitas áreas estão sendo desmatadas de modo legal, mesmo em descordo com a legislação, a exemplo dos casos apresentados no início desta reportagem. Trocando por miúdos: até o desmatamento legal está sendo realizado com indícios de ilegalidade. Da mesma forma, o desmatamento ilegal (que reduziu), vem sendo legalizado no estado.
O relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, que trata dos impactos da expansão do monocultivo da soja no Brasil, publicado em junho deste ano, revela o esquema de formação das grandes fazendas de monoculturas, que acontece no limite da ilegalidade e da legalidade. “O processo ilegal de constituição de uma fazenda ocorre de maneira sofisticada, envolvendo elites locais e suas relações com cartórios. Tal processo se inicia com a falsificação em cartório de um título de terra. Posteriormente, os supostos “proprietários” iniciam a expulsão, muitas vezes violenta, das comunidades rurais de seus territórios. As comunidades rurais possuem direito à terra, conforme a Constituição Federal de 1988 e a mais recente Lei de Terras do Piauí de 2019”, afirma o documento (acesse aqui).
O mesmo relatório aponta ainda um cenário inverso ao que vem sendo mostrado nas propagandas oficiais do Governo do Estado: o avanço do desmatamento em todos os estados da nova fronteira agrícola do Brasil, o MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Os municípios de Uruçuí e Baixa Grande do Ribeiro aparecem como os que mais desmataram, representando, segundo o relatório, mais de 50% de todo desmatamento autorizado no Estado no semestre. Alias, as fazendas com autorizações legais mostradas no começo desta reportagem são, ambas, de Baixa Grande do Ribeira.
De acordo com a Rede Social de Justiça, em 2020, a superfície desmatada de Cerrado no MATOPIBA já correspondia a 23,47 milhões de hectares, ou 35,28% da área total de Cerrado na região. Cerca de 17% dessa área devastada (4 milhões de hectares) estava destinada a monocultivos de soja em 2018 (ver Mapa 04 “Área plantada de soja”); 14,6 milhões de hectares destinados para pastagens (em 2020), com um aumento de 258% desde 1985. Juntos, criação de gado e monocultivo de soja correspondem a praticamente 80% da área de desmatamento acumulado até 2020 no Cerrado do MATOPIBA.
R$ 5.220.000,00 em patrocínios de eventos entre janeiro de setembro de 2023
Em agosto, mostramos aqui no Ocorre Diário que o secretário Daniel Oliveira não autorizou a execução do Plano de Ação de prevenção às queimadas no Estado, que deveria ter iniciado no dia 28 de agosto, alegando ausência de recursos financeiros. Segundo o Auditor Fiscal Ambiental, Carlos Eduardo, responsável pela elaboração e implementação do plano, o custo total para execução do plano era cerca R$ 400.000 (quatrocentos mil reais). Ele decidiu sair da saída da coordenação do projeto após o caso. No mesmo período, a cidade Canto do Buriti foi atingida por um incêndio de grandes proporções, que também mostramos aqui. Pelo menos vinte mil hectares de vegetação já foram destruídos, segundo relatos de moradores da região que não tiveram condições de combater os focos sozinhos.
Semanas após o grave incêndio na cidade, o Festival Melão e Mel (também em Canto do Buriti) movimentou a mesma quantidade de recursos necessárias para uma plano de prevenção à incêndios florestais. Motivados por esse caso, o ‘Ocorre Diário’ fez uma amplo levantamento, entre janeiro e setembro de 2023, que evidenciam a forma com os recursos públicos oriundos SEMARH foram aplicados como cotas de patrocínios em diversos eventos no Piauí. Os dados foram obtidos através de consulta manual ao Diário Oficial, que você pode conferir clicando aqui. O levantamento apontou a distribuição de 13 cotas de patrocínios sem licitação, o que resultou em uma liberação de 5 milhões e 220 mil reais.
Entre os eventos e projetos contemplados, está o Guardião Mirim, que no último mês de agosto recebeu um milhão de reais como cota de patrocínio. Outro contrato na mesma linha foi o Circuito Pet do Piauí, no valor de R$600.000 (seiscentos mil reais), repassados para a CAJU Produções. A mesma produtora ganhou outro patrocínio de R$400.000, (quatrocentos mil reais) para produzir o Festival Melão e Mel, na cidade onde o secretário nasceu e pretende ser prefeito, Canto do Buriti, ao Sul do Estado.
Canto do Buriti, aliás, é uma das cidades que mais foram contempladas nas cotas de patrocínio. Foram 5 projetos aprovados (quase 40% do total), que somam ao final R$3.195.000,00 (três milhões, cento e noventa e cinco mil reais), cerca de 61% do total de recursos distribuídos por cotas de patrocínios ao longo do ano. Desse total, R$300.000 foram destinados especificamente para o município, enquanto os demais foram repassados para projetos e eventos que também atuaram em outros municípios, a exemplo do Projeto Guardião Mirim, que deve acontecer em Teresina, Parnaíba, Pedro II, Canto do Buriti e Nazária.
Ministério Público do Piauí instaurou inquérito para apurar denúncias
A 35ª Promotoria de Justiça, do Ministério Público do Piauí, instaurou no dia 20/09 a Notícia de Fato nº 45/2023/35ªPJ, a fim de apurar uma denúncia de irregularidade e descumprimento de normas legais relativas à transparência e publicidade dos dados de gestão ambiental, por parte da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (SEMARH-PI). A denúncia cita a ausência de informações públicas relativas a licenciamentos, autorizações, autos de infrações, embargos, termos de compromisso de ajustamento de conduta, recursos e decisões administrativas.
Comments (3)
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