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Deputado e CRM querem revogar lei do parto humanizado no Piauí

Está em discussão na Assembléia Legislativa do Piauí (ALEPI) uma proposta de alteração de Lei de Humanização da assistência ao parto no estado, que pode revogar por completo seus efeitos e garantias. Nesta terça (07), o projeto foi discutido na Comissão de Constituição e Justiça, onde o Deputado Marden Menezes apresentou proposta de revogação da lei.

Na manhã de ontem (06/06) uma audiência pública debateu o assunto e um novo encontro ficou acertado para a próxima semana, no sentido de aprofundar a discussão. Entretanto, o Deputado Marden Menezes, autor da proposição, está impondo o andamento do projeto sem aprofudamento das discussões.

A Lei 7.750/2020, a chamada Lei do Parto Humanizado, dispõe sobre assistência humanizada, antirracista e não transfóbica, bem como estabelece medidas para acompanhamento e direito a uma doula.

A revogação da Lei, proposta pelo Deputado Marden Menezes, conta ainda com o apoio do Conselho Regional de Medicina (CRM), que não compareceu à audiência desta segunda-feira.

Foto: OAB

Em nota publicada em seu site, o CRM-PI alega que a solicitação de revogação partiu do Conselho de Medicina, conjuntamente ao Sindicato dos Médicos do Piauí – Simepi e a Sociedade Piauiense de Ginecologia e Obstetrícia (Sopigo). De acordo com as organizações, o objetivo da solicitação é a revogação total da lei 7.750, de 22 de março de 2022, uma vez que, segundo o órgão, a lei gerou uma enorme insatisfação entre as entidades médicas por desrespeitar a autonomia médica e a segurança da paciente e do recém-nascido.

Durante discussão na CCJ alguns deputados pediram vistas para analisar melhor o projeto.

Todavia, segundo o Movimento de Doulas do Piauí, deputado e CRM negligenciam os inúmeros casos de violência obstétrica registrados diariamente em nosso estado, muitas vezes acobertados pelos discursos técnicos-cientificos.

A Lei é uma segurança jurídica de fundamental importância para o enfrentamento à violência obstetrícia e, sobretudo, na garantia de uma gestação saudável, com respeito à vida das mulheres e dos bebês.

Lei será novamente debatida na próxima segunda-feira,13

A audiência pública também contou com a participação da presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher, Tatiane Seixas. A representante da entidade manifestou-se favorável à lei e ressaltou que o interesse de categorias profissionais não pode sobrepor-se ao direito à vida. Ainda na ocasião, Isabel de Paula, representante do Conselho Estadual de Saúde, parabenizou a elaboração da lei e afirmou que direitos adquiridos não devem ser revogados. A representante ainda questionou ainda a ausência das entidades que estão solicitando a revogação da lei.

A psicóloga Juliana Maia, presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP-PI), informou que o texto legal precisa ser discutido e passar por adaptações, mas questionou a necessidade de revogação. “A lei precisa de adaptações e espaço para o diálogo. Quando se fala em revogar sem justificativa aparenta algo que tenta calar”. Na ocasião, a profissional fez sugestões para a matéria.

A profissional Heflida Rocha, representante da categoria profissional das doulas, pontuou a importância da lei para o segmento e enfatizou que a atividade é reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A representante esclareceu ainda aos presentes sobre o tipo de trabalho realizado pelos profissionais da categoria e que estes não substituem a figura do acompanhante da gestante no trabalho de parto. Ainda durante o evento, Norma Guimarães, representante do Levante feminista contra o Femincídio, manifestou preocupação com os números referentes à mortes de gestantes e quanto à situação de violência obstétrica.

Leia a Carta Aberta do Movimento de Doulas do Piauí na íntegra.

CARTA ABERTA – MOVIMENTO DE DOULAS DO ESTADO DO PIAUÍ

As doulas do Movimento de Doulas do Estado do Piauí vêm através desta Carta
Aberta à População Piauiense se manifestar a favor do reconhecimento da Lei
7.750/2022 de autoria da Deputada Estadual Teresa Brito, sancionada e publicada no
Diário Oficial no dia 14/03/2022.

Todas nós, presentes no Movimento de Doulas do Piauí, estamos convencidas
que esta lei significa um grande avanço para o movimento de Humanização dos Partos e
Nascimentos do Brasil e especialmente, um ganho imensurável para as mulheres,
pessoas gestantes, bebês e famílias do nosso território, tendo em vista que zela pelo
respeito e autonomia dos direitos sexuais e reprodutivos, pelo foco centrado na
mulher/pessoa gestante, por uma assistência humanizada, antirracista e não transfóbica,
sobre o direito a ter uma doula durante o parto, pós-parto e em situações de
abortamento, a garantia do direito de se manifestar através de seu plano individual de
parto durante o período gravídico-puerperal; institui mecanismos para coibir a violência
obstétrica no estado do Piauí.


Desde 1996 a OMS apoia e recomenda a importância do acompanhamento por
doula na assistência ao parto. O Ministério da Saúde em 2001 através do manual “Parto,
aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher”, também indica o
acompanhamento feito por doulas, bem como verifica que a presença da profissional
não aumenta os gastos, não requer infraestrutura específica e conclui não haver contra
indicação.


A atuação das doulas foi classificada como Ocupação Laboral no Brasil em
2013 e é considerada uma tecnologia apropriada no campo do cuidado e uma estratégia
reforçada por políticas públicas que objetivam melhorar a qualidade da atenção à saúde
durante o processo gravídico-puerperal, como a Rede Cegonha (BRASIL, 2011). Em
Teresina está em vigor a Lei Municipal 4.935/2016 que garante a presença da doula nas
maternidades públicas e privadas da capital, sem que esta interfira na lei federal
11.108/2005, a lei do direito ao acompanhante de livre escolha da parturiente.
Importante mencionar que doula não é uma profissional médica, portanto não
realiza, substitui ou impede a função atribuída e presença de nenhum médico (a)
obstetra, enfermeiro (a) obstetra, obstetriz, neonatologista, pediatra, técnico (a) de
enfermagem ou qualquer profissional da área da saúde. As funções principais da doula
são fornecer informações baseadas em evidências, apoio emocional desde a gestação,
além do suporte com métodos não farmacológicos para alívio da dor durante o parto.


De acordo com pesquisas amplamente divulgadas no âmbito científico e nas
mídias, como a revisão da Cochrane (HODNETT et al., 2013) onde 15 mil mulheres,
em 16 países, em diversas circunstâncias e contextos sociais concluiu que mulheres que
tiveram o suporte contínuo de uma pessoa que não era do âmbito familiar ou do corpo clínico das maternidades/hospitais estavam mais propensas a darem a luz de forma
natural, com a diminuição significativa de partos instrumentalizados (como uso de
fórceps, vácuo extrator, cesariana), com menos necessidade de medicações para alívio
da dor. Nesta pesquisa não foram identificadas contra-indicações, concluindo-se que
todas as mulheres devem ter apoio contínuo durante o trabalho de parto.

As doulas presentes reconhecem a importância do movimento nacional e
internacional na defesa dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres e
pessoas com útero em prol do parto e nascimento seguro, adequado, positivo, livre de
violências e da necessidade de nomear as violências que ocorrem no período gravídico
puerperal como violência obstétrica, termo cunhado pelo próprio movimento de
mulheres e já reconhecido pelo Ministério da Saúde.


Violência obstétrica consiste na apropriação do corpo da mulher e dos
processos reprodutivos, na forma de um tratamento desumanizado, medicalização
abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a
capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua
sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida. Essa é uma
das definições amplamente usadas na literatura acadêmica atual e, como marco legal, o
termo foi empregado na legislação da Venezuela em 2007, seguido pela Argentina em
2009 e México em 2014.


Em 2021 o Conselho Nacional de Justiça reconheceu a violência obstétrica
como uma forma de violência de gênero, a qual pode ser praticada por qualquer
profissional que trabalhe diretamente com a assistência obstétrica, assim como
acompanhantes, doulas e toda estrutura de hospitais e clínicas particulares ou públicas.
O Movimento de Doulas do Piauí compreende que é dever do Estado assegurar
através de estratégias de participação dos profissionais da saúde e sociedade civil,
políticas públicas que garantam a cidadania, autonomia e liberdade de escolhas baseada
nas melhores evidências. Em união pela maternidade segura, voluntária, prazerosa, livre
de violências e socialmente amparada pelo Estado.

Movimento das Doulas do Estado do Piauí

28 de Março de 2022

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