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Em entrevista exclusiva, quilombolas atingides pela Mineração no Piauí afirmam que a exploração não vale o lucro

No último dia 10 de maio, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Bonfim do Piauí realizou o webinário “Projeto de Mineral e os impactos da Mineração para Bonfim do Piauí. O evento é parte das atividades promovidas pela secretaria para habilitação e postulação para certificação no Selo Ambiental, para obtenção de recursos particionados do ICMS Ecológico. Na ocasião, a Território Quilombo Lagoa e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração Piauí (MAM-PI) participaram do evento e foi com eles que realizamos uma entrevista que você pode conferir a seguir. 

Participaram do evento profissionais da rede Municipal de Educação, setores organizados do Território Serra da Capivara além de participantes da Bahia, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo.

Quem nos concedeu a entrevista foram os quilombolas Salvador Viana e Nayane Magna Ribeiro Viana. Salvador é licenciado em filosofia, é da Associação do Território Quilombo Lagoa e também faz parte do MAM. Já Nayane é historiadora e mestra em sua área. Além disso, Nayane é moradora de uma das comunidades mais impactadas pela mineração em Bonfim do Piauí, a comunidade Baixão Fundo.  

A entrevista foi realizada pela nossa repórter Sarah F. Santos e você pode conferir na íntegra a seguir: 

Sarah (OcorreDiário):  A mineração já vem acontecendo no Piauí há muitos anos. Neste cenário os povos do Piauí tem lucrado ou o minério não vale o lucro ? Quer dizer, a quem tem interessado estes projetos de exploração? 

Salvador Viana: A mineração não traz lucros para os povos tradicionais, pelo contrário gera grandes problemas que impacta o modo de viver das populações no entorno desses grandes projetos de mineração, como: aumento da pobreza, os problemas de saúde e desrespeito com os povos tradicionais. Outros problemas são destruição do solo, subsolo, causando grandes devastação da natureza que gera a expulsão das populações tradicionais e camponesas dos lugares em que vivem. Impedindo as comunidades de continuarem a produzir e reproduzir suas vidas e as suas mais diversas manifestações culturais. Para as comunidades só fica os problemas, que se beneficia são as mineradoras, o estado e o capital Internacional.

Riquezas ameaçadas: Morro Alto Baixão Fundo, Bonfim do Piauí

Sarah (OcorreDiário):  Quais são as principais atividades minerárias no Piauí ? Cada atividade atinge de diferentes formas as pessoas e comunidades ? Quem são as pessoas atingidas?

Nayane Magna Ribeiro: O Piauí ocupa atualmente o quarto estado da federação com maior número de pesquisa de mineração. Isso quer dizer o estado fatiou as nossas terras para os grandes projetos de mineração.  As principais atividades de mineração no Piauí é minério de ferro, níquel, diamante e argila. Essas atividades econômicas atingem principalmente os menos favorecidos economicamente que vão conviver com as violações de seus direitos e sendo expulsos de suas terras. 

Sarah (OcorreDiário):  É possível apontar quais ou quantas comunidades são atingidas pela mineração no município e região? E quais são os principais minérios explorados? 

Salvador Viana: A empresa SRN Mineração requereu nove áreas para exploração de minério de ferro magnético no Território Serra da Capivara, zona rural dos municípios de Bonfim do Piauí, São Raimundo Nonato, São Lourenço do Piauí, Dirceu Arcoverde e Fartura do Piauí. Além disso, importante lembrar que tem outros projetos de mineração, com outras empresas, em várias outras comunidades dentro do Território Serra da Capivara, inclusive dentro do Quilombo Lagoas**, que por lei não pode haver projeto minerais. 

Em Bonfim do Piauí, as pesquisas para exploração mineral vêm ocorrendo há pelo menos uma década, quando algumas empresas começaram a fazer prospecção no município. Ao longo dessa década, as empresas mineradoras têm prestado poucas informações sobre a exploração mineral na região, que tem causada várias preocupações e inseguranças entre os moradores. A falta de informação gera entre os moradores da comunidade muita ansiedade.

Conforme o EIA/RIMA (2019) apresentado pela SRN Mineração, em Bonfim do Piauí, pretende explorar minério de ferro em três localidades. Isso significa que pelo menos dez comunidades podem ser atingidas diretamente pela mineração, sem contar as que serão atingidas indiretamente. 

Mapa inédito, de autoria do Professor da UESPI, Judson Jorge da Silva, produzido na pesquisa de Doutorado em Geografia no programa de Pós-Graduação em Geografia, em andamento na UFPE – PPGEO-UFPE. Título da pesquisa:  “Da condição de periferia na periferia do capital a sua incorporação na lógica das políticas hegemônicas para o território: análise das estratégias de atração de mega projetos de mineração para o Estado do Piauí”.

Sarah (OcorreDiário): Trata-se de uma área extensa? 

Nayane: Vista de forma descontextualizada, a área atingida pela mineração pode parecer pequena, mas quando sabemos que o município de Bonfim do Piauí, em comparação aos demais que compõem o Território Serra da Capivara, é relativamente pequeno extensão territorial percebe que a mineração irá comprometer parte significativa do município.

Desta forma, questionamos: será que a arrecadação pela mineração irá compensar os estragos que irão causar? 

Indaga Nayane Viana

Sarah (OcorreDiário): Você pode explicar pra gente sobre royalties repassados para as comunidades? 

Salvador: Primeiro ponto a considerar, os valores dos royalties da mineração repassado aos municípios é pequena comparada ao quando a mineradora lucra. No Brasil, a principal fonte de arrecadação pela mineração no Brasil é a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM).

Calculada sobre o faturamento líquido da empresa, no caso do minério de ferro corresponde 2%, distribuído entre o município produtor (65%), o Estado onde for extraída a substância mineral (23%) e a União (12%). 

afirma Salvador SOBRE A FALTA DE EQUILÍBRIO NA DISTRIBUIÇÃO DOS LUCROS

Em março o Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM juntamente com a Associação Territorial do Quilombo Lagoas e Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato publicaram “Nota de repúdio aos grandes projetos de mineração no Território Serra Da Capivara”. A nota afirma o seguinte : “observamos que desde o ano de 2004, quando os dados são disponibilizados, do total de 18 municípios que integram o território de desenvolvimento da Serra da Capivara apenas 09 deles receberam algum valor referente à compensação financeira. Em 16 anos, esses 09 municípios arrecadaram juntos um total de R$ 213.974,16”. Esses dados ilustram como os valores arrecadados pelos municípios são baixos. 

Segundo ponto a considerar, a principal fonte de renda dos moradores de Bonfim do Piauí consiste na associação entre a pequena agricultura familiar, criação de animais e produção de mel. Outra parte das famílias de Bonfim do Piauí são produtores de hortaliças e verduras, no entorno do Açude Bonfim, que faz do município referência na região nessa atividade. 

Comunidades prometem resistir em defesa de seus modos de vida.

Sarah (OcorreDiário): Como as comunidades convivem com a atividade mineral, quer dizer, é possível que as comunidades continuem a viver suas vida diante destes projetos desenvolvimentistas? 

Nayane: Todas essas atividades econômicas são incompatíveis em vários pontos com atividade mineral. Como por exemplo, todos os criadores de cabras, ovelhas e gado vacum dos entornos do Morro do Alto Alegre utilizam daquelas terras para criar seus animais, uma vez a mineradora instaladas esse não poderão dispor daquela área de pastagem, que inviabilizara a produção. Podemos ainda pensar nas vazanteiros que dependem da água do açude para produzir suas hortaliças.

É sabido que as mineradoras além de utilizar muita água nas suas atividades, ainda podem poluir as mesmas. Mesmo, a exploração a seco, pode trazer impactos nos reservatórios de água e afetar a segurança hídrica, a poeira gerada irá espalhar. A atividade mineradora também afeta a produção do mel, sobretudo a produção orgânica. 

Nayane sobre os impactos

Sarah (OcorreDiário): Diante de tantos impactos negativos para as comunidades, qual o argumento utilizado para defender as atividades de mineração? 

Salvador: Os defensores da mineração argumentam que a atividade mineral traz geração de empregos e renda, o que compensaria esses impactos. Contudo, os projetos minerais, em comparação outras atividades, geram pouquíssimos empregos. A própria SRN Mineração projetou que serão gerados de forma direta 06 empregos na fase de planejamento, 28 na fase de implementação e 34 na fase de operação. Além disso, são postos que exigem qualificação que os moradores das afetadas não possuem. Então, o que irá acontecer com os pequenos agricultores, criadores e produtores de mel, se sua principal fonte de renda for afetada?

Temos que pensar também nos problemas de saúde causado pela mineração, como os problemas respiratórios e cardiovasculares. Decorrente de poeiras e outras emissões atmosféricas. 

Nas cidades onde são implantados empreendimentos minerais são comuns aumento nas taxas de homicídios e roubos, isso em decorrência do aumento do fluxo de pessoas, que provoca também aumento da prostituição, exploração infantil, aumento da gravidez na adolescência e entre outros.

Os impactos não finalizam com o encerramento da atividade minerária na região. Os recursos minerais são finitos, e algum momento as jazidas vão esgotar e a empresa vai parar suas atividades. As comunidades têm que lidar com as heranças da mineração que inclui passivo ambiental, ou seja, solo degradado e improdutivo, água contaminada, doenças na população, imensas pilhas de rejeitos. Além disso, desemprego repentino, forte redução da atividade econômica e da arrecadação de impostos. 

Salvador sobre as tragédias anunciadas

Sarah (OcorreDiário): Qual a importância da sociedade civil organizada, movimentos sociais e de instituições como universidades na luta contra o impacto da mineração? 

Nayane: É importante destacar as atividades desenvolvidas pela Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, Associação Territorial do Quilombo Lagoas, Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Instituto Federal de Educação do Piauí (IFPI), como fundamentais para romper com a lógica do desenvolvimento predador e explorador da região. 

As ações dessas instituições, através dos seus professores, professoras, pesquisadores e pesquisadoras, foram fundamentais para que a população começasse a romper com o discurso do desenvolvimento pela mineração que as mineradoras e o Estado vinha propagando, uma vez que começaram a discutir com a população sobre os impactos dos projetos minerais, romper com o conto de fada da mineração. 

Importante lembrar também a atuação do MAM na região que fortalece a luta através da realização de momentos formativos com as comunidades e entre outras ações. 

Sarah (OcorreDiário): O que o Piauí precisa saber sobre a mineração em Bonfim? 

Salvador: As comunidades irão lutar contra a instalação dos projetos minerais. Porque compreendemos que não irão trazer benefícios para nosso modo de vida, pelo contrário. 

Também lutaremos para nos direitos sejam garantidos, e que a mineradora não passe por cima de nós como tem feito em outros lugares. Lutaremos para defender o Território Quilombola Lagoas. 

Sarah (OcorreDiário): Qual o posicionamento do MAM sobre a mineração? 

O MAM compreende que a mineração consiste numa atividade necessária a sociedade, uma vez que essa produz insumos à atividade industrial e agrícola. Contudo, o MAM também compreende que o atual modelo de mineração desenvolvido no Brasil beneficia apenas o capital através das grandes empresas brasileiras e transnacionais, com participação do Estado. Além disso, o atual modelo adotado traz muitos impactos para as populações que vivem próximos aos empreendimentos, em muitos casos desestruturando modos de vidas e cadeiras produtivas; destruindo vidas e o meio ambiente (lembra de Mariana, Brumadinho e muitas outros acidentes/crimes do tipo). Por isso, o MAM luta para “construir paulatinamente a proposta de um novo modelo de utilização dos bens minerais, na forma de propriedade social e em benefício de todo o povo brasileiro, que represente a soberania popular e nacional sobre todos os recursos minerais”. A construção de territórios de mineração também constitui bandeira de luta do MAM. 

**Para fins de informação: O Território Quilombola Lagoa está localizado no sudoeste do Piauí. Abrange 119 comunidades inseridas nos municípios de São Raimundo Nonato, Várzea Branca, Fartura do Piauí, São Lourenço, Bonfim do Piauí e Dirceu Arcoverde. Toda área do Quilombo Lagoas está dentro do Território de desenvolvimento Serra da Capivara. 

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