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Em meio a genocídio em Gaza, Governo do Piauí compra mais de R$ 4 milhões em armas e equipamentos de Israel

Reportagem: Luan Matheus Santana | Edição: Tânia Martins

Na última semana de maio o Governo do Estado do Piauí anunciou a entrega de R$ 4,09 milhões em armamentos e equipamentos para a Polícia Militar, incluindo fuzis ARAD 5,56mm, fabricadas pela empresa israelense Israel Weapon Industries (IWI). O investimento, realizado por meio da Secretaria de Segurança Pública (SSP), foi celebrado como avanço logístico e modernização da tropa.

O que não se ouviu dos gestores, entretanto, foi qualquer menção ao contexto maior em que esses fuzis são produzidos: Israel, o mesmo país que vem sendo denunciado por promover uma guerra de extermínio contra o povo palestino. Segundo a agência da ONU para refugiados da Palestina (UNRWA), uma criança palestina é morta a cada 60 minutos na Faixa de Gaza desde o início do massacre israelense em outubro de 2023. Já são mais de 14.500 crianças assassinadas, parte de um total que ultrapassa 45 mil mortos, a maioria civis.

Na semana passada o Estado israelense sequestrou, em águas internacionais, um barco da Coalizão Flotilha da Liberdade — movimento internacional que busca romper o bloqueio imposto à Faixa de Gaza e que tentava levar ajuda humanitária aos palestinos. A embarcação, chamada Madleen, levava a bordo ativistas de várias nacionalidades, entre eles o brasileiro Thiago Ávila e a sueca Greta Thunberg. O sequestro do grupo gerou comoção mundial, mobilizou uma onda de protestos em Paris, na França, e hoje (11/06), no Brasil, ativistas realizam uma mobilização nacional pedindo que o governo rompa relações com o estado de Israel. Informações mais recentes dão conta de que Thiago Ávila segue preso e foi enviado para prisão solitária.

Em meio a esse contexto de crimes de guerra, limpeza étnica e violações de direitos humanos, cada arma comprada pelo Estado brasileiro — e neste caso, pelo Estado do Piauí — injeta recursos públicos no complexo industrial-militar israelense. Ao destinar R$ 3,78 milhões apenas para armamento israelense, o governo piauiense não apenas ignora a tragédia humanitária em curso, mas se torna cúmplice indireto de um sistema de violência que lucra com a morte de civis, especialmente crianças, é o que acredita o sociólogo e especialista em segurança pública, Marcondes Brito.

Foto: arquivo pessoal

“Qual o argumento do Governo? Essas armas foram compradas usando o princípio constitucional da efetividade e do gasto público, porque são mais baratas do que as armas compradas no Brasil e são mais eficazes, do ponto de vista bélico e tecnológico. Por outro lado, elas são armas que financiam a guerra, são armas políticas que têm um peso enorme de sangue. Então, para um governo que defende a marca de direitos humanos e grupos trabalhistas, compactuar com a compra, de forma indireta, financia todo o processo de genocídio em curso com a população da palestina”, afirma o especialista. 

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública confirma os motivos da compra, que foi realizada “com base exclusivamente em critérios técnicos, dentro do Plano de Ação 2022 do Fundo Estadual de Segurança Pública (FESP/PI), com recursos oriundos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP)”, afirma. A secretaria esclarece ainda que o “processo de aquisição teve início em 14 de março de 2023, e a decisão pela marca e modelo (ARAD IWI) foi tomada em 16 de março de 2023, meses antes do início do conflito em Gaza, ocorrido somente em 07 de outubro de 2023”. A secretaria finaliza a nota (que você pode acessar na íntegra aqui), explicando que o “recebimento do armamento no Piauí ocorreu somente em 2025 devido aos trâmites obrigatórios de importação”.

Foto: Polícia Militar

De acordo com o Comandante-Geral da PMPI, coronel Scheiwann Lopes, a iniciativa visa reforçar a proteção dos policiais e aumentar a eficiência das ações operacionais em todo o estado, com o objetivo de fortalecer o combate à criminalidade. “Esses novos equipamentos representam esforço e muita boa vontade dos governos federal e estadual. Vários outros lotes ainda serão entregues em 2025. Aqui, na capital, na semana que vem teremos uma sequência de eventos para distribuição no interior. São mais de 150 fuzis, mais de 5 mil espargidores, algemas, munições, coletes, capas de chuva”, disse o coronel. A secretaria não confirmou se novas armas ainda serão compradas da empresa israelense.

Para Marcondes Brito, a modernização do policiamento passa também por outros aspectos, que são negligenciados pelos gestores. “30% da tropa de policiais do Brasil está com doenças mentais, tendências a suicídios, depressão. Só no 6º Batalhão, na zona sul de Teresina, foram 6 surtos nesses primeiros seis meses de 2025 e a gente não vê nenhuma política para isso”, afirma. 

A questão palestina: um histórico que não começa em 2023

Foto: Hosny_Salah

Em texto publicado pelo Ocorre Diário, em 2021, oficial de justiça Gabriel Martins, reflete o cenário de uma guerra longa, que remonta à criação do Estado de Israel, em 1948. Desde então, Israel tem impostos severas sansções ao povo palestino, controlado acesso à recursos ebásicos e enfrentado tensões constantes com seus vizinhos árabes e com a população palestina, originando uma das disputas mais prolongadas e instáveis do século XX e XXI. Abaixo, deixamos um trecho do artigo publicado:

Os conflitos no Oriente Médio se revestem de um caráter complexo para os moradores do Ocidente. Sempre com um discurso de árabes terroristas ou, quando aparecem as imagens de crianças mortas, um discurso de que onde há religião há conflito, a mídia ocidental segue mostrando informações que nos colocam em uma situação de não ter opinião, de não entender o que está acontecendo. Este é o pensamento de grande parte das pessoas que acompanham o conflito Israel x Palestina pelos telejornais. Noticiam que o grupo “terrorista” Hamas, sem ver nem pra quê, lançou foguetes sobre Israel que, por sua vez, usou o seu “direito de autodefesa” e bombardeou a Faixa de Gaza com seus aviões F-35 e pilotos treinados nos Estados Unidos.

Dessa vez, contudo, as imagens que vieram da Palestina deixaram difícil para os defensores do “direito de autodefesa de Israel” sustentar que aquilo não é um massacre feito por um exército que recebe 8 bilhões de dólares por ano como mesada dos EUA contra um exército inferior mas que também tem armas e não se entrega.

O assunto não se esgotará. Sem embargos, para avançarmos é preciso acabar de vez com o discurso hegemônico de que este é um assunto complexo ou de que os dois lados estão errados, e, assim, chamar todas as pessoas a denunciarem os horrores da guerra, que só se encerrará quando os sionistas puserem fim ao apartheid do povo palestino. O fim da guerra só será possível com uma Palestina livre.

[…]

Foto: Hosny_Salah

O Hamas, entretanto, vem aumentando o seu poder de fogo, possuindo mísseis de longo alcance que podem causar muito estrago em Israel. Esse, inclusive, foi um dos motivos que levou Israel a declarar o último cessar-fogo depois de bombardear a Faixa de Gaza por 11 dias, matando 248 pessoas, entre elas 66 crianças e 39 mulheres palestinas.

É uma guerra, e em uma guerra mesmo os vencedores saem perdendo.  Apenas a paz interessa ao mundo, e esta só pode ser alcançada se os sionistas puserem fim ao sofrimento que impingem aos palestinos na região.  

O cenário hoje é de completo apartheid social, com Israel controlando a água, energia e entrada de alimentos na Faixa de Gaza, um lugar densamente povoado e com o maior índice de desemprego do mundo. As forças policiais impedem a circulação dos muçulmanos pelo território, exigindo deles que tenham passaporte israelense para ficarem em Jerusalém, local onde sempre viveram e onde está a mesquita de Al-Aqsa, o terceiro lugar mais sagrado do Islã.

Polícia israelense expulsando palestinos que se reunião no pátio da mesquita de Al-Aqsa para rezar após a declaração do cessar-fogo, maio 2021. LEIA O ARTIGO COMPLETO AQUI!

Um contraste cruel

De um lado, um estado nordestino com graves déficits em áreas como educação, saúde e proteção à mulher e escassez hídrica no semiárido; de outro, milhões investidos em armas fabricadas por um país sob denúncias de genocídio e limpeza étnica.

Em 2025, o mesmo governo que investiu mais de R$ 4 milhões em fuzis destinou apenas R$ 5,6 milhões para toda a Secretaria da Mulher — menos de 0,03% do orçamento total.

No entanto, para as autoridades locais, o investimento em armamento de alto calibre é prioridade. E o silêncio sobre o fornecedor dessas armas parece estratégico: não há nos comunicados oficiais qualquer referência à origem israelense das carabinas ARAD. Como se o comércio com um Estado em guerra declarada contra civis não tivesse implicações éticas e políticas.

A quem interessa esse silêncio? Qual a lógica de importar fuzis de um país denunciado internacionalmente por crimes de guerra, ao mesmo tempo em que a própria população local carece de políticas públicas básicas? O Piauí, um dos estados mais pobres do Brasil, não deveria investir em paz, e não em armas?

A tragédia em Gaza é transmitida ao vivo, mas não ecoa nas salas de decisão do Palácio de Karnak. Se ecoasse, talvez o governador se perguntasse: quantas escolas cabem no valor desses fuzis? Quantos abrigos para mulheres vítimas de violência poderiam ser mantidos com os R$ 4 milhões anunciados? Quantas vidas poderíamos proteger no Estado — sem financiar a destruição de outras, lá?

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