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Encontro de Rios nordestinam Teatro Dulcina

Evocar memórias nordestinas mexe muito e com muita gente. “O que te escrevo é puro corpo inteiro”, monólogo de Vitorino Rodrigues, texto de Nathan Sousa e Direção de Wellington Júnior tem mexido com os espectadores que assistiram a peça no Teatro Dulcina, R. Alcindo Guanabara, 17 – Centro, Rio de Janeiro-RJ. Este é o último fim de semana na capital fluminense e compartihamos aqui a escrita de Marcia Pessoa, museóloga, pesquisadora e professora universitária. Ela nasceu em São Gonçalo/RJ já deu aula no Curso de Arqueologia da UFPI, encantou-se com a peça e materializou em texto as memórias e emoções que desaguam aqui a partir de referências nordestinas do Encontro dos Rios (Parnaíba e Poti) em Teresina (PI) que encontra o Rio de Janeiro ávido por nordestinidades.

“O corpo é repleto de memórias e histórias de nossos momentos vividos e emoções , dando continuidade ao que nossos ancestrais percorreram em suas vidas.

No decorrer da cena, palavras são ditas, pensadas , sentidas, fazem parte de marcas refletidas do corpo, fluidas do inconsciente como sonhos, desejos, emoções, traumas, experiências , criatividades, arte e poesia.

São como patrimônio da humanidade, onde está inserida toda nossa história na memória coletiva e arquetípica.

Pierre Nora, historiador francês, dizia que se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos necessidade de lhe consagrar lugares. Cada gesto e emoção se apresentam como uma identificação carnal dos atos e dos sentidos.

A memória é vida, carregada da dialética das lembranças e do esquecimento (Halbwachs)

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea.

Elas se constroem ou não, quando vivenciamos e experienciamos a vida pelos sentidos: audição, olfato, paladar, visão, ou pelos sentimentos : prazer, dores, traumas, alegrias, tristezas, ou pela sociedade: tragédias, adversidades climáticas, fome, imigração migração, perdas etc.

No texto distribuído à plateia fala de história, memória e ancestralidade. Momentos de criação literária, cujo uso das palavras de forma múltipla e incessante, denotam a confluência dos pensamentos, emoções e questões contadas pelo coração nordestino de forma poética, triste e saudosa.


Conta sobre a Porciana , mulher que teria sido a primeira a pôr os pés nas glebas para constituir a sociedade ; da morte e derramamento de sangue de seu marido que a deixara sofrer até o fim de sua vida. O cheiro ( olfato) de sangue marcado em sua memória como um episódio jamais esquecido e que a fez mudar de cidade com os filhos na intenção de que tudo fosse “esquecido”.


Como esquecer tal experiência impregnada de dores e memórias até olfativas? Essas “memórias subterrâneas” , parecem “fabulas esquecidas” , mas elas continuam residindo
lá no inconsciente, como o carvão vivo de calor e vermelhidão, engana o desavisado
quando o vê sob cinzas.


A Porciana é representada como uma ancestral de todos nós. Que “caminha léguas pela natureza espinhosa do cerrado”. Não seria uma alusão aos caminhos percorridos por nós após uma longa caminhada solitária e espinhosa?


Refere-se a carne seca, farinha e água como único alimento na caminhada. Seria só do sertanejo ou de todos aqueles como “os professores “ , muito citados nas falas, que sofrem com a dignidade da resiliência e com os “espinhos” de uma sociedade caótica? Outra história contada por um velho venezuelano que morava perto de uma aldeia indígena e sobre um filho morto, cujos despojos e pertences são colocados na porta de uma anciã. Então ele reflete : a “morte une os que carregam suas sobras. Pelo menos agora sei onde minha dor nasceu”. Doeu em mim , doeu em nós. Foi muito forte e denso.


Me lembrei do psicólogo e psiquiatra Carl Jung, que disse: “assim como o corpo humano representa um ‘museu de órgãos’, cada um com um longo período evolutivo por trás dele, deve esperar que a mente também esteja organizada desta forma”. E ainda enfatiza que o inconsciente coletivo é o centro de todo aquele material psíquico que não surge a partir da experiência pessoal. Seu conteúdo e imagens parecem ser compartilhados por pessoas de todas as épocas e culturas, enquanto o inconsciente
pessoal envolve o passado e memórias de cada indivíduo.

Essa minha dor densa e forte é a do sertanejo, do avô contador de histórias, dos professores, dos escritores, da Porciana, do venezuelano, da aldeia indígena, do menino morto e de todos nós!

O lirismo e a poesia não faltaram nesta peça que apesar de despertar sentimentos profundos de nossa terra, evoca saudades com a canção “Luar do Sertão”, de Catulo da Paixão, cantada belamente por Marlene Dietrich e por toda a plateia. Palmas pra esse brilhante espetáculo teatral que nos despertou tantas emoções!!!”

Texto: Márcia Pessoa/ Fotos: Martins Victor e Carlos André/ Edição: Vicente Vince

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