Eu lembro que uma vez tive uma única aula de balé na escola pequena mas privada, do meu bairro. Era uma escola de bairro de periferia, e eu lembro que foi a única aula de dança que tive durante o tempo em que estudei: entre os anos de 1994 a 2002. Uma escola que foi derrubada pra construção de uma grande loja de departamentos da oligarquia local. Lembro desse fato por estar aprendendo nessa trajetória como colaboradora da comunicação popular com os próprios movimentos da diáspora uma coisa importante para as diversas culturas de matriz africana: o de falar a partir da sua própria história.
Me marcou muito que trocamos de roupa de farda e na hora de pegar de volta das roupinhas rosa de balé, eu não encontrei minha farda e vesti a de outra pessoa, bem mais larga que eu e visivelmente com um cheiro que não era meu. Eu tinha gostado por ter sido a única aula de dança que pude cursar em 9 anos de escola tradicional. Não teve continuidade da primeira aula e nunca sabemos o motivo. Ficou só a promessa distante de aprender o que era na época o sonho de toda criança: ser leve como uma bailarina.
20 anos depois, eu adentro uma grande Escola de Dança do Piauí que é referência no ensino do balé. Mas dessa vez não estou lá para ficar na ponta dos pés. Muito pelo contrário: reconectei meu corpo com o chão de uma forma inesquecível e aprendi com esse mesmo corpo que existe danças da terra além de danças do céu. Logo depois de subir a escada em caracol com as caveiras dançantes do artista Arthur Doomer, eu passo pela porta de vidro e encontro uma roda de pessoas sentadas nesse chão-conexão.
Eu e as pessoas ao redor esperamos mais gente chegar. Com um pouco de atraso, quem era pra estar veio na aula inaugural de Danças Afro-Brasileiras da Escola Lenir Argento, ministrada por Artenilde Soares e Júnior Sil. Já os conhecia de outros carnavais colaborando pontualmente com algumas ações do grupo Afoxá, que ambos cuidam até hoje. Foi um prazer reecontrá-los na encruzilhada da vida nesse momento político-cosmológico em que vivemos, resignificando toda a minha trajetória através da dança afro-centrada até então. Considero que foi um movimento de dança também: a Sankofa, o pássaro que olha para trás pra poder seguir adiante.
Nos apresentamos uns pros outros e depois de dizermos quem achamos que somos, fomos pra prática. Junior Sil é um professor intenso, didático e paciente e nos passa os fundamentos não só de passos coreografados, mas de toda a fundamentação não só técnica como teórica da cosmologia afro-diaspórica onde a dança não se resume somente a espetáculo, apesar de cênica é sobre tecnologias ancestrais em diáspora. Para além disso, não há como eu descrever com exatidão tudo que aprendi: por isso convido você que me lê a viver essa experiência nos próximos sábados desse 2022 difícil, sempre a partir das 9h da manhã, na Escola de Dança Lenir Argento, localizada dentro do Centro de Artesanato, na Praça Pedro II. No centro de Teresina, capital do Piauí.
Texto e Imagem: Ludmila Nascy, jornartista, umbandista e ativista popular.
Comments (1)
Entre danças do céu e do chão: sobre abertura de caminhos da Dança Afro-Brasileira na Escola de Dança Lenir Argento – RNCDsays:
29 de setembro de 2022 at 2:57 PM[…] Publicado originalmente em Ocorre Diário. Para acessar, clique aqui. […]