Com desfiles cívicos e militares pelas principais avenidas das cidades do Brasil, adultos, jovens e crianças marcharam neste 7 de Setembro em uma celebração à independência da nação. Do alto dos palanques, gestores públicos acompanharam um espetáculo fruto de dias de ensaios e treinamentos para que tudo fosse perfeito, organizado, ‘civilizado’. Feito de modo mecânico, pouco se reflete sobre as celebrações exaltadas pelos desfiles. Que independência estamos, de fato, comemorando?
Essa data é marcada como a data oficial do Grito de Independência do Brasil à Portugal. Foi nesse dia, em 1822, às margens do Rio Ipiranga (São Paulo), que Dom Pedro deu um grito que foi reproduzido pelos principais livros de histórias no Brasil: “Independência ou Morte”. Mesmo muitos historiadores não tendo certeza sobre o grito de Dom Pedro, essa frase foi incansavelmente reproduzida e ensinada aos jovens estudantes, como marca da nossa independência.
No entanto, por uma quase “ironia do destino”, a história oficial tenta nos convencer que o Brasil tornou-se independente de Portugal apenas pelas mãos de um português. Um português da família real. A mesma família responsável pela escravização de povos indígenas e africanos, pela tentativa de aculturação dos povos e exploração dos recursos naturais e humanos do Brasil.
De acordo com o professor de história, coordenador do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) e da Seção Sindical dos Docentes da UESPI (ADCESP), Gisvaldo Oliveira, o Brasil se tornou independente apenas no papel, mas não na prática essa independência não aconteceu.
“O que ocorreu em 1822 foi somente uma desvinculação, em termos de exclusivo comercial, da metrópole portuguesa em relação ao território brasileiro. A herança escravocrata se manteve intacta. Nossa economia e estruturas políticas continuam até hoje, em pleno século XXI, reféns do capital estrangeiro. Não dá para falar de independência em um país cuja tônica é a negação de direitos”, frisa o professor.
O último a abolir a escravidão
Outro ponto importante é que o Brasil foi o último pais das américas a “abolir a escravidão”. Somente em 1888, há apenas 135 anos foi sancionada a abolição da escravatura no Brasil, exatamente 66 anos depois do tão famoso “Grito da Independência”.
O fato da independência do Brasil ter se dado, em termos oficiais, pelas de Dom Pedro I, um príncipe português, teria influenciado a tardia abolição da escravatura no Brasil. Pelo menos é o que acredita o professor e historiador Gisvaldo Oliveira.
Para ele, “a lógica da “independência” de 1822 não era de mudança na estrutura sociopolítica do país, mas de salvaguardar os privilégios da elite escravocrata. Por isso a permanência de longa duração do regime escravocrata, que constituía o alicerce da elite nacional. Mesmo após a abolição formal, em 1888, a posição atribuída às pessoas negras foi a marginalização social”, afirma.
As independências múltiplas do Brasil
De acordo com o historiador Luís Carlos Albano a própria historiografia não trabalha mais com uma só independência do Brasil. ”A gente trabalha hoje com a ideia de independências múltiplas. Mesmo a nível nacional não existia um projeto único e coeso, existiam projetos que disputavam um espaço de poder. À medida que os acontecimentos foram tomando certos rumos, esses projetos iam se agrupando e terminou acontecendo a independência como conhecemos hoje”, explica o historiador.
O Piauí foi um estado que teve papel importantíssimo nesse processo de independência do Brasil. De acordo com Luís Carlos, ele começa com uma ideia de independência econômica em relação a Portugal. “O Piauí destacou a questão do comércio, eles pediam um comércio livre, um trânsito direto entre Parnaíba e Lisboa”, frisa Luís.
Para o historiador, afirmar as múltiplas independências não significa que não houve um projeto maior de afinidade nacional. “O que quero dizer é que quando o grito do Ipiranga chegou aqui, ele esbarrou exatamente nos projetos locais, nas vontades das elites locais. Então ele foi adaptado, ajustado, até chegar nesse formato final,” complementa.
O Brasil ainda é um país dependente
O Brasil, depois do grito da independência, teve que assinar o Tratado de Paz e Aliança, que pedia uma indenização de dois milhões de libras esterlinas. A independência de 1822, como declarado, manteve a escravidão, não alterou a estrutura agrária brasileira e acabou servindo para fortalecer ainda mais os invasores de terra, dando a cada proprietário privado uma patente de coronel e o direito de formar milícias locais. Com isso, seguiram assassinando indígenas, escravizados e esmagando oposições da classe trabalhadora.
O professor de história da rede municipal e estadual de educação, Gervásio Santos, também afirma que não houve de fato uma independência. “No contexto atual e da época, não houve independência alguma. O Brasil ainda é, dentro da divisão mundial do trabalho, um país dependente. Ele nunca foi dependente só de Portugal, mas fundamentalmente da economia inglesa da época”. Gervasio conta que a única libertação que houve foi a libertação política de Brasil a Portugal. “Econômico, social e cultural o Brasil ainda é dependente de todas as estruturas, sejam elas portuguesas ou inglesas”, afirma o professor.
Para Gisvaldo Oliveira, o atual contexto político e social do Brasil torna impossível falar em independência. Historicamente é o povo que paga a conta, e sempre pagou. “Não é possível independência com milhares de pessoas passando fome ou desempregadas, sem acesso à moradia e a educação pública de qualidade, sem demarcação dos territórios indígenas e quilombolas. Portanto, a concretude da vida demonstra que não houve e não há independência”, finaliza.
O dia 07 de setembro não é um dia de celebrações, deveria ser um dia para olhar atentamente as mazelas do Brasil e encarar a verdade, de quem em 1822 a única independência alcançada foi a da política de Portugal, e que mesmo a mais de 200 anos depois, o Brasil não é independente, mas se é, fica o questionamento: Independente para quem?
Texto: ADCESP (Luany Sousa)
Comments (1)
Vanderleia Pereira da Silvasays:
7 de setembro de 2023 at 7:00 PMExcelente matéria, precisamos estarmos colados aos que mais precisam,aos que passam fome,fome de moradia,fome de educação, fome de saúde, nas lutas contra o feminicídios ,denunciando estando por justiça e pelo fim do mesmo.