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Redação Ocorre Diário e Centro de Defesa Ferreira de Sousa
“Eu preciso dizer para as autoridades que eu tô viva”. Quando Paloma do Amaral disse essas palavras, ainda em setembro de 2023, ela nem imaginava que dois meses depois, seria brutalmente assassinada com pauladas na cabeça. Paloma era uma travesti negra que lutou para ter moradia digna e trabalho, era um corpo preto que teimou em viver, até onde pôde. Neste sábado (30/11), Paloma renascerá, mais uma vez, teimando em estar viva mesmo quando lhe querem morta. A inauguração do Memorial Paloma Amaral, na zona norte de Teresina, será um espaço de ocupação popular em defesa dos corpos trans, pretos e periféricos da capital.
A equipe do ‘Ocorre Diário’ conversou com Paloma meses antes da sua passagem (em 2023) e hoje, nesta reportagem especial, traz detalhes dessa entrevista.
Em meio às comemorações do Julho das Pretas de 2021, Paloma Amaral foi mantida presa dentro do porta malas de um carro e submetida a espancamento e tortura por um grupo de homens, no bairro São Joaquim, zona norte da cidade. O mais estarrecedor é que o caso aconteceu na presença da Guarda Civil Municipal de Teresina, que nada fez para evitar as agressões. O caso foi amplamente repudiado por organizações da sociedade civil, movimento trans e movimentos sociais. Agora, o caso está sendo investigado pelo Ministério Público do Piauí.
Na época (2021), ela disse: “Cai nas garras do Estado. Eu vivo num estado de não ter emprego, eu apanhei da população… eu preciso de uma ajuda, de um abrigo. Eu preciso de ajuda, eu tô passando necessidade, muita fome” disse.
Paloma foi assassinada pelo Estado. O mesmo Estado que condena seu modo de vida, que não assegura condições mínimas de sobrevivência, emprego e moradia. O mesmo estado que matou Paloma, condena todos os dias milhares de outros corpos pretos espalhados pelas ruas de Teresina.
Quando conversamos com Paloma, em setembro de 2023, muitos portais e jornais da cidade estavam noticiando a sua morte. Maria Lúcia Oliveira é mãe de santo e amiga de Paloma desde a adolescência, ambas são do Bairro São Joaquim. E para Lúcia as notícias de que Paloma foi morta significa, a espetacularização da morte do povo preto. “Ela me ligou dizendo ‘Lúcia me mataram de novo’. O que é isso? É a terceira vez que sai notícia de que a Paloma morreu. Agora, o que é ser informada de que você morreu? Isso é racismo. Para a ‘mídia pinga sangue’, os corpos pretos são todos iguais”, afirma Lúcia, que também é presidenta do Centro de Defesa Ferreira de Sousa.
Paloma, sabia que precisa dizer que estava viva. “Esse pessoal toda vez fica me mostrando no face que eu tô morta. Eu preciso dizer para as autoridades que eu tô viva. Porque morreu uma travesti aí, aí jogaram dizendo que eu que tinha morrido. Queria pedir para ser ouvida pelo amor de Deus”, afirmou.
Nessa mesma entrevista, Paloma pediu justiça. “Eu me chamo Paloma. Eu fui aquela travesti que foi espancada e altamente violentada em 2021, por aquelas três pessoas que me jogaram no bagageiro do carro. E eu quero justiça, eu quero que a justiça trabalhe por isso”, disse.
A Justiça nunca chegou
Já se vão quase 4 anos desde que Paloma foi tortura e um ano depois do seu assassinato, a justiça que Paloma um dia sonhou, nunca chegou.
Quando foi torturada em 2021, o processo (Nº 0842365-94.2021.8.18.0140) da 48ª Promotoria de Justiça de Teresina-PI confirmou as agressões e torturas. “De acordo com o apurado, na manhã do dia 19/07/2021, por volta das 10h30min, a vítima encontrava-se nas proximidades da Ponte Poty Velho, quando foi abordada e levada no banco traseiro de um carro até o residencial Parque Brasil, ocasião em que fora submetida a agressões físicas e humilhações verbais”. E complementa, “em razão de ser acusada de furto de objetos”.
No processo constava denúncia de que foi amarrada pelo pescoço e agredida com ripa (pedaço de pau). Além disso, nos autos diz-se que em dado momento se aproxima um Guarda Municipal e afirma “Amara, é tu, essa não vale nada, pode jogar no rio. Que jogaram spray de pimenta e algemaram a declarante (…)”.
São acusadas 3 pessoas, uma mulher e dois homens. A mulher afirma que não a agrediu fisicamente e só a colocou no porta malas porque a população queria agredi-la. Mas ambos os homens confessam ter agredido fisicamente Amaral para que confessasse o furto de objetos da mulher denunciada. A fundamentação do processo aponta crime de tortura e sequestro. “A materialidade e os indícios robustos de autoria dos crimes previsto no art.1°,I c/c art.1,§4°, III, da Lei dos Crimes de Tortura (Lei 9.455/97) e art. 148,§2° do CP (sequestro qualificado), são fornecidos pelo Laudo de Exame de Corpo de Delito, junto com os vídeos, termos de declaração da vítima, testemunhas e dos próprios investigados, que relataram para a autoridade policial a prática dos delitos”.
O silêncio se mantém, um ano depois da sua morte
Daqui 15 dias completaremos um ano sem Paloma. Um ano do seu brutal assassinato. Um ano sem respostas, sem culpados, sem punições. Um ano de impunidade. Procuramos a assessoria do Tribunal de Justiça, que afirmou não haver processo público em nome de Paloma, a menos que o processo esteja correndo em segredo de justiça. Nossa reportagem também procurou a Polícia Civil, mas ainda não tivemos retorno.
O Memorial PALOMA AMARAL será inaugurado neste sábado.
Neste sábado, dia 30 de novembro, movimentos sociais e populares convidam para festejar o Novembro Negro. A inauguração iniciou às 8h da manhã com apresentação do espaço físico do Memorial Paloma Amaral e café da manhã comunitário.
“Logo após faremos um multidão de limpeza e intervenção no espaço. Convidamos a todes moradores de Teresina para participar dessa grande ação. Sempre foi nós por nós. Construindo os nossos museus”, afirma Maria Lúcia Oliveira.
O Memorial irá funcionar na Rua Balsas, bairro Matadouro, em frente à Escola Municipal Joel Ribeiro.
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