Raquel Rolnik, autora do livro ‘Guerra do Lugares’ e ex-relatora da ONU pelo Direito à Moradia, recebe do Centro de Defesa Ferreira de Sousa um dossiê contendo as denúncias de violações aos Direitos Humanos durante a implantação do Programa Lagoas do Norte, o qual será encaminhado para a atual relatoria das Nações Unidas. Por equipe do OcorreDiário.
Há mais de uma década que o Programa Lagoas do Norte – PLN vem sendo implantado na zona norte de Teresina. Ao longo deste tempo, a execução do projeto seguiu acompanhado por uma série de denúncias de violações aos Direitos Humanos, principalmente relacionados ao Direito à Moradia.
Em 2008, quando a Prefeitura Municipal de Teresina, ao iniciar o PLN, anunciou os planos de remoção de aproximadamente 3.200 famílias da zona norte, criou-se o Centro de Defesa Ferreira de Sousa – entidade de defesa dos moradores em risco de despejo. Desde então, a entidade tem atuado pela garantia dos direitos das comunidades que vivem no território das Lagoas do Norte de Teresina.
Nesta semana o Centro de Defesa esteve em São Paulo em reunião com a ex-relatora Especial pelo Direito à Moradia Adequada da ONU, a urbanista Raquel Rolnik, que também coordena o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da USP e que se somou à luta em defesa das famílias atingidas pelo Programa Lagoas do Norte. Na ocasião foi entregue um dossiê sobre as violações causadas pelo PLN e firmado o compromisso de levar à denúncia à atual relatoria da ONU.
A Relatoria Especial para o Direito à Moradia Adequada da ONU é atuante desde o ano 2000. Esse órgão tem as funções de examinar, monitorar, aconselhar e relatar a situação do direito à moradia no mundo e, também, de promover a assistência a governos e a cooperação para garantir melhores condições de moradia e estimular o diálogo com os outros órgãos da ONU e organizações internacionais com o mesmo fim. A atual relatora é Leilani Fahra.
Raquel Rolnik é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Urbanista, foi Diretora de Planejamento da cidade de São Paulo e consultora de cidades brasileiras e latinoamericanas em política urbana e habitacional. Foi também Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades entre 2003 e 2007. É autora de livros e artigos sobre a questão urbana e foi Relatora Internacional do Direito à Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos da ONU (2008-2014).
A seguir o link do artigo escrito por Rolnik em seu site e a íntegra do texto publicado.
Banco Mundial e Prefeitura de Teresina ameaçam destruir modos de vida tradicionais
A zona norte da cidade de Teresina está em conflito. Desde 2008 a Prefeitura Municipal da cidade lançou um mega projeto de revitalização urbana, o Programa Lagoas do Norte – PLN, financiado pelo Banco Mundial. São mais de 800 milhões de reais sendo executados pelo Programa envolvendo 13 bairros e afetando diretamente quase 100.000 pessoas, 10% da população da cidade.
Nessa mais de uma década de implementação do projeto, pelo menos 1.000 famílias já foram removidas e, até 2021 (prazo em que se encerra o Programa), outras 2.200 devem também ser deslocadas. Para além dos deslocamentos, são também questionáveis as soluções apresentadas de saneamento e drenagem. Estes processos têm sido acompanhados por denúncias de violações do direito à moradia, já que as soluções propostas não levam em consideração a natureza do lugar e seus habitantes.
Ali vivem – e inclusive preexistem à própria implantação da capital – diversas comunidades tradicionais e ribeirinhas: são pescadores, oleiros, rezadeiras, vazanteiros, praticantes de Bumba Meu Boi e povos de terreiros com mais de 400 lugares de culto afro brasileiros. Estas comunidades sempre viveram às margens dos rios e lagoas e suas vidas estão em sintonia com o ciclo das águas. Entretanto, estas mesmas formas de morar hoje são marcadas como “áreas de risco” e fadadas a desaparecer.
Na implantação do PLN é evidente o contraste entre duas lógicas de cidade, marcadas pela distância que existe entre os planos de (re) vitalização urbana, em projeto contratado pelo poder público e elaborado por um escritório europeu, e os desejos da população moradora no território local, que denuncia as poucas oportunidades que teve de participar de forma propositiva, a partir de suas linguagens.
Território popular e autoconstruido, a região em questão é o último pedaço de terra ainda preservado no perímetro urbano teresinense, próximo ao Centro e da zona nobre da cidade, sendo hoje um grande objeto de desejo para a expansão do mercado imobiliário.
O painel de inspeção do Banco Mundial, mecanismo importante de ouvidoria do Banco, foi acionado para que, a partir da iniciativa do próprio Banco, estes procedimentos sejam mudados e o projeto rediscutido. Um projeto que anuncia sustentabilidade ambiental e melhoria da qualidade de vida de quem vive ali teria que, no mínimo, levar em consideração suas vozes.
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