
Por Coletivo Antônia Flor e Ocorre Diário
Neste 08 de Março de 2025, Dia Internacional da Mulher, o Coletivo de Advogados Populares “Antônia Flor” e a Plataforma de Comunicação Popular e Colaborativa “Ocorre Diário”, trazem o registro de doze perfis de mulheres do estado do Piauí que buscam o bem viver de suas comunidades coletivizadas. Por meio do cultivo à ancestralidade, da luta direta e do florescimento da terra, elas constroem e deixam legados de vida, história, memória e patrimônio. Em meio a diversos casos de feminicídio que continuam a assolar o país e a vida das mulheres, Chicas, Marias, Terezas, Flores e Trindades buscam diariamente deixar marcado na história que ser mulher é carregar um território sagrado.
VIVAS:
1. Chica Lera – Francisca Rodrigues dos Santos, nasceu em Buriti dos Lopes-Pi, e em Esperantina iniciou sua trajetória como quebradeira de coco babaçu e destacou-se como liderança do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Sua história é marcada pela resistência e pela luta incansável pelo direito à terra e ao livre acesso ao babaçu, fonte de sustento para muitas mulheres e suas famílias. Um verdadeiro símbolo de força, determinação e coletividade.

2. Maria Rosalina dos Santos, conhecida como Maria do Povo, nasceu em 1964 no Quilombo Tapuio, em Queimada Nova (PI). Na adolescência, tornou-se presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, iniciando sua trajetória na defesa das mulheres agricultoras e da comunidade quilombola.

Foi vereadora por dois mandatos, coordenadora estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí e hoje integra a Coordenação Nacional de Articulação dos Quilombos (CONAQ) e CECOQ, instituição que articula e mobiliza as comunidades de Quilombos em todo Estado do Piauí. Uma das principais lideranças quilombolas do estado, dedica sua vida à luta por direitos e pela regularização fundiária dos territórios quilombolas.
3. Mãe Lúcia de Iansã é Maria Lúcia Oliveira Sousa, mulher negra quilombola e ribeirinha, nasceu e vive no território Entre Rios (região de Teresina – PI e Timon – MA), é sacerdotisa de umbanda, liderança comunitária e matrigestora do Museu Vivo da Resistência Boa Esperança e Memorial Casa Professora Maria Sueli Rodrigues. Mãe Maria Lúcia é técnica em segurança do trabalho, defensora e comunicadora popular, trabalhou nas vazantes e nas extintas olarias do Rio Poty. Foi candidata a co-prefeita de Teresina, tem uma atuação ativa e dedicada aos movimentos populares não só de Teresina, mas de todo o Piauí. É uma referência na defesa do direito à cidade, aos territórios, no respeito à ancestralidade, à vida e liberdade da população negra, às mulheres e às comunidades de terreiro. Mãe Lúcia é um exemplo de matripotência!

4. Lucineide de Barros Medeiros, é Pedagoga, Professora da UESPI, Educadora Popular, ativista dos Direitos Humanos, militante ativa dos movimentos sociais, compõe a Diretoria sindical dos docentes da Uespi – Adcespi. Lutadora histórica da luta por moradia, esteve durante muitos anos à frente da Associação de Moradores do Bairro Buenos Aires e da Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí (FAMCC/PI). Foi uma entre as milhares de mulheres que se ergueram contra a ausência de políticas de habitação em Teresina na década de 90 e fundaram a Vila Irmã Dulce, uma das maiores ocupações da América Latina. Hoje é educadora popular e professora doutora na Universidade Estadual do Piauí – UESPI, onde levanta a bandeira em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade.

ENCANTADAS
5. Auriana Cabral Sousa (1964-2015), foi uma assistente social, feminista, estudiosa dos temas da sexualidade feminina e militante política da União Mulheres do Piauí – UMP.
No início de sua trajetória de luta, Auriana atuou na defesa dos modos de vida das comunidades tradicionais rurais do semiárido piauiense e da agricultura familiar. Em virtude de uma complicação decorrente de uma diabetes agressiva, durante sua primeira gravidez, Auriana perdeu a visão, assim como sua filha. Mais adiante, em meio a muitos processos dolorosos de saúde foi mãe novamente, e a alegria de ter gerado seu segundo filho veio infelizmente com a paralisia das suas funções renais o que a tornou paciente renal crônica. Ainda assim, Auriana lidando com um tratamento delicado de hemodiálise, reinventou-se e organizou-se na luta pelos direitos das pessoas com deficiência e hemofilia.

Foi militante ativa da Associação dos Cegos do Piauí – ACEP, espaço por meio do qual desenvolveu muitos projetos visando o reconhecimento dos direitos das PCD´s. Na busca pelo direito de inclusão, Auriana, superando barreiras, foi aprovada em concurso público e assumiu os cargos de assistente social do Estado do Piauí, onde atuou na Secretaria de Assistência Social e Cidadania – SASC e assistente social do Município de Teresina. Também participou de projetos artísticos como no teatro no qual participou da encenação da peça “Coisas de cego” e de projetos que visavam a preservação do meio ambiente e sustentabilidade por meio da coleta seletiva de papel. No ano de 2016, o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em sua homenagem instituiu o Projeto “Auriana Cabral” o qual tem por finalidade promover a destinação responsável de papeis inservíveis. Auriana Cabral segue viva em seus feitos e é exemplo de luta, resistência e fortaleza.
6. Dona Tereza é Tereza de Jesus Souza Santos, nasceu em 1939, no município de Barras – PI. Mãe de seis filhos, sempre foi reconhecida pela solidariedade, fazia remédios caseiros, era parteira, poetisa, trabalhadora rural e líder comunitária.

Fez parte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais em Barras, era filiada à FETAG, atuou junto a CPT-PI e a CUT. Parceira também do movimento de quebradeiras de coco, em Esperantina-PI, foi fundamental na conquista pela terra da sua comunidade, o assentamento Curral Novo, na zona rural de Barras, em uma disputa que iniciou em 1988 com a ocupação das terras e se encerrou em meados de 1996, com uma sentença favorável à comunidade após longa batalha judicial. Junto a outros trabalhadores rurais, contribuiu para a luta de diversas comunidades. Dona Tereza faleceu aos 73 anos, pouco mais de um mês após a perda repentina de uma neta com 23 anos de idade, o que a abalou profundamente. Dona Tereza deixou um legado de luta e amor, jamais esquecido por quem a conheceu.
7. Antônia Flor é Antônia Maria da Conceição, foi uma mulher camponesa, trabalhadora rural e rezadeira. Foi uma das primeiras mulheres a se filiar ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piripiri. Ela e sua família viviam como posseiros na Comunidade Gameleira, zona rural de Piripiri, por mais de 50 anos, quando o proprietário da terra resolveu vender a área. Antônia Flor reivindicava o direito de continuar no local e no dia 1º de dezembro de 1984, aos 94 anos, foi assassinada por um pistoleiro enquanto preparava o almoço, a mando de um fazendeiro. Antônia Flor se tornou mártir da luta pela terra e o dia 1º de dezembro tornou-se o Dia Estadual de Luta pela Reforma Agrária no Piauí.

8. Maria Sueli. Professora, Socióloga, Advogada, Militante, Ativista em prol da terra e pelas vidas das mulheres, Maria Sueli Rodrigues de Sousa nasceu em 15 de junho de 1964. Ainda criança, trabalhou em residências como doméstica, em situação análoga à escravidão. Já na adolescência, migrou para Boa Vista (RR). Porém, o amor pelo semiárido e pela sua avó Andrelina, que a criou, a fizeram voltar para o Piauí, onde passou no vestibular para Letras. Antes mesmo de se formar, tornou-se professora de escolas da elite piauiense e se filiou ao SINPRO-PI, participando da diretoria do sindicato. Nessa época, era mãe de duas meninas pequenas, dona de casa, cuidava da família toda, cursava Letras e Ciências Sociais, foi uma das fundadoras do PT no Piauí e construía a União de Mulheres Piauienses – UMP. Formou-se em Ciências Sociais pela UFPI e, posteriormente, em Direito, pela UESPI. Tornou-se Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFPI e Doutora em Direito, Estado e Constituição pela UnB.

Sua trajetória profissional, seja como socióloga ou como profissional do Direito, sempre esteve relacionada às lutas dos movimentos sociais, do campo e da cidade. Foi professora da UESPI e, em seguida, da UFPI, onde criou o Grupo de Estudo Pesquisa e Extensão DiHuCi – Direitos Humanos e Cidadania. Além disso, participou e coordenou o IFARADÁ (Núcleo de Pesquisa Sobre Africanidades e Afrodescendência). Com a criação do DiHuCi, Professora Sueli deu luz ao Coletivo Antônia Flor, na luta por Justiça Social, junto com estudantes e amigos. Entre os anos de 2016 e 2018, Sueli presidiu a Comissão da Verdade da Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Piauí e foi fundamental para o reconhecimento de Esperança Garcia como a primeira advogada do Piauí.
Foi secretária da Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão Negra, experiência importante para que pudesse ser difundida a história de Esperança Garcia perante o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, e que, por consequência, hoje seja reconhecida nacionalmente como advogada. Em 2018, candidatou-se ao governo do Estado e em 2020, à vereadora, em uma candidatura coletiva pelo PSOL. Em meados de 2021, a professora e advogada Sueli foi diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica na forma Bulbar Progressiva e em julho de 2022, tornou-se ancestral, deixando um legado imensurável de amor e luta pelo bem viver.
9. Francisca Ribeiro Brás, carinhosamente conhecida como Santinha, nasceu em 10 de novembro de 1938, na comunidade Baixão Fundo, em São Raimundo Nonato, no Piauí, hoje pertencente ao município de Bonfim do Piauí, mas mudou ainda novinha com toda a sua família para a comunidade Lagoa da Firmeza, onde viveu até sua partida. Era a décima terceira filha de uma família numerosa e amorosa. Mulher de muitos talentos e ofícios, Santinha dedicou sua vida ao trabalho e à fé. Agricultora, lavradora, costureira, benzedeira e rezadeira, tinha um dom especial: suas orações curavam cisco nos olhos, e muitos recorriam a ela em busca desse alívio.

Mas sua sabedoria ia além da fé—era uma exímia contadora de histórias, encantando a todos com causos, versos e poesias. Quem não se lembra do famoso “Caso do Pavão Misterioso”? Em tempos em que a energia elétrica ainda não havia chegado à comunidade, era na calçada de sua casa que as pessoas se reuniam ao redor do fogo para ouvir suas narrativas fascinantes. Suas palavras transportavam os ouvintes para tempos antigos, misturando contos de Trancoso, relatos da vida real e romances populares. Seu legado para a comunidade quilombola de Lagoas foi imenso.
Santinha ajudou a construir a história do território, deixando um testemunho valioso no relatório antropológico que documentou a vida e a cultura da região. Muito devota da Alma da Tia, no qual relata essa história de fé e devoção da região no relatório. Dona de um coração imenso, Santinha sempre teve sua casa como um lar acolhedor. Parentes, amigos e sobrinhos encontravam ali um refúgio de amor, um café quentinho e uma palavra de conforto. Sua generosidade e alegria eram marcas registradas, tocando profundamente aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-la.
Autor: Salvador Viana
10. Francisca Trindade foi uma Mulher negra que destacou-se no Piauí como importante e potente liderança na luta pelos direitos de cidadania e justiça. Filha de Raimundo Pereira da Trindade e de Lídia Maria da Trindade, nasceu em Teresina, em 26 de março de 1966 e sempre teve o bairro Água Mineral, zona norte da cidade, como seu lugar de vivências e militâncias. Mãe orgulhosa de Camila Kissy e Yan Kalid. Atuou como professora, iniciou sua participação na militância católica, na Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP), da Arquidiocese de Teresina.
Fundou e presidiu a Associação de Moradores do Bairro Água Mineral. Posteriormente atuou na criação da Federação de Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí-FAMCC, resultando em ativa atuação na organização da Articulação Nacional do Solo Urbano, onde foi representante do estado na Central Nacional de Movimentos Populares. Assumiu a militância partidária em 1985, quando se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT). Nas eleições de 1992 disputou uma vaga na Câmara Municipal de Teresina na legenda petista e ficou como primeira suplente.

Em 1995, assumiu o mandato no lugar de Wellington Dias, e em outubro de 1996 conseguiu eleger-se vereadora. Nas eleições de outubro de 1998 elegeu-se deputada estadual pelo PT, sendo a mais votada em Teresina e a quinta mais votada em todo o estado. No pleito de outubro de 2002 foi eleita deputada federal com 165.190 votos, então a maior votação da história do Piauí. Tomou posse em fevereiro de 2003 e tornou-se primeira- vice-presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior. Faleceu em pleno exercício do mandato, no dia 26 de julho de 2003, em São Paulo.
Em meio a toda essa trajetória, seus passos também marcaram uma intensa participação no movimento negro e de mulheres, onde foi uma das fundadoras do Grupo Afro Cultural “Coisa de Nêgo”, em Teresina, em 1990. Essa presença marcante como mulher negra, contribuiu significativamente para dar visibilidade às discussões em torno das questões étnico- raciais, trazendo ao cenário local uma maior participação de lideranças negras, inspiradas por sua história de vida.
Sua incansável luta no movimento de moradia, possibilitou-lhe uma maior consciência de classe, gênero e raça, onde firmava e fortalecia seu espaço como cidadã, mulher e negra. Desafiava sem medo as injustiças, trazendo na sua voz o grito das muitas vozes silenciadas pela opressão e marcadas pelas desigualdades sociais e raciais.
Francisca das Chagas da Trindade, segue frutificando suas sementes em cada mulher negra que segue desafiando o poder opressor e recriando-se em suas potencialidades com a coragem, a altivez e a ousadia de ser herdeira de Esperança Garcia.
11. Maria Osmarina Moura Bezerra, mulher, mãe, educadora, sindicalista, militante, mulher que amava outras mulheres! Nascida em 02 de agosto de 1971, Osmarina, filha da classe trabalhadora, iniciou a sua militância ainda na Pastoral da Juventude. Ingressou no serviço público municipal de Teresina em 1994. Sempre engajada, esteve à frente de greves, paralisações e demais manifestações que exigiam os direitos de toda a classe trabalhadora e das minorias.

Osmarina Moura era mestranda de educação da UFPI, e pesquisava sobre o financiamento da educação. Uma de suas frases características: “Eu não acredito no indivíduo sozinho, eu acredito no coletivo!”. Em 08 de abril de 2021, faleceu vítima de Covid-19 e da negligência do Estado, deixando três filhas e a mensagem de que “revolucionárias não morrem, são semeadas”. Osmarina Moura presente! Hoje e Sempre!
Pela Filha Tallita Bezerra.
12. Maria das Graças Silva Ciríaco foi professora, lutadora incansável, perseguida na época da ditadura, atuante por toda sua trajetória na luta pela educação pública, gratuita e de qualidade.

Docente da graduação de Química, na Universidade Estadual do Piauí (Uespi), Graça Ciríaco – como era mais conhecida, foi exemplo de mulher forte, determinada, guerreira, que dedicou anos de sua vida em prol da luta por um mundo melhor, principalmente no que diz respeito à educação, à frente da Associação de Docentes da Uespi (Adcesp) por muitos anos.

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