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Fórum de assessorias luta contra tecnicismo em prol das bases populares

Estratégias de resistência e re-existências comunitárias e populares emergiram o II Fórum de Assessoria Técnica Popular do Nordeste: assessoria técnica popular como plataforma pelo direito de habitar. A realização desse segundo encontro de forma presencial representou uma possibilidade de esperançar novamente sobre outro mundo possível, onde estejam garantidos direitos básicos: à moradia, à saúde, ao meio ambiente, à cidade, à terra, ao território e tantos mais que estão ameaçados atualmente. 

Roda dos Movimentos de Base foi o momento mais popular do encontro. Na imagem há várias pessoas sentadas em cadeiras em um círculo com atabaque azul rodeado de bandeiras dos movimentos sociais, velas, ervas e incensos ao centro. Maria Lúcia – mulher negra camisa e turbantes amarelos terrosos com saia comprida em tons terrosos e estampa de tambores alaranjados – e Raimundo Filho, o Novinho (homen negro de óculos, cabelo curto, com camisa amarela com frase”Lagoas do Norte pra quem?”, calça jeans e calçados brancos) estão em pé atrás do atabaque e no centro pátio coberto do CUCA.

Em dois anos acontecerá o próximo Fórum de Assessorias Técnicas Populares da região nordeste e a cidade que sediará ainda será definida. O último ocorreu em Fortaleza-CE (06 – 10 de abril). Não por acaso a base da programação ocorreu  no Cuca (Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte) do José Valter, mesmo bairro onde ocorreu uma das maiores ocupações de Fortaleza e que resultou na conquista de moradias e infraestrutura urbana para milhares de famílias. Foi nesse bairro periférico, símbolo da luta por moradia no Ceará, o palco dos debates que articulam fóruns mais populares e menos burocráticos, capazes de garantir direitos além de 04 paredes.

A vontade geral é superar o estado de paz paralisante em direção à estonteante festa e alegria do povo.

Maria Lúcia Oliveira, representante do Centro de Defesa Ferreira de Sousa e do movimento “Lagoas do Norte pra quem?” (Teresina-Piauí) quebra protocolos com a força do seu canto ancestral, que denuncia e acolhe as dores dos povos pretos e originários ameaçados constantemente em seus territórios. BaiBai , Chico e Mãe Suane de Iemanjá também fortaleceram a toada e conduziram a abertura da Roda dos Movimentos de Base, que mesmo não tendo sido priorizados na programação, marcou a resistência popular do fórum. 

Maria Lúcia (mulher negra em pé com camisa e turbantes amarelos com saia em tons amarelos terrosos e estampa de tambores alaranjados com microfone em uma mão e a outra erguida com punho fechado, Mãe Suane de Iemanjá (mulher branca com vestido e tuebantes brancos tocando atabaque) e delegação do Piauí abalando as estruturas do Fórum

Lúcia reforçou a urgência de fortalecer as comunidades, de resistir a dureza do asfalto e concreto, saudando as águas, as vazantes e os modos de vida ribeirinhos de se aquilombar. 

Vibrando nesta sintonia, Nêgo Bispo, pesquisador/pensador vindo do Quilombo Saco-Curtume (São João do Piauí/PI),  nos impacta com sua crítica radical à democracia que pode servir a carapuça de algumas posturas “técnico-acadêmicas” predominantes no fórum. Bispo repudia a concentração de poder e denuncia os “donos da democracia” que instrumentalizam o estado para privilegiar aqueles que querem privatizar a vida, destruindo a organicidade das relações sociais. Para o quilombola, é preciso mais envolvimento e menos desenvolvimento, mais compartilhamento/comunidades e menos democratas/demagogos. 

Em vez de paz, a festa!

Nêgo Bispo – homem negro com cabelo e barba grisalhas, sentado com calça branca, camisa branca com detalhes cinza e preto, um joinha com uma mão e segura o microfone com a outra em pátio coberto com tela branca ao fundo – nos convida a combater o Estado de Paz rumo a uma luta popular festiva

Bispo ainda nos cedeu uma deliciosa lição da sua vivência: Performar a poesia  sem se prender em ler tem muito mais força que versos lidos. Seguir a linearidade da leitura empata os impulsos da emoção. Isso fez desabrochar a coragem do público incentivado a compartilhar os desafios das suas lutas através de potentes manifestações afetuosas, artísticas e libertadoras. 

Cultivar diversos modos de viver e de comunicar é uma aprendizagem que agrega e valoriza a pluralidade do povo. A comunicação popular, a interdisciplinaridade e indisciplina são forças que precisam mobilizar, entrecruzar e arejar múltiplos fazeres técnicos nas assessorias populares. A comunicação e a relação com o povo não avança em meio a frieza de teorias técnico-formais. É preciso fogo em nossas comunicAÇÕES!

Dani Lins da Comunidade recifense “Caranguejo Tabaiares” (mulher negra de pele clara, cabelos cacheados castanhos soltos, com máscara branca no queixo, sentada com pernas dobradas, usando saia branca dobrada aos joelhos e camisa creme com listras pretas, verdes e azuis e sandália marrom) ao lado do arquiteto Luan Rusvell (homen não branco de cabelos levemente grisalhos, mácara azul clara abaixo do nariz, descalço, sentado com mãos e pés cruzados, camisa escura e short cinza)

Este calor irradiou nos discursos de Caranguejo Tabaiares, Recife-PE, que apesar dos percalços, RESISTE com voz firme em defesa de mais representação das comunidades nos fóruns, assessorias e demais espaços institucionais. Dani Lins, que pertence à Caranguejos Tabaiares, analisa que a Academia pode contribuir bastante com a luta popular quando está disposta a desenhar!  Desenhar, cantar, performar, atuar, rir, chorar, gritar, sussurrar…  

Só não se pode silenciar, ao contrário: Precisamos romper com as estruturas que nos calam e apagam. A ausência de narrativas e trajetórias de pessoas trans e travestis na luta pelo direito à cidade e moradia revela o descuido com a vida de uma população que há tempos é brutalmente exterminada no Brasil.  As demandas e propostas LGBTQIA+ quase ficaram despercebidas, porém a resistência destas corpas conseguiu furar a barreira da invisibilidade, reivindicando atenção para estratégias das LGBTQIA+ na luta comunitária. 

Precisamos pensar políticas de moradia para população trans e travesti

Conhecemos um pouco sobre a campanha @umchaoparabia, que visa financiar uma casa para Bianka Kalutor, através do seu projeto artístico educação travesty. Discutimos, ainda que em pequenas rodas, propostas de lar para a piauiense Paloma Amaral e outras travestis negras em situação de risco. Esta discussão precisa ser ampliada e protagonizada por pessoas transexuais, que necessitam de subsídios para enfrentar discriminações e suporte mínimo para ocupar os espaços e alcançar direitos a partir da comunidade LGBTQIA+. 

Além de sentir falta das demandas LGBTQIA+ e de pessoas trans e travestis, Ana Géssica, da Ocupação Carlos Mariguella na Maraponga (Fortaleza-CE), frisou que é necessário evidenciar as pautas dos povos originários trazendo mais indígenas para os debates públicos do fórum. Tornar as assessorias mais diversas e populares é a demanda que ecoou nas vozes das principais lideranças dos movimentos sociais e de comunidades impactadas por megaprojetos. 

Referências baianas preciosas, Vera Lúcia Machado Teixeira e  Maisa Pereira de Jesus, nos trouxeram muita pose e close de sucesso com suas aulas sobre como lutar por direitos  através da sua ampla experiência na Associação de moradores da comunidade Nova República, Santa Cruz Salvador/Ba. Elas destacaram a importância do Fórum e reforçaram que é necessário mais vozes das comunidades junto às assessorias e demais espaços deliberativos. Cobram mais divulgação das pautas do fórum principalmente entre estudantes e professores das cidades-sede do fórum.

Em pé em frente ao palco do teatro São José vemos Rayssa Holanda (mulher negra de pele clara e cabelos crespos pretos longos soltos com blusa branca, saia vermelha, usando crachá do fórum e máscara branca), Maisa Pereira(mulher negra com cabelos pretos estilo black power curto, vestido preto até o joelho, blaser laranja,com salto plataforma médio cor bege, usando crachá do fórum e máscara em tom terroso) Vera Lúcia Teixeira (mulher negra cabelos crespos curtos pretos, vestido vermelho até o joelho e spatilhas brancas e usando crachá do fórum e máscara branca) Maria Lúcia Oliveira (mulher negra com vestido e turbante brancos e uma guia de contas vermelhas transpassando o busto), Mãe Suane de Iemanjá (mulher branca com turbante branco , usando óculos e vestido comprido azul escuros com detalhes rendados brancos na altura do joelho e na barra e usando crachá do fórum ) Sabrina de Oxum (mulher não branca de pele clara usando turbante branco, camisa branca com desenhos de folhas verdes, calça estampada em tons verdes, preto e azuis, usando sandálias de dedo pretas) Rossana Holanda (mulher negra de pele clara e cabelos crespos pretos longos com faixa vermelha, brincos vermelhos, vestido comprido verde com fenda na perna e sandálias azuis, usando crachá do fórum e máscara branca) e Joyce Lima ( mulher negra de pele clara, trancças no cabelo, camiseta roxa, com bolsa pequena cinza na altura do quadril, relógio dourado, calça azul turquesa, tênis branco, usando crachá do fórum e máscara azul clara)

“Muitas vezes as pessoas não sabem buscar seus direitos (…) As pessoas precisam ocupar estes espaços e a mídia, as imprensas locais, têm que divulgar mais isso. Não se fala em moradia popular sem a população estar presente”, insistiu dona Maísa Pereira. No mesmo rumo, foi a crítica de Jeane dos Santos, catadora de materiais recicláveis e da Accec – Associação Cultural e Esportiva da Comunidade de Canabrava (Salvador/Bahia) ao pedir mais apoio às comunidades para acompanhar os processos de reparação. Elas querem melhores condições para que mais pessoas ocupem e sejam devidamente incluídas nos espaços de discussão e decisão. 

“Você pode se autodescrever, por favor?”, nos indaga Camila Aragão (Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga e Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e Baixa Visão -Salvador/BA). Aprendemos aos poucos a realizar autodescrição das nossas corpas ao iniciarmos nossas falas. Reconhecemos a escassez das demandas e presenças de pessoas com deficiência. Camila Aragão, nos ajudou a perceber que precisamos ser mais sensíveis e preparados para conviver nos espaços junto às deficiências, diversidades e diferenças de corpos e necessidades.  Impossível não se emocionar pela sua fala que nos convida a ser mais afetuosos e cuidadosos uns com os outros diante da labuta de defender vidas vulneráveis. 

Camila Aragão – mulher negra cabelos pretos cacheados na altura dos ombros, máscara branca, brincos com o número 13, camisa branca com palavras pretas e bolsa estampada com corações branco e contornos pretos. Enquanto fala, gesticula com as mãos e unhas belíssimas, sendo escutada com atenção pelas companheiras baianas

Consenso geral é que as assessorias são fundamentais. Porém, é inaceitável a reverência à técnica (acadêmico-científica racista-sexista-classista-cisgênera-colonial) que dá as costas ao povo. A pesquisadora Valéria Pinheiro nos recordou que é preciso apropriar-se da estrutura de credibilidade institucional (universitária/estatal). Linn da Quebrada, Lina Pereira, vitoriosa travesti eliminada do BBB, há muito nos aponta a demanda de parodiar as técnicas do patriarcado. Neste contexto, enfatizamos a reflexão da professora da UFPA, Myrian Cardoso: “Precisamos seguir as leis que são justas, as demais precisam ser desobedecidas!”

Implementar políticas públicas exige mais que um amontoado de normas técnicas que negam conflitos e rupturas necessárias. Desobedecer aos ditos e ritos técnicos de um estado genocida é a tarefa da vez. A potência do encontro nos ajudou a compartilhar estratégias prósperas de resistência que nos ajudem na retomada de nossos recursos e conquistas de direitos que transformem tantas dores em frentes/fronts festivos, unidos pelas potências das suas diferenças.

Temos mais ou menos dois ou mais anos para o terceiro fórum com muitas ações para serem construídas. Os frutos deste segundo já começam a brotar: 

-Os atos culturais/saraus e planos populares para Titanzinho, comunidade ameaçada entorno do antigo Fórum do Mucuripe/ ZEIS (zona especial de interesse social) ServLuz; 

 –Apoio às comunidades de pescadores de Fortim (CE) articuladas pela ativista Otávia Freire da Silva na região de Pontal de Maceió, que enfrenta a truculência da colonização turística estrangeira; 

A residência artística “Bule Ginga Baybee” na Carlota Cultural – centro de Fortaleza, em que a  as proponentes piauienses questionam a repressão de ações artísticas/ativistas nos espaços públicos e problematizam o direito à cidade e mobilidade a partir de gênero, raça  e sexualidade de corpas dissidentes. 

Três performers ao centro da escadaria dupla da Praça dos Leões, Fortaleza-CE: Vince, pessoa não binárie, não branca de pele clara, com véu de paetes rosa, em pé, de tanguinha com perna direita aopiada na coluna da escadaria ao lado esquerdo; Cardoza, pessoa não binárie negra, com black power sentada ao centro na coluna entre Vince e Tamires e os dois lances de escada, usando tanguinha rosa e sutiã laranja com as pernas abertas e as palmas dos pés encostadas com tênis de cor terrosa; Tamires, mulher não branca, cabelo curto azul, sem camisa e de pele clara, com short e meias cano curto pretas, veuzinho branco na cintura, segurando espelho está em pé ao lado de Cardoza.
Foto: Marcelo Pacheco.

Que estas e outras ações floresçam em nosso futuro ancestral. 

Na imagem há várias pessoas na plenária final, a maioria em pé usando máscaras, alguma sentadas outras agachadas e algumas com braços erguidos e punhos cerrados no palco do teatro São José com bandeiras de movimentos sociais e banner do fórum no centro da foto, tela branca e pedaços da cortina vermelha e preta na parte superior e na parte inferior vemos algumas assentos vazios da plateia do teatro.
Léo Silva (homem não branco, de pele clara, barba e cabelos curtos pretos, camisa e bermuda escuras) e Késia (mulher branca com tatuagens nos braços e colo, cabelos avermelhados, máscara branca, camiseta preta sem mangas e saia com listras coloridas) na passarela do Dragão do Mar sob iluminação avermelhada com uma tela branca ao fundo com a mensagem “Deste beco não temos que participar: Nós…” Léo e Késia estão em pé um do lado do outro na foto e ahazaram nos registros do Fórum

Conheça um pouco mais sobre os coletivos, comunidades e organizações que fazem o Fórum acontecer:

Coletivos de Assessoria Técnica Popular do Nordeste

Centro de Defesa Ferreira de Sousa, Teresina/PI

Ocorre Diário (PI)

CAUS – Cooperativa Arquitetura Urbanismo e Sociedade, Recife/PE

Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFES TRAPICHE (SE)

CHÃO Assessoria Popular (SE)

TARAMELA Assessoria Técnica em Arquitetura e Cidade (CE)

Coletivo QUINTAL (CE)

Coletivo ESCALAR (BA)

Laboratório de Rua LabRua (PB)

Comunidades

Caranguejo Tabaiares Resiste (PE)

Comunidade da Linha (PE)

Comunidade do Jacaré (PE) 

Ocupação Nizinga (PE)

Nova República (BA)

Comunidade Santa Cruz (BA)

Ocupação Carlos Marighella (BA)

Ocupação Beatriz Nascimento (SE)

Associação Sergipana de Desenvolvimento Comunitário e Resgate da Cidadania – ASDECRAC Umbaúba (SE)

Movimento Lagoas do Norte Pra Quem? (PI)

Ocupação Carlos Marighella (CE)

ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) Saporé (CE)

ZEIS Bom Jardim (CE)

ZEIS Pici (CE)

ZEIS Mucuripe (CE)

ZEIS Lagamar (CE)

ZEIS Bonja (CE)

AMEM Palmeiras (CE)

Grupo de Mulheres do Pirambu (CE)

Comunidade Cais do Porto (CE)

Ocupação Dragão do Mar (CE)

Comunidade Porto do Capim (PB)

Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga (BA)

Organizações 

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB

OPA Construindo Poder Popular (CE/PI)

Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares

Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP

Rede Moradia-Assessoria (BR)

Organização Terra Liberta 

Movimento Organizado dos trabalhadores Urbanos – MOTU

Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais (SP) 

Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico- IBDU

Fórum Nacional de Reforma Urbana – FNRU

Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU/BR

Texto: Cabrita da Peste  

Edição: Cardoza Santos, Luan Rusvell e Luan Matheus

Imagens: Água Imagens / Kessia Nascimento / @kessia.nascimentoo

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