Confira artigo completo do Professor Antônio Dias, importante defensor da universidade pública, gratuita e de boa qualidade. Antônio Dias é das trincheiras da Campanha SOS UESPI, que tem lutado por melhores condições na Universidade Estadual do Piauí. No artigo, o docente evidencia que o Governo do Estado recebeu 1,6 bi – resultado de um processo judicial, transitado e julgado, movido pelo Estado do Piauí contra a União. Assim, Dias argumenta que tal verba deve beneficiar a única instituição de ensino superior estadual existente no Piauí.
A seguir o texto na íntegra:
Antônio Dias
Professor, de Filosofia, na UESPI
Foi noticiado, por diversos meios de comunicação, a informação dada pelo atual Secretário de Fazenda do Estado do Piauí, Rafael Fonteles, de que foi creditado, no dia 30/06/2020, na conta do Governo do Estado do Piauí, o valor de 1bilhão e 652 milhões de reais.
Todo esse dinheiro é resultado de um processo judicial, transitado e julgado, movido pelo Estado do Piauí contra a União. Segundo a ação judicial, o Governo Federal fez repasses de valores menores do que o devido ao Estado do Piauí, relativos ao Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), no período 1994-2006. Que fique bem claro: são recursos de mais de 1,6 bilhão para a área da Educação.
Entendo que nós, da Comunidade uespiana (sindicatos, docentes, discentes, técnicos, administração superior), devemos reivindicar, fortemente, que uma parcela deste dinheiro, que já está depositada no caixa do governo estadual, seja alocado para garantir a sobrevivência da maior instituição de ensino superior do Piauí, a UESPI, responsável por pesquisas e pela formação de profissionais que contribuem, direta e decisivamente, para o desenvolvimento.
Por que considero esse pleito justo? Essa pergunta é importante para que se possa antecipar uma resposta para aqueles que, de antemão, já se colocaram de joelhos diante do provável argumento do governo W. Dias. Este dirá que a UESPI não pode ser beneficiada por esses recursos porque Ela “nada tem a ver com o Ensino Fundamental”. Ora, esse argumento é frágil. Para contrapô-lo, basta fornecer um exemplo simples: a UESPI é a instituição que forma profissionais professores para o exercício da docência no nível fundamental de ensino, na educação básica como um todo. Portanto temos tudo a ver com esse nível de ensino.
Contudo, o chefe do poder executivo, seus assessores e outros apologistas, sempre de plantão, irão insistir, porque lhes é conveniente e não por efetivo respeito às leis, na validade do argumento legalista de que esse dinheiro deve ser aplicado, inexoravelmente, em despesas com o Ensino Fundamental. Ora, concordar com esse argumento da legalidade absoluta, que se impõe em detrimento do interesse social, pressupõe: 1) aceitar a tese de que os homens devem viver para servir às leis (e quem faz as leis?), e não o contrário. Porém, o legítimo é que as leis existam para servir às necessidades dos seres humanos; 2) admitir que o Ensino Fundamental é uma mônada, algo indivisível, um ente independente dos demais níveis de Educação.
Outro aspecto que questiono se refere ao alegado regramento imposto pelo TCU, que fixa que o governo do Estado não deve usar esses recursos financeiros para pagar salários e outros direitos trabalhistas. Ora, essa tese funda-se no dogma de que, o fato de o Estado do Piauí ter recebido, durante 2 anos, valores menores aos que tinha direito de receber do FUNDEF, isto não teria comprometido a “valorização do magistério”. Pergunto: aonde está a comprovação de que esse dogma é verdadeiro? Ademais, a expressão “valorização do magistério” — faz parte da sigla FUNDEF, embora as iniciais “V” e “M” não apareçam (acho que é proposital) no final da sigla.
O FUNDEF, que foi instituído pela Emenda Constitucional nº 14/1996, e regulamentado pela Lei 9.424/1997, prevê que 60% dos seus recursos são para pagamento de salários dos professores. O pagamento de salários e direitos (promoções, progressões, etc.) são, certamente, partes do autêntico sentido da expressão “valorização do magistério”. Conclusão: o TCU prescreveu que não se deve valorizar o magistério. De qualquer forma, entendo que o TCU tem o poder de fiscalizar, mas não de impor regramentos.
Nos últimos anos, com poucas exceções, Nossa UESPI tem sofrido com descasos por parte dos poderes estatais: executivo, legislativo e judiciário. O exemplo mais simbólico deste desprezo é a negação da autonomia da UESPI para realizar sua gestão financeira, administrativa e patrimonial (conforme Art. 207 da CF e Art. 228 da CE). Em razão disso, e de outros ataques mais, seus espaços e estruturas físicas estão precários, causando insegurança e inviabilizando as condições para realização dos trabalhos.
Na UESPI, faltam laboratórios e os meios para estes funcionarem; os parcos instrumentos tecnológicos são insuficientes e defasados; bibliotecas inexistem, ou existem com poucos livros que estão desatualizados; as salas de aulas são insuficientes para atender as demandas; os campi, especialmente os do interior, estão abandonados; a oferta de bolsas e auxílios para estudantes são poucas, nem sempre pagas ou pagas com atraso.
Outro ponto agravante é a insuficiência de professores efetivos. Atualmente, salvo engano, somos menos que 1000. Entretanto, a lei estadual 6979/2017, que regulamenta a lei 61/2005 (Lei do Plano de Cargos, Carreira e Salários dos Docentes da UESPI), determina o quantitativo de professores da UESPI: 1699. Ora, já deveríamos ter esse quantitativo de professores para que cursos não fossem fechados, disciplinas não ofertadas, etc. Enfim: a quantidade de docentes é insuficiente para atender a demanda de funcionamento da UESPI. A lei do nosso PCCS exige a implementação, no contracheque dos professores, das mudanças de classe, de nível e regime de trabalho. Mas, nestes casos, as leis não convém aos interesses do executivo estadual. Em suma: a lei só serve caso favoreça o governo. Simples assim.
O quadro de abandonos e mazelas, descrito há pouco, explicam os últimos slogans das campanhas da ADCESP (Sindicato dos Docentes da UESPI). Em parceria com estudantes e suas representações (DCE’s e CA’s), técnicos, movimentos sociais e sociedade em geral, a ADCESP realizou as seguintes campanhas: “SOS UESPI”, “Luto pela UESPI” e “A UESPI se nega morrer”.
Essas condições caóticas se tornaram mais visíveis com a crise do Coronavírus. Neste momento histórico, por exemplo, não se pensa e, portanto, não se consegue sequer vislumbrar, quando a UESPI voltará a ter aulas presenciais. Pior: mesmo o aclamado ensino remoto (sic), que para mim ainda é uma incógnita, mas que é defendido pelo governo do Estado e, por extensão, pela administração superior da UESPI, aparece apenas como uma possiblidade remota, em razão da atual falta de condições, e, sobretudo, pela inexistência de um planejamento de investimentos financeiros para dotar a UESPI (e seus sujeitos: professores, alunos, técnicos) de aparato físico, tecnológico e pedagógico para o trabalho.
Diante desses relatos de calamidades da UESPI, devemos simplesmente aceitar que a essa instituição deixe de ser financeiramente beneficiada pelos recursos de 1,6 bilhão da ação ganha? O secretário Rafael declarou que esse dinheiro proporcionará “o maior investimento da história da educação do estado. A maior revolução”. Ora, como justificar que a UESPI seja excluída desse processo revolucionário? É possível fazer uma revolução na Educação desconsiderando o trabalho de formação (ensino, pesquisa e extensão) desenvolvido pela UESPI, a única instituição pública estadual de ensino superior? É possível essa tal revolução não atender as carências da UESPI? Para ser coerente com sua teoria da revolução no mundo da Educação, o governador do Estado do Piauí, W. Dias, que utilizou o secretário, como porta voz, deve incluir a UESPI como beneficiária destes 1,6 bilhão de reais para a Educação.
Convido todos a fazermos parte dessa luta em defesa da UESPI. Porque a sociedade não deseja que a UESPI morra.
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