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Hidrogênio Verde no Piauí: uso da água e impactos ambientais ainda são enigmas

Durante evento exclusivo para jornalistas sobre Hidrogênio Verde, realizado na noite de ontem (18), no Blue Tree Towers Rio Poty, em Teresina, o vice-presidente da Investi Piauí (empresa de economia mista criada pela Lei Estadual nº 7.495/2021, que tem a missão de articular políticas públicas de fomento ao desenvolvimento econômico regional), Cristiano Vargas e  o professor Enio Pontes, da Universidade Federal do Ceará (UFC), mostraram o projeto “Hidrogênio Verde no Piauí”, como a possibilidade do Estado se tornar uma potência mundial no fornecimento do combustível. 

Questionado sobre o alto consumo de água para produção do combustível e dos possíveis impactos que isso poderia gerar ao meio ambiente e à biodiversidade no litoral piauiense, o vice-presidente afirmou apenas que existem estudos em andamento para sanar essas dúvidas. “Não existe resposta sobre o uso e onde vai ser reutilizada essa água”, afirmou Cristiano.

O professor Enio Pontes ressaltou que a localização estratégica do Piauí e seus atributos naturais – grandes reservas de água doce (rios e lençóis freáticos), ventos e sol em abundância – o torna potente para avançar no processo de conversão do hidrogênio de forma mais rápida e barata. De acordo com o professor, existem estudos que apontam outras formas de uso de água, como a dessalinização e água de reuso (tratamento de esgoto), porém, segundo ele, “no Piauí existe algo que não existe na Europa: água em abundância”, afirmou.

Até o momento, o Governo do Estado ainda não apresentou publicamente um estudo de impacto ambiental na região, mesmo já afirmando que o Rio Igaraçu, afluente do rio Parnaíba, será a principal fonte de água para a produção do combustível.  O “Ocorre Diário” buscou especialistas no assunto para entender melhor o processo de produção do Hidrogênio Verde e os reais impactos dele no uso da água do Rio Igaraçu. 

Consumo diário de água para produção de Hidrogênio abasteceria Parnaíba por 3 dias seguidos

Lançado no segundo semestre de 2023, o projeto para produção de Hidrogênio Verde no Piauí é ousado e busca ser o maior do mundo em pouco mais de 10 anos. Vendido como uma energia de baixo carbono, portanto, livre de emissão de CO2, o hidrogênio é apontado como alternativa para a transição energética. Entretanto, algumas respostas ainda não estão nítidas e têm ligado o sinal de alerta para ambientalistas e organizações da sociedade civil, afinal, a produção de hidrogênio verde não será sustentável sem uma fonte de água renovável. Mas esse não é o caso do Piauí, uma vez que o Governo do Estado já afirmou que o principal fornecedor de água para a produção de Hidrogênio Verde no Piauí será o Rio Igaraçu.

João Paulo Centelha – Foto: Luan Matheus Santana / Ocorre Diário

O professor de Geografia Humana da Universidade Estadual do Piauí-UESPI, João Paulo Centelha, que integra um Grupo de Trabalho – GT Energias Renováveis, criado por organizações da sociedade civil  para debater transição energética no Piauí, explica que para produção uma tonelada de hidrogênio verde são necessárias 20 toneladas de água; “logo, se a previsão são de 4.000 toneladas de hidrogênio/dia, isso resulta num consumo de 80.000 toneladas de água por dia, isso para apenas produzir o hidrogênio, sem contar com a produção de amônia”, garante. 

Com isso, o professor alerta para a alta demanda de água potável – um recurso não renovável e essencial para a vida humana e para a biodiversidade – que será necessário para a produção de Hidrogênio Verde. Seriam necessários 80 milhões de litros de água todos os dias para produzir 4 mil toneladas de H2V. O consumo médio de água no Brasil, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), é de 154L por pessoa. Levando em consideração que Parnaíba tem, atualmente, 153.482 habitantes, esse volume diário de água seria suficiente para abastecer a casa de todos os moradores por 3 dias seguidos.  

Risco também para o único Delta das Américas

O rio Igaraçu,  que será o principal fornecedor de água para a produção do combustível, é o último afluente do Rio Parnaíba antes do encontro com o mar. São quase 20 km de extensão da nascente até a foz, localizada no “Delta do Parnaíba”, o maior das Américas e o terceiro maior do mundo. Apesar da sua importância, relevância e de ser uma Área de Proteção Ambiental (APA), ainda não há estudos sobre os possíveis impactos ambientais desse processo no Delta. 

Esse alto volume de água, caso seja extraído do rio, resultará na redução de água doce que chega ao ecossistema do Delta, dos manguezais, estuários e canais, podendo afetar o nível de salinidade de tal complexo, impactando diversas formas de vida”, afirma o professor João Paulo. 

Foto reprodução

Água de reuso ou dessalinização é aposta para uma produção mais sustentável

De acordo com o professor do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) e mestre em química, Carlos Eduardo Nunes, o Hidrogênio Verde é produzido através do processo de eletrólise da água, onde a eletricidade de fontes renováveis, como solar e eólica é utilizada para que a água seja transformada nos gases hidrogênio e oxigênio, sendo o hidrogênio utilizado como combustível limpo e sustentável. 

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“Esse método de produção de hidrogênio verde é considerado uma alternativa promissora para reduzir as emissões de carbono e promover a transição energética para fontes mais limpas. O hidrogênio verde não emite gases poluentes nem durante sua produção e nem durante sua combustão, é de fácil armazenamento e bastante versátil, podendo ser transformado em eletricidade ou combustíveis sintéticos”, afirma o professor. 

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Entretanto, esse é um processo que precisa acontecer com justiça socioambiental. Para ele, o uso de água potável é perigoso e não corresponde ao que vem sendo implementado em outros estados e países. “Finalizado o processo de eletrólise, a água não volta. Ela se separa, o hidrogênio vira combustível e o que sobra é o oxigênio. Eles precisam de um plano de ação para minimizar os impactos ambientais”, afirma.

O professor cita o exemplo do Ceará, que em 2022 assinou acordo com a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), para abastecimento de água do Hub do Hidrogênio Verde do Ceará, desenvolvido no Complexo Industrial Portuário do Pecém, que passou a utilizar água de reuso proveniente dos esgotos tratados das cidades de Fortaleza, Caucaia e Maracanaú. 

Estação de Tratamento de Água da ZPE de Parnaíba – Foto: Prefeitura de Parnaíba

O evento

O evento exclusivo para jornalistas, que citamos no início desta reportagem, faz parte da estratégia de divulgação da Conferência Internacional de Tecnologias das Energias Renováveis (Citer), que acontecerá entre os dias 3 e 5 de junho, no Centro de Convenções de Teresina. Além da Investi Piauí, estavam presentes também representantes do Governo do Estado do Piauí, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e especialistas no assunto. O objetivo era apresentar aos profissionais da imprensa local informações acerca do potencial econômico da produção de Hidrogênio Verde no estado. 

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