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Juiz que autorizou expulsão de pescadores do Macapá-PI já foi investigado por beneficiar grileiros

Se a “justiça é cega, eu quero contra-atacar”. A frase da banda ‘Baiana System’ cabe bem para ilustrar sobre uma decisão judicial assinada pelo juiz de direito, Willmann Izaac Ramos Santos, titular da Vara de Luiz Correia, em desfavor de cinco famílias de pescadores tradicionais na Praia de Macapá, município de Luís Correia, litoral do Piauí. A decisão, o juiz determina que os moradores saiam da área da União onde vivem há 60 anos, na próxima segunda-feira, 06 de maio.

O magistrado atendeu ação movida por Cícero Pereira dos Santos que, mesmo sem apresentar provas que já detinha a posse da área antes das famílias de pescadores, obteve o direito de ocupá-la. De acordo com os moradores da região, Cícero se apresenta como vendedor, mas na verdade, é conhecido por ser “laranja” para intermediar os especuladores imobiliários, que estão de olho no turismo predatório em curso na região. Nossa reportagem tentou contato com Cícero Pereira, mas não obtivemos sucesso.

A ação, cujo processo pode ser consultado pelo nº 0000545-37.2008.8.18.0059, foi aberta em 2008, mas teve um desfecho apenas em 2018, quando o juiz Willmann Izaac publicou uma sentença em favor do vendedor. A prova que consta nos autos do processo e que deu a posse da terra para o vendedor Cícero são fotos de uma cerca que ele fez em 1997 na área. Ele informou ainda que registrou o imóvel em 2007, sendo que uma das últimas famílias está ali desde 2003.

As famílias, como já mostramos em reportagem anterior, alegam que o suposto proprietário da terra só veio fazer esse questionamento depois que a praia de Macapá ficou conhecida e passou a ser mais frequentada por turistas. Entretanto, na fundamentação, o magistrado justifica a ausência com base na alegação de que o autor não era presente na sua área porque “adoeceu e ficou impossibilitado de manter a vigilância constante e efetiva sobre o bem”. Apesar da afirmação, nos autos não foi apresentado atestado médico confirmando sobre o adoecimento de Cícero. Também não existe comprovação do tempo entre o período que as famílias já ocupavam o terreno até a denúncia feita por ele na Delegacia de Polícia e posteriormente, movendo uma ação para ficar com a área.

Nossa reportagem conversou com advogados populares do Coletivo Antônia Flor, que analisaram o processo e estão oferecendo suporte às famílias. Para eles, mesmo que se tenha apresentado alguma comprovação, os atos de “cercar uma área” e a “vigilância constante”, não configuram o exercício do direito de posse, isso na verdade, pode demonstrar o contrário: que  Cícero utilizava esta área para especulação imobiliária em terras que sabidamente são de propriedade da União. “Aparentemente, essa prática ilegal tem sido protegida pelo poder judiciário diante desta decisão”, comentaram os advogados populares.

Afinal, quem é o juiz Willmann Izaac Ramos Santos?

O magistrado que autorizou a reintegração de posse à Cícero e, por consequência, a expulsão das famílias da Praia de Macapá de suas terras, não é qualquer juiz. Muitas decisões polêmicas, atitudes e condutas controversas chamam atenção para seu desempenho na função. Willmann Izaac Ramos Santos ficou mais conhecido no ano de 2020, quando foi afastado das suas funções pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI). A  justificativa foi que o Juiz infringiu leis e o código de ética da magistratura, atuando de modo parcial em denúncia envolvendo autoridades e empresários por suposta prática de grilagem de terras no litoral.

Na época, ainda em 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o retorno imediato do juiz às suas funções, alegando demora na tramitação do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), que foi aberto para analisar a conduta do magistrado internamente. O juiz Willmann alegou, na época, que a instalação no PAD havia sido ilegal, uma vez que o Tribunal de Justiça não atingiu o quórum mínimo legal de 11 votos. 

Foto: Gil Ferreira/CNJ

Em agosto de 2022, o Pleno do Tribunal de Justiça do Piauí retomou a análise sobre a conduta do juiz e acatou as denúncias do PAD, deliberando pela aposentadoria compulsória do magistrado, que é quando um juiz é afastado definitivamente de suas funções (uma espécie demissão por justa causa, mas onde os magistrados continuam recebendo seus salários). O caso investigado é o mesmo que levou o juiz a ser afastado em 2022. A alegação é de que o juiz teria utilizado do seu cargo público para benefício próprio e como “moeda de troca”, uma vez que o próprio filho estava entre os investigados em denúncias de grilagem de terras no litoral, sob o comando do promotor de Justiça Galeno Aristóteles Coelho.

O caso teve, recentemente, uma nova reviravolta. Em novembro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ anulou a aposentadoria compulsória e autorizou o retorno do juiz ao trabalho, que aconteceu em dezembro do ano passado. O conhecido corporativismo impregnado no judiciário impede que se saiba detalhes sobre a conduta do magistrado, entretanto, na decisão do CNJ fica evidente que o mérito da denúncia não chegou a ser analisado, uma vez que a anulação se deu em razão de erro processual do Tribunal de Justiça do Piauí. O TJ-PI ainda pode retomar a investigação, mas deve abrir um novo Procedimento Administrativo Disciplinar e refazer a mesma investigação e análise que levou o juiz a ser afastado em 2020 e aposentado compulsoriamente em 2022.

Abaixo, juntada de documentos com detalhes sobre o Procedimento de Controle Administrativo.

Outros casos controversos 

Nos casos de disputas por terras no litoral, as decisões do magistrado chamam atenção pelo protecionismo de algumas figuras públicas envolvidas com grilagem de terras e ações de violência contra pescadores, como é o caso do empresário Fábio Jupi. Em setembro de 2022, insatisfeito com repercussões negativas na imprensa sobre denúncias de ocupações ilegais de terras em Cajueiro da Praia, o empresário Fábio Jupi recorreu ao juiz Willmann Izaac que, mesmo aposentado pelo Pleno do TJ-PI, deferiu tutela de urgência determinando a retirada de todas as matérias jornalísticas negativas envolvendo o nome do empresário publicadas na imprensa do Piauí. A decisão envolveu 13 veículos, entre portais e até mesmo o Google. O motivo alegado pelo empresário foi que, por responder a processos penais, se tornou conhecido da mídia. 

Moradores do litoral denunciam que Fábio Jupi mandava capangas armar barracas nas áreas invadidas, usando homens armados. Caso gerou muitos conflitos no ano passado. Foto: Reprodução.

Em 2022, mais uma vez Fábio Jupi não se sentiu confortável com a fiscalização de auditores da Secretaria de Meio Ambiente – SEMARH na Unidade de Conservação Mona das Itans, importante nicho biológica e espaço de desejo dos especuladores imobiliários que veem ali oportunidade de ganhar dinheiro com turismo predatório, entre eles, o empresário que alegou ao juiz está incomodado com a presença  dos fiscais em seu imóvel no que foi atendido prontamente pelo magistrado que proibiu os profissionais de realizarem seus trabalho constitucional. 

Nossa reportagem procurou o Juiz Willmann Izaac, através da Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça do Piauí, mas fomos informados que  os magistrados não se manifestam em relação à matéria jornalística. “Tudo o que ele tem a dizer está na fundamentação no processo”, finalizou  a assessora. 

Famílias conquistam Audiência com a Defensoria Pública 

Fórum de Luís Correia – Imagem Google Maps

Sentindo-se abandonados, as famílias ameaçadas na Praia Macapá e sem advogado, procuraram o Fórum de Luis Correia para tentar ajuda do juiz, mas foram despachadas por uma funcionária que orientou a procurarem o pré-candidato Rafael Silva. Sem entender, se negaram a procurar Rafael alegando que o pai  do pré-candidato é conhecido na região por comercializar terras públicas. 

Restaram voltar na  Defensoria Pública da União, que já havia negado atendimento, sob alegação que o grupo tinha advogado, mesmo eles explicando que o profissional havia abandonado a causa por motivo de mudanças. Desta vez, foram com a Defensora Ellen Carla Brandão até o Fórum onde ela apontou as falhas no processo e solicitou uma nova audiência que foi marcada para o próximo dia 20.

O que as famílias na Praia de Macapá, Luís Correia, estão passando é mais um capítulo da disputa torpe que tem expulsado comunidades tradicionais com o apoio de todo o aparato do estado. Mas as comunidades seguem “traçando traçando vários planos para poder contra-atacar”.

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