Treze dias após o desembargador José James Gomes Pereira, do Tribunal de Justiça do Piauí-TJPI, determinar a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Piauí-SEMARH, a expedir licença de desmatamento em 74,7 mil hectares na Estação Ecológica Uruçui-Una-ESEC, outro desembargador, Dioclécio Sousa da Silva, suspendeu a liminar do colega. A Estação é uma Unidade de Conservação Federal de proteção integral, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade-ICMBio, no município Baixa Grande do Ribeiro.
De acordo com a sentença do magistrado, as violações de deveres de legalidade na decisão de José James, “coloca o Judiciário em uma posição delicada, comprometendo a confiança na ordem jurídica, administrativa e política estabelecida”, argumentou.
Nesse sentindo, de acordo com as inúmeras decisões que o desembargador José James vem tomando em favor de organizações criminosas de grilagem de terras no Piauí, já há algum tempo, o que dá para entender é que eles têm um ponto de apoio no Tribunal de Justiça do Piauí.
O conjunto de arbitrariedade no caso de Uruçui-Una, explicita o quanto o desembargador passou por cima das leis, como no caso da expedição da Certidão de Regularidade Dominial-CRD, concedida pelo Instituto de Terras do Piauí-INTERPI, único órgão com autoridade legal para liberar o documento, foi obrigado pelo magistrado a entregar a CRD para as empresa Conesul, Colonizadora dos Cerrados Sul Piauiense e Fazenda Brejo das Meninas, mesmo ciente que eram falsos. Em 2015 essa empresa foi multada em mais de dois milhões pelo ICMBio, por promover o desmatamento de 2.431 hectares, mesmo sabendo que se tratava de Unidade de Conservação.
Ao receber a intimação em (26/08/) para agilizar a liberação da licença a SEMARH emitiu nota informando que os processos dessa terra “têm pendências e irregularidades”, e a posição do órgão é contrária à determinação, em respeito à legislação ambiental aplicada. Já o Instituto de Terras do Piauí-INTERPI, também intimado, entregar a Certidão de Regularidade Dominial-CRD, o fez e disse que se pronunciaria através da Procuradoria Geral do Estado, sobre a ilegalidade.
A Procuradoria Geral do Estado-PGE, também se pronunciou e atacou o sigilo judicial da ação, “a hipótese de sigilo judicial foi um ardil de má-fé que prejudicou o Estado e o INTERPI no debate que a controvérsia deveria assumir no judiciário, o tabernáculo da legalidade processual”, contestou a PGE que solicitou revogação da decisão do desembargador e a retirada do sigilo, no que foi contemplado pelo desembargador Dioclécio Sousa.
Uruçui-Una desperta cobiça do Agro
A Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais-AATR, realizou a “Na Fronteira da Ilegalidade: Desmatamento e Grilagem de Terras no MATOPIBA”, e descobriu como funciona a grilagem no Cerrado e afirma ter envolvimento de agentes públicos diversos e empresas multinacionais que fazem parte de fundos de pensões dos Estados Unidos, Alemanha, Suécia e Holanda. A pesquisa revela que a agroindústria/Insolo/Harvard, fundo patrimonial dos professores da universidade americana, um das mais famosas do mundo, já registrou 2.048 hectares sobrepostas à Uruiçui-Una, mesmo sem ter o documento da origem dominial das terras.
Quem também garante possuir área na Unidade de Conservação, é o herdeiro do ex-prefeito de Santa Filomena por três mandatos, Antônio Avelino. Seu filho, Antônio Avelino Filho, diz que seu pai tem duas glebas ali e para provar, apresenta Certidão de Inteiro Teor, expedida pelo Cartório de Ribeiro Gonçalves, atestando que seu pai é proprietário de duas áreas na Fazenda Boa Esperança, tendo adquirido através de um leilão promovido pelo INCRA em 1979.
O abandono da Estação Ecológica atrai grileiros
Plantada em um fabuloso corredor biológico, formado pelos rios Uruçuí Preto e Parnaíba, a reserva ambiental foi demarcada em 1981, ocupando uma área de 135 mil hectares. O objetivo era proteger uma valiosa área de Cerrado nativo, selvagem.
Antes de transformar em área protegida essas terras pertencia a Nação que herdou da Coroa portuguesa. Passaram-se séculos sem ocupação humana, somente alguns grupos indígenas. Supõe-se que as dificuldades de acesso ao lugar tenham sido a causa do isolamento. Em boa parte da reserva, existe uma faixa ciliar de carnaubeiras, do bioma Caatinga, como também elementos da Mata Atlântica, transformando a área em um ecótono valioso biologicamente.
O trabalho acadêmico “Antropização do bioma Cerrado na Estação Ecológica Uruçui-Una (2004/2007), do pesquisador, Pereira A.C. mostra que as riquezas do Cerrado ali já foram bastante destruídas. O trabalho mapeou a dinâmica do desmatamento ilegal realizado na unidade de conservação e alertou para necessidade urgente de medidas de conservação do Cerrado que naquela UC vem “sofrendo intensa antropização”.
Passados 43 anos de sua criação a ESEC ainda não tem um Plano de Manejo, não dispõe de infraestrutura, recursos financeiros e nem humanos suficiente, sem contar que dentro da reserva ainda moram 104 famílias (dados de 2015 do inventário fundiário da ESEC). Apesar das péssimas condições, quem tem o dever de cuidar se esforça para manter a preservação da área, como é o caso da chefe da unidade, Simone Kássia de Moura, que garante está atualmente, em tratativas para criar o Conselho da Estação e, finalmente, elaborar o plano de manejo.
A mão amiga da Grilagem destrói o Cerrado sem dó
O relatório “Os Custos Ambientais e Humanos do Negócio da Terra” /2018, elaborado pela Rede de Justiça Social, também mostra a perversidade do capital que através de bancos, fundo de pensão, agencia de investimentos, fundo de capital de risco e fundos de investimentos de vários países, estão avançando comprando terras no MATOPIBA, na área do Piauí, negando a existência de comunidades tradicionais e destruindo a biodiversidade do Cerrado naquela região.
Ao lado de empresários, fazendeiros e empresas de commodities que atuam no Cerrado piauiense, sempre está o desembargador José James atuando com a cumplicidade dos cartórios dos municípios de Santa Filomena, Bertolínia, Gilbués, Barreiras do Piauí e Anísio Abreu, todos já denunciados por falsificar documentos de imóveis rurais.
Em 2021 o magistrado mandou desbloquear de uma só vez vinte imóveis rurais no âmbito da ação anulatória nº 0000759-98.2016.8.18.0042, movida pelo Grupo de Atuação Especial de Regularização Fundiária e de Combate à Grilagem (Gercog) do Ministério Público do Piauí. No total foram entregues a grileiros 124 mil hectares que estavam bloqueados pela Vara Agrária da Comarca de Bom Jesus. Reportagem do site Pública publicada em 26/09/2022 revela que, “segunda a Justiça, o esquema de grilagem de terras nessa área onde atua o desembargador já movimentou mais de R$ 200.000.000(duzentos bilhões de reais)”. Nenhuma matrícula liberada possui Certidão de Regularidade Dominial-CRD.
Ele sempre usa o mesmo argumento para liberar áreas aos empresários, como foi o caso de Uruçui-Una e demais, “demora na conclusão do processo judicial em primeira instancia, pois a ação sequer havia saído da fase de citação”, escreveu.
Com o desbloqueio das vinte áreas, os invasores festejaram da melhor forma que poderiam, desmatando a mata nativa com correntões, vendendo as matrículas e usando de violência para expulsar centenas de famílias de trabalhadores da Agricultura Familiar, Indígenas, Quilombolas, Pescadores e outros grupos sociais que compõem os Povos do Cerrado, que vivem na região desde seus ancestrais.
Após o desbloqueio, o desmatamento explodiu na região, assim como as denúncias, levando a SEMARH a realizar fiscalização que resultou na aplicação de multa de R$ 7.510. 500. A Fazenda Kajubar, por exemplo, que desmatou 1.315 hectares sem licença, foi multada na época em mais de 1.316.000 (um milhão trezentos e dezesseis mil reais), mas, prontamente o desembargador agiu determinando a SEMARH a se abster de atuar na fiscalização no imóvel.
Na época o Ministério Público, através do Promotor da Vara Agrária do município de Bom Jesus, Márcio Carcará, alertou o magistrado sobre a ilegalidade da decisão. Além da documentação ter origem na grilagem, a terra ainda estava no nome do proprietário anterior, Euclides De Carli, considerado um dos grileiro de terras no Piauí e Maranhão.
Na ação, Carli foi representado pelos advogados Willian Guimarães, ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB-PI e Procurador do Estado e por Ibanês Rocha, atual Governador do Distrito Federal. O grileiro morreu em 2019, em seu Estado de origem, Santa Catarina e sua história no Cerrado piauiense e maranhense foi marcada por crimes de assassinato, tortura e ameaças a quem se opusesse enfrentá-lo em processo por aquisição de terras.
Dossiê da grilagem no Cerrado piauiense
Na pesquisa da AATR, os advogados mostram como funciona a grilagem no Cerrado. No caso do De Carli o esquema era usar laranjas, cooptar os cartórios da região e firmar acordo com o judiciário. A justiça estima que ele conseguiu, através de fraudes, registrar mais de trezentos mil hectares de terras no Sul do Piauí, segundo revelou o site “Repórter Brasil em 18.09.2018”.
Com a morte de Carli, a viúva, Maria Cecília De Carli, passou a comandar os negócios da família e em 2022, entrou com recursos para desbloquear a matricula de várias propriedades adquiridas no esquema de grilagem de terras em Santa Filomena, bloqueada pela segunda vez em 16/06/23 pela Vara Agrária de Bom Jesus em decorrência de crimes ambientais.
Mais uma vez chama atenção o comportamento do desembargador José James que havia desbloqueado a mesma matrícula em 07/07/2023, voltando a bloquear em 21/09/2023, depois da interferência da Promotoria da Vara Agrária de Bom Jesus e da SEMARH. Segundo os advogados, ele próprio reconheceu sua atitude considerando que exagerou ao determinar que a SEMARH deixasse de fiscalizar aplicação da lei ambiental. Ocorre que dois meses após a decisão, o magistrado voltou a desbloquear a fazenda, mesmo estando a licença ambiental suspensa por meio da Portaria nº 218 de 06/09/2023, publicada no diário oficial do Estado no dia 11/09/2023.
Procurado através da Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça, informou que juízes não dão entrevistas seguindo orientação da Lei Orgânica da Magistratura-LOMAN, que garante aos magistrados manifestasse somente nos autos judiciais. A Corregedoria Geral de Justiça também foi procurada e informou que caberia ao Tribunal de Justiça se manifestar.
. http://www2.uol.com.br/caminhosdaterra/reportagens/131_urucui_una.shtml
Para mais informações seguem documentos
Deixe um comentário