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“Mar de Luta”: Após um ano de vazamento de óleo, comunidades do Delta do Parnaíba ainda sofrem com petróleo

Há um ano os povos dos mares tiveram seus modos de vida completamente impactados com as toneladas de óleo cru que atingiu o litoral nordestino e sudestino do Brasil. De onde veio o óleo? Por quê os povos das águas e os territórios pesqueiros continuam desassistidos pelo estado? Buscando essas e outras respostas a Campanha Nacional “Mar de Luta” está fazendo mobilizações nos territórios afetados. As comunidades extrativistas do Delta do Parnaíba marcaram presença neste imenso mar de luta que exige seus direitos. As atividades aconteceram nesta segunda-feira, 31, na Pedral do Sal (Parnaíba-PI), Porto dos Tatus (Morros da Mariana-PI)  e Ilha das Canárias (Araioses-MA). 

Com os braços firmes levantados pro ar apontando uma mão fechada em punho, simbolizando a luta incansável das mulheres pescadoras, dona Celeste Sousa lembra “Já faz um ano que o petróleo destruiu nossas praias. E até hoje não tem resposta de um plano de contingência que atingiu a nossa sobrevivência, a nossa cadeia alimentar e a nossa saúde. Estamos na resistência e estamos de luto. O Piauí se levanta”, afirma a representante do do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP-PI). 

Dona Celeste, MPP-PI. Foto: Lucas Pereira

O vazamento de óleo cru no litoral brasileiro aconteceu em agosto de 2019 e causou comoção internacional, no entanto, nenhuma resposta veio às comunidades atingidas. Segundo o Brasil de Fato, o óleo atingiu 130 municípios em nove estados do Nordeste, dois do Sudeste e 300 mil pescadores foram afetados por este crime ambiental. 

Para o Seu Pescada, Antônio Severo, comunitário da Pedra do Sal, onde tira seu sustento há 58 anos, a produção caiu em 70% desde que o óleo chegou e hoje a situação é agravada por conta da Covid-19.

Confira na íntegra as palavras de Seu Pescada.

Seu Pescada, vai ao mar desde os 8 anos de idade, ofício que herdou de seus ancestrais, ele não aprendeu a ler as letras, mas é lendo o mar e seus ventos que ele vive a sustentar sua família. “Foi a 1º vez que vi toda minha vida e nem meus antepassados falaram de algo parecido na praia. A nossa praia se vestiu de preto com esse óleo que invadiu nossas praias, mangues e rios”, relata.  O pescador acrescenta que nas marés grandes ainda é possível ver as manchas de óleo no mar. 

Assim como seu Pescada, a Dona Luzia Sousa Santos, vice-presidenta da Associação de Catadoras de Marisco de Ilha Grande, conta que a situação se agrava a cada dia pra quem vive das águas. Enquanto isso, as comunidades do Delta não receberam qualquer tipo de indenização. “Hoje estamos do mesmo jeito. Não sabemos respostas sobre o óleo. Foi aprovado um auxílio, mas ele nunca veio”, explica Dona Luzia sobre uma história que se repete no litoral. 

Dona Luzia, mulher das águas dos Tatus. Foto: Lucas Pereira
Entrevista completa com Dona Luzia.

Campanha pede Plano Nacional de Contingência

Presentes no ato desta segunda-feira, o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP-PI), Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) e Conselho Pastoral dos pescadores, reforçam a importância do Plano Nacional de Contingência. Para a Raquel Silva (ANP), as mobilizações são constantes junto aos órgãos responsáveis. Ela afirma que entre idas e vindas no Ministério do Ambiente, nenhuma resposta foi dada. 

“Pedimos respostas sobre o Plano Nacional de Contingência, mas a única coisa que foi feita foi o auxílio, mas mesmo este só alguns pescadores com registro que teve acesso”, afirma Raquel, denunciando que o registro utilizado era desatualizado, deste modo dificultando o acesso da maioria dos atingidos. Como dito anteriormente, nas comunidades do Delta nenhum extrativista foi beneficiado. 

Manifestantes em caminhada. Foto: Lucas Pereira

A Campanha Nacional Mar de Luta reivindica: operação para identificar nominalmente os culpados pelo crime de vazamento de óleo; publicização de dados sobre o crime; questiona a atual política ambiental no Brasil; medidas por parte do Governo Federal em apoio às comunidades. A campanha segue denunciando as violações de direitos das comunidades. 

Além disso, os comunitários reivindicam estudos sobre a qualidade da água e a saúde dos próprios extrativistas, pois nunca foi realizado qualquer tipo de acompanhamento de saúde devido ao contato com o óleo e ingestão de pescados potencialmente contaminados. A necessidade de realização de pesquisas é gritante e urgente. 

Seu Pescada lembra que ainda no ano de 2019 quando esteve na Procuradoria da União em busca de respostas argumentou sobre o crime não ter culpados “eles devem saber sim, porque se eles têm tecnologia para descobrir embaixo da água onde tem petróleo, como eles não têm tecnologia para dizer de onde o óleo veio?”, afirma com força e segurança. Seu Pescada e seus irmãos e irmãs das águas exigem que a ciência seja posta a serviço do povo. 

Movimentos sociais em luta na comunidade da Pedra do Sal. Foto: Diego Barbosa

Além do óleo,Covid tem afetado comunidades extrativistas 

As comunidades extrativistas do Delta afirmam que nem conseguiram se recuperar do crime ambiental e já tem que lidar com o problema da Covid-19. Rafaele Araújo de Andrade, conhecida como Lia, conta que toda a sua família sempre viveu da coleta de mariscos e hoje sequer ela está indo para as águas catar. “Não estou indo catar marisco porque eu não tenho pra quem vender”, afirma acrescentando que não vale a pena tirar os frutos do mar e deixar em casa para estragar. 

Catadoras de Marisco no Porto dos Tatus. Foto: Lucas Pereira.

Rafaele, assim como Dona Luzia e muitas outras das mulheres que na manhã desta segunda-feira levantaram a sua voz, conta que aprendeu com os seus pais a viver do marisco.Imaginem só o que é ter seus modos de vida ancestrais atingidos por um crime, que não se tem resposta? Rafaele lembra que gosta muito do seu trabalho e ele faz falta. Ao refletir sobre como é ser mulher marisqueira, comenta: “É bom demais porque é nosso trabalho e ajuda no sustento da nossa família”, afirma. 

Escute a História de Lia na íntegra.

Dona Luzia Sousa, afirma que as marisqueiras estão se virando para sair dessa crise que se iniciou com o crime ambiental e se alargou com a covid-19. Ela explica que os compradores não voltaram a abrir seus estabelecimentos por conta do vírus e por isso, a economia local vem se precarizando cada vez mais. 

“Deus é bom e mandou o caju. Então já estamos colhendo o caju pra fazer doces e vender as castanhas”, conta Dona Luzia sobre como as mulheres estão “se virando” para viver, “também tem umas mulheres que fazem crochê” e assim seguem na labuta. Mas não é algo romântico a precarização dos modos de existência das mulheres das águas. Sabendo disso, elas correm pra dá um jeito de escapar sem fugir. Para agravar, há mulheres marisqueiras que sequer estão recebendo o auxílio emergencial referente a Covid-19.

Raquel Silva conta que diante desta situação, os movimentos sociais foram a procura das instituições com vistas a angariar cestas básicas e materiais de limpeza para os atingidos do óleo e do covid-19 e assim sucederam campanhas solidárias, que seguem sendo realizadas (clique aqui para ajudar). Se a pandemia ainda é uma realidade gritante, as consequências nefastas do derramamento do óleo também o são. 

Povos das águas de todo o Brasil continuam sem respostas.  O silenciamento e o descaso com relação a eles tem sido uma constante. Não fosse a articulação de pescadores, pescadoras e órgãos da sociedade civil, muito dificilmente teríamos uma mobilização como a Campanha Mar de Luta. O grito que  ecoa de rios e mares mostra o quanto passado, presente e futuro não são coisas separadas. O movimento das águas é cíclico, vai e vem, cobre e descobre o petróleo que as autoridades insistem em jogar para baixo do tapete. As feridas desse crime continuam abertas.

Confira as palavras de Dona Celeste.

Reportagem coletiva por: Sarah F. Santos; Lucas Pereira; Diego Barbosa

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