No dia 27 de janeiro, um grupo de mulheres foi até a Prefeitura de Teresina e do Governo do Estado, em busca de medidas de segurança e em defesa da vida das vítimas de violência. Foram recebidas com as portas fechadas, tanto pelo prefeito e nem pelo governador do Estado e, como resposta, apenas a promessa dos assessores de que uma audiência seria agendada para receber o grupo.
Lideranças comunitárias revelam a romaria em busca de proteção às mulheres e as negativas que levam para casa diante dos órgãos, sejam eles municipais, federais ou estaduais. Lúcia Oliveira, do Centro de Defesa Ferreira de Sousa, conta que é procurada por várias mulheres vítimas de violência e que a via crucis para assegurar proteção leva a mais violências por parte das instituições, pois são humilhadas, tornando-as ainda mais impotentes. “Antes que morram mais mulheres temos que fazer alguma coisa”, afirma Lúcia.
Lúcia nos conta que nas últimas semanas tem caminhado com uma mulher vítima de violência, cujo marido a manteve em cárcere privado e deixou fortes lastros de violência em sua vida. Nem mesmo a morte do marido a fez sair desse círculo de violências. Hoje a mulher não pode voltar a sua casa, pois está ocupada por outras pessoas e está extremamente abalada psicologicamente.
Ambas, a mulher violentada e Lúcia, foram em entidades municipais e na Defensoria Pública, mas nada conseguiram. A dificuldade apontada pelos órgãos é de que o marido já faleceu, demonstrando a fragilidade de acolhimento das mulheres que sofrem violências estruturais.
A militante lembra também o caso de Margarida (nome fictício), jovem afroindígena de 23 anos, moradora da periferia de Teresina, cuja a saga ela acompanhou por seis vezes em delegacias especializadas, sem muito sucesso.
Margarida foi vítima de abortamento espontâneo após ser agredida. Lúcia conta que foi em 4 delegacias da mulher acompanhando a vítima e elas se encontravam fechadas. Foram dias de tentativas até que conseguissem realizar um Boletim de Ocorrência. A matéria completa do caso, que aconteceu em março de 2021, pode ser vista no site Ponte.
O descaso é ainda mais agravante no caso de mulheres trans. Recentemente a travesti e florista, Paulinha, que trabalhava pelo centro de Teresina e na sua cidade Timon (MA), foi brutalmente assassinada no bairro Santo Antônio, em Timon. Desde 2012, o STJ – Superior Tribunal de Justiça, julga medidas protetivas em favor de mulheres trans aplicando a Lei Maria da Penha.
É importante ressaltar que as mulheres racializadas, negras e indígenas, estão na ponta da lança da violência. Segundo o Atlas da Violência de 2020, no período entre 2008 e 2018, enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa entre as mulheres negras aumentou 12,4%.
Segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2017, foram registradas 8.221 notificações de casos de violência contra mulheres indígenas. Válido destacar que para estas mulheres a busca por medidas protetivas é ainda complexa, sobretudo, quando se trata de aldeias mais distantes dos aparelhos sociais.
Uma mulher é assassinada a cada 15 dias no Piauí
Uma questão apontada por Lúcia nesta caminhada onde busca proteção para as mulheres é que “quando a gente vai às delegacias denunciar, eles culpam os prefeitos e governadores. Todo começo de ano começa com muita morte de mulher e isso é preocupante”, relata Lúcia.
Somente no mês de janeiro de 2022 foram contabilizadas 3 feminicídios. A Frente Popular de Mulheres contra o Feminicídio encaminhou ofício ao Ministério Público do Piauí exigindo providência no enfrentamento à violência. Segundo a página da frente, “Em meio a essa escalada de crimes e ao agravamento da violência de gênero no período pandêmico, é possível constatar negligências do Poder Público em efetivar políticas capazes de assegurar dignidade e direitos às mulheres. Atualmente, mais de 11 mil processos estão parados na Justiça no Piauí”.
E as medidas tomadas pelos governos, parecem não surtir efeito prático. Desde 2015, quando o assassinato de mulheres por questão de genêro passou a ser tipificado como feminicídio, o número de casos segue estável, com pequenas varições, mas nunca inferior a 26 mortes anuais. Em 2020, em plena Pandemia da Covid-19, foi registrado o recorde de casos, com 31 feminicídios. Ou seja, em 7 anos, o machismo já tirou a vida de 195 mulheres no Piauí, uma a cada 15 dias.
Anísia Teixeira, Movimento Nacional de Luta por Moradia, conta que a violência contra a mulher é estrutural e que toda precarização do sistema acaba recaindo sobre os ombros das mais pobres e vulneráveis. “Quando não temos infraestrutura, acesso a UBS, acesso a transporte, isso também é uma violência contra a mulher. Temos visto o aumento dos feminicídios, o governo precisa ter um programa sobre isso”, conta.
Dificuldade em acessar medidas e ausência de fiscalização
O Tribunal de Justiça do Piauí registrou em 2021 que 11.343 mil medidas protetivas estavam em vigor no estado para a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica. Segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública foram registrados, entre janeiro e setembro de 2021, 4.909 boletins de ocorrência nas delegacias da Mulher.
Apesar dos altos números de medidas protetivas em vigor e dos números de boletins de ocorrências, não há segurança de que as mulheres estão protegidas. Em 2020, na capital piauiense as mortes de mulheres cresceram mais de 50%, de acordo com um boletim da Secretaria de Segurança Pública do Piauí. E em 2021 os casos também superam o ano anterior, de acordo com a Secretaria ( 7º Boletim de Ocorrências de Violência Contra a Mulher no Piauí).
Para Lucineide Barros, pedagoga e militante da Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio, “Com a Lei Maria da Penha há essa conquista das Medidas Protetivas que podem implicar diferentes procedimentos e podem ser solicitadas sem a presença de advogados. Porém, isso só funciona se tiver um sistema de proteção e este sistema está previsto na lei. Ocorre que ele não funciona e só funcionaria se houvesse a intersetorialidade das políticas, principalmente da segurança e da assistência”, afirma.
Lucineide conta ainda que não basta ter acesso às medidas protetivas e que mesmo assim não são todas as mulheres que estão tendo acesso a elas, pois há reclamações sobre a dificuldade de acessar as medidas e a justificativa é de que os atendimentos estão restritos por conta da pandemia. “Isto não é justificativa, pois sabemos que há procedimentos que podem ser adotados remotamente”, argumenta.
É preciso amplo acompanhamento e campanhas massivas
Mesmo as mulheres tendo acesso às medidas protetivas, não é garantia de segurança, pois há uma carência no acompanhamento e fiscalização da medida. “Esta fiscalização deveria fornecer esta retaguarda como, por exemplo, a Assistência Social e as delegacias estarem de portas abertas para quando estiverem ameaçadas serem atendidas. Quando não existe isso não adianta ter medida protetiva, pois a proteção não se reduz a um documento escrito que afirma que o agressor não pode se aproximar”, explica.
Para Lucineide, quando as mulheres falam de rede de assistência se referem a uma política ampla e sistêmica que passa pela política de abrigamentos, prevenção, acompanhamento e vigilância permanente, sistema educativo dentro e fora das escolas e também nos meios de comunicação.
Lucineide aponta a importância de campanhas de comunicação e informação. “Temos visto o governo gastando o orçamento da comunicação social com autopropaganda quando poderia tá investindo em campanhas permanentes e massivas alertando sobre o direito da mulher, informando sobre as medidas protetivas, a quem podem recorrer e etc. As campanhas que o governo faz são timidas”, afirma Lucineide.
Ela também critica o fato dos programas de televisão policialescos atuarem danosamente contra as mulheres, tratando com chacota o tema e culpando as mulheres pelas violências que sofrem.
Veja quais são algumas das Medidas Protetivas
As medidas protetivas são alguns dos mecanismos criados pela Lei Maria da Penha para para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar. Pela lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher é configurada como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Segundo o JusBrasil, as medidas protetivas podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima; fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso.
Outra medida é que o agressor pode ser proibido de entrar em contato com a vítima e familiares ou ainda pagar pensão alimentícia ou alimentos provisórios. Os bens da vítima também podem ser protegidos. Há também outras medidas que podem ser acionadas.
As mulheres vítimas de violência podem solicitar a medida protetiva através da autoridade policial, do Ministério Público ou da Defensoria Pública.
Por Sarah F. Santos, Luam Matheus Santana e Wilton Lopes
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Medidas protetivas no Piauí: dificuldade de acesso e insuficiência na aplicação da lei – RNCDsays:
9 de fevereiro de 2022 at 1:22 PM[…] Publicado originalmente em Ocorre Diario. Para acessar, clique aqui. […]