Passados nove meses desde a derrubada de cerca de 20 pesqueiras na Praia da Lama, em Cajueiro da Praia, litoral piauiense, a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União publicou no final do mês passado a Portaria nº 12.425, que estabelece o Termo de Autorização de Uso Sustentável Coletiva (TAUS), com a finalidade específica de instalação de equipamentos de apoio à atividade de pesca artesanal da comunidade tradicional representada pela organização não governamental “Ilha Ativa”.
A Portaria é uma conquista dos movimentos sociais e populares que desde o início deste ano travam uma árdua batalha contra o poder econômico e especulação imobiliária na região. Com a emissão do TAUS, uma área de 23.735m2 adquire um caráter de interesse público, “na medida em que será destinada à implantação de abrigo-pesqueiro para reparo de canoas, construção de apetrechos de pesca, que beneficiará aproximadamente 34 (trinta) famílias de pescadores artesanais”, afirma o documento.
No mês e fevereiro, mostramos aqui, um cenário de destruição e desespero na Praia da Lama. Cerca de 20 de pesqueiras foram colocadas abaixo por tratores escoltados pela Polícia Militar. O caso aconteceu numa manhã de sábado, dia 13/02, onde os pescadores foram surpreendidos pelas máquinas pesadas colocando abaixo seus espaços de trabalho e abrigo.
Os/as pescadores/as da região há décadas constroem naquela praia um espaço produtivo, coletivo e originário, com respeito ao meio ambiente e os recursos naturais ali existentes e, sob duras penas, preservados. O mar é seu local de trabalho e sustento. As pesqueiras, na orla das praias, seus pontos de apoio e descanso após duras horas de trabalho.
Maria Celeste é uma das líderes do movimento dos pescadores da região da APA do Delta. Para ela, a derrubada das pesqueiras em Cajueiro foi um crime contra a identidade e a comunidade tradicional, que vive ali há mais de 30 anos. “O que tinha que ser visto era o crime das imobiliárias e das empresas, não tirar o sustento e derrubar as pesqueiras de quase 20 pescadores na área.
Só a luta muda a vida: movimentos sociais se unem em defesa dos/as pescadores/as
A luta pelo uso coletivo da terra na região de Cajueiro da Praia não é de agora. Desde 2019 as organizações sociais e representativas dos pescadores/as vêm solicitando a emissão do Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS, que teve prosseguimento somente agora, após a derrubada das pesqueiras em fevereiro desde ano.
Ainda em março desde ano, o Ministério Público Federal (MPF) realizou uma reunião virtual com o objetivo de debater o caso. Na reunião estiveram presentes representantes da Comissão Ilha Ativa, Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP Piauí, Movimentos dos Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP, a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), a Defensoria Pública da União (DPU) e o ICMBio – Instituto Chico Mendes.
De acordo com Luciano Galeno, representante do CPP, nessa reunião foi encaminhado a elaboração do Termo de Uso, atendendo a demanda já apresentada pelos pescadores de Cajueiro. “Após esses encaminhamentos conversamos com os pescadores e pescadoras para saber se o desenho do TAUS agradava a comunidade e somente após isso houve uma liberação”, afirma.
O encaminhamento foi como um sopro de esperança e que agora se concretiza e possibilita aos pescadores e pescadoras artesanais da região mais tranquilidade para manutenção dos seus modos de vida e espaços de trabalho.
Nove meses depois, uma dúvida ainda paira sobre as águas de Cajueiro: quem mandou derrubar as pesqueiras e por quê?
O Ministério Público Estadual, representado pelo Promotor Galeno Aristóteles, acompanhou a ação que colocou abaixo as pesqueiras. Na época em que aconteceu o caso, o órgão informou que não houve ordem judicial para derrubada das pesqueiras, mas um flagrante de crime Ambiental onde a Polícia Militar agiu. “Diante de flagrante crime Ambiental, entre eles, destruição de mata nativa e mangue, em área de preservação permanente no município de Cajueiro da Praia, atuou em conjunto com outros órgãos, como a PM e Polícia Civil”, afirmou a nota enviada em março desde ano.
Também na época do acontecido, a Polícia Militar negou que tenha efetuado a ação. De acordo com o Tenente Coronel Teixeira, a atuação da PM no local se deu por solicitação do Ministério Público, com o objetivo fazer a segurança da população e envolvidos no local. “A polícia civil também esteve no local onde efetuaram a perícia criminal comprovando o desmatamento e ocupação do mangue, o que caracterizou o crime ambiental”, afirma.
A Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU) também não confirmou participação na ação que resultou na derrubada das pesqueiras. Em nota, a SPU informou que na semana seguinte ao ocorrido, nos dias 22 a 25 de fevereiro, realizou uma fiscalização conjunta, que contou ainda com a participação do ICMBio, SEMAR/PI, Polícia Militar e Prefeitura de Cajueiro da Praia/PI. “Durante a operação, foram retirados todos os entulhos que havia no local, bem como as cercas. Agora, a destinação da área está sendo analisada. A expectativa é que o local atenda aos pescadores locais”, afirma a nota.
O fato é que, passados nove meses do caso, as incertezas ainda pairam sobre de onde partiu a decisão de derrubada das pesqueiras. Na época, pescadores chegaram a registrar um boletim de ocorrência na polícia e, em seguida, a Comissão Ilha Ativa, o Conselho Pastoral dos Pescadores, o Movimento de Pescadores/as do Piauí e a Articulação Nacional das Pescadoras do Piauí encaminharam um documento à Polícia Federal, explicando todo o contexto e pedindo que fosse aberta uma investigação. A PF Já esteve em Cajueiro para averiguações, mas informaram que não podem comentar sobre investigações em andamento.
Reportagem coletiva: Luan Matheus Santana e Luciano Galeno
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