As linhas do metrô de Teresina delimitam o território que há mais de 40 anos guarda a história e memória das mais de 160 famílias que moram na Vila Ferroviária, na zona sul da capital. Na última sexta-feira (24/01), após uma visita de técnicos da Prefeitura, os moradores procuraram a equipe do Ocorre Diário, relatando ameaça de remoção e demolição de suas para construção de uma galeria.
De acordo com os moradores, os funcionários da prefeitura informaram que a remoção iniciaria nesta segunda-feira (27/01), inclusive, com o uso de tratores para derrubar as casas. Essa medida atingiria especificamente a Rua Jotal, onde moram cerca de 20 famílias.
Neste domingo (26), nossa equipe foi conversar com os moradores. Segundo eles, a desculpa aparente do poder público é de que precisam demolir as casas para construção de uma galeria de receptação das águas.
Laiara Cristina, representante da Associação de Mulheres do bairro e que há mais de 30 anos mora na região, explicou que a galeria é uma reivindicação de longa data dos moradores, no entanto nunca foi atendida. Os moradores querem que o projeto de construção da galeria assegure a permanência deles. “A nossa luta para pedir a galeria já está com muito tempo. Já faz anos, antes mesmo de 2012. Inclusive, em 2012 foi aprovado um projeto de galeria pra cá e a prefeitura não aceitou o pedido alegando que o dinheiro destinado ao orçamento era pouco”, afirma.
Falta diálogo e informação
Os moradores alegam nunca terem sido consultados e nem informados oficialmente sobre sobre a construção da galeria dessa forma. “Há 2 anos a promessa da Prefeitura era fazer a obra da galeria depois da Via Sul. Agora chegaram sem nenhum possibilidade de diálogo, sem nenhuma proposta de indenização, querendo expulsar os moradores”, afirma Laiara Cristina.
Não bastasse isso, os moradores relatam ainda o aparecimento de placas para construção de um condomínio de luxo, espalhadas em algumas áreas da região. Segundo Laiara, isso é outra questão que traz preocupação aos moradores, principalmente, desde que os funcionários de um empreendimento começaram a murar os terrenos.
A moradora explica a situação e mais uma vez reafirma a falta de diálogo. “Não nos avisaram de nada. A única coisa que sabemos é que vieram murar a área para construção de um condomínio, que já tinha projeto aprovado. Já andaram aqui medindo as ruas e a gente nem sabe para que é. Eles não avisam nada e a gente só fica com medo. Os funcionários dizem que tudo isso aqui é do dono e depois dizem que é só o que tá murado. São muitas informações e nunca teve nenhuma reunião para esclarecer os moradores sobre o que tá acontecendo, nem mesmo nunca nos disseram sobre o outro projeto que é o da floresta fóssil. Nunca conversaram nada com a gente. A gente busca um diálogo de solução e permanência”, diz.
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Falta regularização
Há moradores que estão ali há mais de 30 anos e outros há 40 e mesmo assim nunca tiveram documento de posse, o que gera questionamentos de porque só agora um dono apareceu reivindicando o local. Os moradores exigem da prefeitura seu título de posse. “Em primeiro lugar, nos dê nosso título de posse, porque ficamos sabendo que teve uma audiência, onde os dono de terreno tem o título de posse. E como que a gente mora aqui há mais de trinta anos e não temos nosso título? Essa seria a nossa primeira garantia”, diz Laiara.
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“Área de risco”: Velhas narrativas para expulsar os pobres e dar os melhores territórios aos ricos
A narrativa de que se trata de uma área de risco já é velha conhecida daqueles tem que negado o seu direito à cidade e à moradia frente a grandes empreendimentos, que se arvoram em nome do progresso e do DESenvolvimento.
“A mídia só vem para dizer o que a prefeitura afirma: que nós estamos em área de risco. Se vivemos em área de risco, porque é que eles querem nosso território? Lá onde tem as placas do condomínio que eles querem construir foi onde ficou inundado. Lá que é área de risco e porque que eles vão fazer condomínio lá e foi aprovado e tudo?”, afirma Laiara.
Para os moradores a única saída para a área não ser mais de risco é justamente construir a galeria de forma a beneficiar a população. Segundo eles, a melhor proposta para a prefeitura para construir a referida galeria em outro lugar, segundo eles, não precisa passar por onde as casas estão. As necessidades da população são negadas, assim como os seus saberes.
“Não vieram conversar com a gente e não pediram nossas sugestões, que são melhores, muito mais econômicas e serviria para todos. Ao invés deles passaram a galeria onde eles querem passar, que eles tragam para o meio da rua, que eles adiantem o caminho da galeria”, sugere Laiara. Mais uma vez da luta dos moradores não é contra as benfeitorias na cidade, pelo contrário é para participar das melhorias. Uma pergunta que paira: porque sempre que há uma benfeitoria na cidade os pobres tem que ser removidos? Teresina pra quem? Desenvolvimento para quem?
A cientista social e militante dos movimentos sociais, Fabíola Lemos, esteve com a nossa equipe de reportagem visitando a comunidade e analisa a situação. “A mesma lógica de sempre. Eles chegam de forma sutil e apresentam uma série de irregularidades, quer dizer, pseudo-irregularidades para justificar a saída da população, porque aqui é uma área nobre. Esta é uma área que está sendo muito valorizada e o poder público precisa encontrar uma justificativa para tirar a população. Se aproveitam das pessoas enquanto isso a gente vê os projetos de condomínios de luxo invadindo a cidade com as melhores fatias”, afirma.
Remoções se espalham pela cidade
Na zona norte, mais de 40 famílias dos bairros Risoleta Neves e Água Mineral serão removidas para a construção de uma ponte. Na região do Lagoas do Norte, centenas de famílias da Avenida Boa Esperança seguem ameaçadas de remoção. Para Maria Lúcia, representante do Movimento Lagoas do Norte Pra Quem!?, a falta de diálogo tem sido a marca de todos esses processos de remoções e desapropriações.
** Nossa equipe procurou a Prefeitura de Teresina, em busca de uma resposta quanto a denúncia dos moradores. De acordo com a SDU Centro Norte, não haverá demolição de casa, mas de construções irregulares. A SDU disse ainda que as famílias já foram avisadas desde 2017 da irregularidade e que as casas foram construídas de forma irregular em cima da parede de um canal que não tem resistência para suportar uma parede. Ou seja, foram notificados os que de alguma forma construíram irregularmente. Procuramos também a SDU Sul, que informou que o que existe é a previsão de construção de uma rua como parte do projeto da Via Sul, mas sem a necessidade de retirar nenhuma família do local e ainda sem previsão de início.
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Assinam esta reportagem colaborativa, comunitária e popular: Maria Lúcia, Sarah Santos, Matheus Santana.
Fotos: Maria Lúcia
Comments (1)
Moradores da Vila Ferroviária temem alagamentos e denunciam problemas no sistema de escoamento de águasays:
8 de março de 2022 at 11:10 AM[…] e é parte de um projeto de expansão da cidade que não respeita os territórios periféricos. Em Janeiro de 2020 a comunidade denunciou a Falta diálogo e informação na construção da nova galeria e também as ameaças de despejos por parte do poder público […]