Vi outro dia, nas infinitas possibilidades diárias da internet, um anúncio que me fez ter algumas reflexões. Tratava-se de mais um desses cursos que prometem fazer a pessoa sair da confusão existencial com um treinamento diário, acompanhamento e vídeo-aulas. Tudo minunciosamente elaborado e mercadologicamente bem finalizado.
Muito organizado, o material prometia uma mudança radical na personalidade. Um aperfeiçoamento mental que levaria à decisões precisas. Hoje, no entanto, lamento admitir que a mudança tem apenas uma característica: mudança!
Depois de ler uma imensa página do texto que dizia que era preciso trocar os carmas por dharmas e toda outra infinidade de coisas, fiquei pensando no que tudo aquilo poderia ajudar na concretização da mudança nas pessoas. Fiquei pensando se meus palestramentos sobre transitoriedade e vacuidade conseguiram mudar algo.
Ocorre que a impossibilidade de ter segurança em qualquer fenômeno que seja, já deveria nos impulsionar diuturnamente para o exercício da mudança; nós não devíamos simplesmente procurá-la através de algum mecanismo. Admitindo que conseguiremos ter algo que seja satisfatório e seguro perdemos toda a vivacidade inerente de estar sempre mudando.
Neste sentido, mesmo a busca espiritual pode ser um empecilho para a mudança verdadeira e eficaz. A medida que nos envolvemos com a necessidade de um estado onde haja calma e paz no espírito, não estamos abertos para perceber que ele acontece agora. Então acabamos entrando em um jogo mental onde não há ganhador. Apenas uma busca por felicidade transitória.
Tudo começa a girar em torno de vontades e quereres que não têm como ser efetivos naquilo que precisamos. Estamos mais uma vez tentando nos reencaixar no que consideramos ou que consideram ser o melhor. Não estamos muito interessados naquilo que é a mudança de fato, que normalmente, não é pura satisfação.
Além disso, vivemos em um mundo onde há muitas distrações. São todas elas, em conjunto com os nossos desenfreados pensamentos e desconhecidas emoções, que nos põem em martírio. Sem conhecer a realidade, vagamos pelas nossas hipóteses na tentativa de dar sustentação aos nossos ideais e sonhos. E criamos a cada dia uma fantasia do que pode ser melhor em nossas vidas, julgando quais mudanças devemos fazer.
Acontece que as mudanças não devem vir de julgamento, não podem ser puramente fruto da vontade, mas da necessidade da realidade. E como fazemos isso? Olhando para a realidade!
Na maior parte do tempo não estamos na realidade; fazemos análises, comparamos com circunstâncias passadas e consentimos em um ou outro aspecto sobre o que vemos, ouvimos ou vivemos. Não deixamos que a realidade passe acessível por nós, despejando apenas uma atenção livre de interesse próprio. Estamos querendo sempre ser algo em cima de tudo.
E o que não é novidade é que não somos nem um decimal daquilo que achamos, porque afinal, tudo muda. Mesmo nossas células, nossos cabelos, nossas memórias, nossos amores; tudo muda. E o que resta é sempre uma vontade de mudança, uma insegurança, um medo e uma frustração, tudo porque não tivemos coragem de mudar quando realmente é necessário. Coragem de desapegar do que achamos que é ou que somos. Mas quando encontramos a realidade em nós e no mundo, a mudança virá e mostrará qual o melhor caminho. Quase sem esforço. Naturalmente, como tem que ser.
Texto: Francicleiton Cardoso
Imagem: Deearmarie/Tumblr
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